Museu de Cunha realiza exposição sobre a Revolução de 1932

Folder de divulgação da exposição “Cidade Sitiada”, do Museu Francisco Veloso. Data: Julho de 2022.

Com o título “Cidade Sitiada”, o Museu Francisco Veloso organiza desde o dia 9 de julho de 2022 uma exposição sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, com enfoque nos acontecimentos de Cunha. A guerra civil de 1932 foi o mais importante evento histórico estadual no século XX e teve em Cunha um dos seus teatros principais, devido à proximidade com fronteira interestadual. A exposição vai até o dia 30 de setembro.

Apesar de já se ter passado 90 anos do conflito, deflagrado em 9 de julho de 1932, é um assunto que desperta defesas ou investidas apaixonadas. O historiador Hernâni Donato, em seu livro “História da Revolução Constitucionalista de 1932”, ao tratar sobre o interesse que esse remoto levante armado ainda desperta, aponta: “Extremadas. Assim têm sido as referências ao movimento cívico-político-militar ocorrido em 1932, preparado em vários estados, porém centralizado em São Paulo. Enaltecido ou denegrido”. São Paulo se levantou contra o “Governo Provisório” de Getúlio Vargas, instaurado pela Revolução de 1930, alegando a imediata reconstitucionalização e redemocratização do país. Derrotados no campo militar, os paulistas cantam vitória até hoje, pois o seu ideal, uma nova constituição, foi alcançado. Em 1933 houve eleição para composição da Assembleia Nacional Constituinte e em 1934 uma nova Constituição foi promulgada para o país. Já para o historiador Boris Fausto, em seu livro “História concisa do Brasil”, os objetivos dos paulistas e aliados eram ambíguos. Segundo ele, “a ‘guerra paulista’ teve um lado voltado para o passado e outro voltado para o futuro. A bandeira da constitucionalização abrigou tanto os que esperavam o retroceder às formas oligárquicas de poder quanto os que pretendiam estabelecer uma democracia liberal para o país”.

As ocorrências e consequências do conflito ainda estão vivas na memória de muitos cunhenses. Não as desavenças políticas das elites, mas o sofrimento do povo e a perda da inocência com tanta violência em um lugar outrora tão pacato. A tradição oral sobre a guerra civil vai desde as anedotas do contador de causos “Zé Varda” até o silêncio de traumas insuperáveis, vivos ainda nas lembranças daqueles que vivenciaram de perto os horrores de ter uma guerra acontecendo no quintal de casa.

O objetivo da exposição é provocar novos olhares e leituras sobre o movimento armado, ampliando a discussão para além das motivações políticas e das narrativas orquestradas por elas. Por isso, além de abordar os aspectos gerais do conflito, é tratado o desdobramento na cidade de Cunha, do cerco militar que a cidade passou entre julho e agosto de 1932. O envolvimento dos soldados e também dos moradores, civis, pessoas alheias aos acontecimentos políticos nacionais, mas que acabam tomando parte, sem querer, na guerra civil. Um verdadeiro drama que o tempo ainda não foi capaz de apagar.

A diretora do Museu, Dina Zélia Chimello, afirma que a exposição foi feita pensada nos cunhenses e aguarda a visita de todos. Recentemente, ela gentilmente nos concedeu uma entrevista sobre a exposição, que reproduzimos abaixo.

Jacuhy – Qual é o objetivo da exposição “Cidade Sitiada” e o que o Museu pretende promover com ela?

Dina Chimello: O objetivo principal é contar a história da Guerra Civil de 32, na cidade de Cunha, com base em relatos memorialísticos (foram feitas entrevistas com antigos moradores; e extraídos os testemunhos escritos de soldados voluntários). E assim provocar uma reflexão sobre as experiências vividas naqueles três meses de guerra, seja pelos soldados, ou pelas muitas famílias que abandonaram suas casas para viver no mato, sem alimento e proteção, segundo relato do sr. Enéas Roberto de Toledo, Dona Maria Pacheco e sr. Nino, os quais com seus testemunhos contribuíram, traduzindo os sentimentos dos seus antepassados e familiares.
O MFV (Museu Francisco Veloso) pretende, com a exposição “Cidade Sitiada”, promover e estabelecer vínculos com os cunhenses, em particular com as instituições escolares, de modo a contribuir para o envolvimento de professores e alunos com a memória e a história da cidade.

Jacuhy – Por que a escolha pela Revolução de 1932, uma guerra civil, como tema da primeira exposição do Museu sob sua gestão?

Dina Chimello: O tema foi uma sugestão do prefeito José Eder para celebrar os 90 anos da Guerra Civil de 1932. Os historiadores, Maria Izabel de Azevedo Marques Birolli, e Joaquim Roberto Fagundes foram responsáveis pela pesquisa histórica, e Andreas Guimarães pela expografia.

Jacuhy – Qual tem sido a impressão sobre a exposição dos munícipes e turistas que visitam o Museu?

Dina Chimello: É bastante impressionante como a exposição tem sido bem avaliada! Depoimentos cheios de emoção sobre a montagem da sala que conta a história dos “Lenços Brancos”, na voz de Tereza Freire. Sobre a grafia dos textos em tecidos, sobre a réplica da matraca e do boneco do soldado, obras do dedicado artesão Reginaldo da Silva Martins. Admiração ainda com a tecnologia de landing Page e QR code disponíveis em todas as salas, um recurso que possibilita maior alcance e visibilidade, trabalho técnico de Kauan Yorras Ruan Pereira, empresa, Essencial Artes Designer e Publicidade.

Jacuhy – Sabemos que a Revolução de 1932 ainda é trabalhada nas aulas de História. As escolas de Cunha têm frequentado a exposição?

Dina Chimello: Sim, uma grande quantidade de alunos e professores já visitaram a exposição, e queremos continuar a recebê-los com muita alegria e disposição. Acreditamos que, inspirados por ela, poderão surgir muitas e importantes atividades escolares. Esperamos ainda que estes alunos levem seus familiares. A exposição foi movida pelo sonho e o desejo de receber os cunhenses!

Jacuhy – Até quando vai a exposição e qual o horário que o Museu fica aberto à visitação? Ele funciona aos sábados e domingos?

Dina Chimello: Até dia 30/9 de 2022. De terça à sexta-feira, das 9h às 16 horas. Aos sábados das 10h30 às 16 horas. Aos domingos das 10h30 às 13 horas.

O Museu fica no calçadão da rua Comendador João Vaz, centro de Cunha, no casarão que pertenceu ao sr. Nenê Felipe.

Pedra Grande – Cunha – SP

Pedra Grande da Serra da Bocaina. Foto: Pousada Joaninha.

Localização:
Está localizada no bairro do Campo da Bocaina, zona rural de Cunha (SP). Está totalmente localizada dentro do território cunhense, mais especificamente dentro do território do distrito de Campos de Cunha, na região fronteiriça com o município de Silveiras (SP). As coordenadas geográficas do lugar, obtida pelo Google Maps, são as seguintes: 22°49’16.1″S; 44°46’05.3″W.

Localização da Pedra Grande, município de Cunha (SP). Cartografia: Jacuhy.

Altitude:
É variável, conforme o produto cartográfico, site geoespacial ou SIG utilizado. Assim, é no:

a) IBGE: 1.800 metros.
b) IGC: 1.807 metros.
c) Google Maps: 1.780 metros.
d) Google Earth: 1.810 metros.

Altimetria, cobertura do solo e localização da Pedra Grande, em carta do IGC, escala 1:10.000. Recorte e edição: Jacuhy.

História:
Quando os portugueses começaram a colonizar a região do Vale do Paraíba, nos fins do século XVI e início do século XVII, a região da Serra da Bocaina foi um dos últimos refúgios dos indígenas (Puris) que resistiram à catequização e ao aldeamento. No século XVIII, com a descoberta de ouro em Minas, a região é recortada por caminhos alternativos à Estrada Real, aproveitando as trilhas indígenas que já havia pelas galerias e descampados. Da atual cidade de Lorena (SP), antiga Hepacaré, partiam rotas para o gado e para ouro desviado e furtado (descaminhos), visando alcançar o porto de Mambucaba (RJ), desviando das barreiras alfandegárias e postos de fiscalização e controle. No século XIX viveu o Vale o ciclo do café. As rotas serranas foram reativadas, visando escoar a produção até o porto mais próximo. Como as garoupas (município do “fundo do Vale”) foram pródigas na produção, tropeiros atravessavam a Serra com suas tropas abarrotadas de café, almejando chegar à Mambucaba ou Angra dos Reis (RJ). Nesse tempo, de muito trabalho e escravidão nas fazendas da região, a Bocaina forneceu boqueirões e grutas para formação de quilombos de negros fugidos e resistentes à escravidão. Nos anos de 1940, desenvolveu-se naquelas bandas a pecuária extensiva de leite e corte, agravando processos erosivos e levando a destruição da flora local. Com solo pobre, a agricultura nunca foi o forte da área. Nos anos de 1970 surgiu o Parque Nacional da Serra da Bocaina, demonstrando a importância ecológica e a consequente necessidade de preservar a região, estrategicamente localizada entre as duas maiores metrópoles do país, São Paulo e Rio de Janeiro. Ali por perto, em Angra dos Reis (RJ), nos anos de 1970, durante o Regime Militar, começa a instalação da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA), complexo formado por 3 usinas nucleares, projeto para lá de polêmico e muito criticado por ambientalistas. Da década de 1990 em diante, com o advento do turismo na região, a Serra da Bocaina começou a ser explorada pela sua beleza paisagística, pelo clima de altitude e pela vegetação diversificada e esplendida, onde a Mata Atlântica incorpora elementos naturais de áreas subtropicais.

A cidade de Cunha, aos pés da Serra do Alto do Diamante, vista desde a Pedra Grande. Foto: Pousada Joaninha.

Meio físico:
A Pedra está localizada na Serra da Bocaina, em lugar marcado pelo clima tropical de altitude, porém bem mais frio e úmido que o entorno, devido à altitude superior e à proximidade com o mar. As temperaturas ficam na média anual inferior a 17°C e com verão brando. Durante os meses de inverno, principalmente junho e julho, ocorrem temperaturas inferiores a 0° C, ocasionando geadas. Está inserida na bacia hidrográfica do rio Paraitinga, sendo uma região de cabeceira e nascentes. O solo da região é típico de região serrana, sendo o cambissolo húmico. A vegetação é de campos de altitude, as matas ficam concentradas apenas nos fundos dos vales. Nos campos de altitude há a predominância de espécies herbáceas e arbustivas. Conforme a altitude diminui, tem-se a dominância de espécies arbóreas que formam uma mata característica da Floresta Ombrófila Mista Alto Montana, com a presença de Araucárias. As unidades geológicas que afloram na região pertencem ao Terreno Embu. Essa entidade tectônica é constituída por rochas metamórficas e ígneas, em sua maioria com idades proterozoicas (formadas há 2,5 bilhões a 542 milhões de anos). A Pedra em si, do ponto de vista geológico, é um afloramento de Metagranitóide Porfirítico, exercendo controle sobre morfologia do entorno, se destacando no relevo devido a sua resistência à alteração intempérica.

Aspecto da Pedra Grande e entorno. Foto: EcoValeTur.

Parque:
Apesar de estar na Serra da Bocaina, a Pedra Grande não está inserida dentro do Parque Nacional da Serra da Bocaina, unidade de conservação de proteção integral. Assim, não há controle de visitação ao local, o que pode ser bastante danoso ao ecossistema do lugar. Não há nenhuma estrutura física para atender a demanda de visitantes e nem qualquer tipo de fiscalização pelo poder público. O descarte de lixo feito de maneira inapropriada no local ou mesmo as fogueiras, acendidas pelos esporádicos acampamentos, podem causar poluição ou queimadas acidentais, colocando em risco o rico e diferenciado ecossistema da Bocaina, considerado por muitos cientistas um refúgio ecológico.

Mapa concêntrico da Pedra Grande da Bocaina. Notar a proximidade com Campos de Cunha. Elaboração: Jacuhy.

Ecoturismo:
Por estar no topo das escarpas da Serra da Bocaina, a Pedra é um excelente mirante, de onde se pode avistar a Mantiqueira, a cidade de Cunha, parte do Vale do Paraíba, a Serra do Mar e da Quebra-Cangalha e até alguns pontos da Costa Verde fluminense. A beleza cenográfica do lugar é de tirar o fôlego. A exploração turística do mirante já vem sendo feita. Passeios de moto, de bicicleta (mountain bike), a pé (trekking), a cavalo, de carro (off-road) têm a Pedra como paragem (camping) ou percurso. O município de Silveiras já explora turisticamente a Pedra, conforme é possível observar nas suas peças de divulgação turística. No entanto, cabe a Cunha saber aproveitar também o mirante da Pedra Grande, já que é parte de seu território, incluindo-o em seu mapa turístico e como um dos destinos a ser visitado pelos viajantes que aqui chegam ou passam. A inclusão desse mirante contribuirá com o próprio desenvolvimento turístico do distrito de Campos de Cunha. Mas é preciso pensar e planejar formas não predatórias de turismo no lugar.

Vídeo da Pedra feito pela empresa EcoValeTur. Data: 12 de jul. de 2019.

Acesso:
A Pedra pode ser acessada por estrada de terra batida, tanto pelo município de Silveiras (SP), via bairro dos Macacos (Colinas), como por Cunha, via bairro da Bocaina. O acesso mais comum e mais recomendado, devido às condições da estrada, é por Silveiras. Pela facilidade de acesso, muitas pessoas confundem a localização da Pedra, colocando-a dentro do município de Silveiras, quando na verdade está dentro de Cunha, conforme pode ser visto nos recortes cartográficos que acompanham esta postagem. Esse Embaraço é reforçado ainda, porque a Pedra está muito próxima à divisa intermunicipal. Equívocos desse tipo ocorrem com frequência com morros em áreas ou próximos de limites territoriais. Veja o que ocorre, p. ex., com a Pedra Macela, na divisa entre Cunha e Paraty (RJ).

Pedra Grande e Serra da Bocaina. Foto: Emil Davidson. Data: maio de 2019. Fonte: Google Maps.

Outras informações:
a) No Google Maps, Pedra Grande já aparece como “Trilha de Caminhada”, porém com “plus code” (56JH+7F Silveiras, São Paulo) localizado em Silveiras, possivelmente cadastrado no site pela ECOVALETUR.
b) Não temos nenhuma informação sobre as condições de trafegabilidade no momento, das estradas que levam à Pedra Grande; entretanto, convém salientar, que nunca foram boas e não são recomendadas para carros de passeio.
c) “Bocaina” é vocábulo de origem tupi, disso não há dúvida; todavia seu significado é controverso. Uma das acepções é: “lugar onde há fontes de água”, derivando de bocá, “irromper”, e ynhã, “fonte, ou jorro d’água”. Talvez seja esse o porquê da Serra apresentar um inexistente lago nas representações cartográficas coloniais, setecentistas; tomando, certamente, os cartógrafos, por fidedigna a tradução literal do vocábulo indígena. No entanto, de fato o termo faz jus à condição hidrográfica da Serra, pois nela nasce o rio Paraitinga, principal formador do rio Paraíba do Sul.

Situação da Pedra Grande, em recorte feito na carta do IBGE, escala 1:50.000. Edição: Jacuhy.

Referências:
AB’SÁBER, Aziz Nacib. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
ECOVALETUR. Pedra Grande da Bocaina (roteiro). Disponível em: <  https://ecovaletur.com.br/roteiro/pedra-grande-da-bocaina/ >. Acesso em: 2 mai. 2021.
GOOGLE MAPS. Disponível em: < https://www.google.com.br/…/@-22.8211891…/data=!3m1!1e3 >. Acesso em: 2 mai. 2021.
IBGE. Campos de Cunha. Rio de Janeiro: IBGE, 1974. 1 carta topográfica, color., 4465 x 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF-23-Z-A-IV-3, MI: 2742-3. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/…/GEB…/SF-23-Z-A-IV-3.jpg >. Acesso em: 25 nov. 2020.
INSTITUTO GEOGRÁFICO E CARTOGRÁFICO (IGC). Ribeirão dos Criminosos. São Paulo: Governo do Estado de S. Paulo – Sec. de Economia e Planejamento: Plano Cartográfico do Estado de S. Paulo / Coordenadoria de Divisão Regional / Divisão de Geografia, 1978. Escala 1:10.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Carta SF-23-Z-A-IV-3-NE-D, Folha: 074/135.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SILVEIRAS. Silveiras, Terra do Tropeiro. Vídeo de divulgação. Letra e música: Celso Galvão. Data da postagem do vídeo: 21 de fev. de 2019. Disponível em: < https://youtu.be/CzMOTWIEja8 >. Acesso em: 20 out. 2020.
POUSADA JOANINHA. Passeios. Disponível em: < https://www.pousadadajoaninha.com.br/passeios.php >. Acesso em 26 out. 2020.
REIS, Paulo Pereira dos. O indígena do Vale do Paraíba: apontamentos históricos para o estudo dos indígenas do Vale do Paraíba paulista e regiões circunvizinhas. Coleção Paulística, v. 16. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1979.
ROMARIZ, Dora de Amarante. Biogeografia: conceitos e temas. São Paulo: Scortecci, 2008.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente, Instituto Florestal. Mapa pedológico do Estado de São Paulo: revisado e ampliado. Marcio Rossi. São Paulo: Instituto Florestal, 2017. 118p. : il. color ; mapas. 42×29,7 cm. Disponível em: < http://www.iflorestal.sp.gov.br >. Acesso em: 1 mai. 2021.
SOARES, Arthur Távora de Mello. Mapeamento Geológico, Análise Estrutural e Metamorfismo nas proximidades de Campos de Cunha, São Paulo. Monografia de Graduação em Geologia. Orientadores: Julio Cezar Mendes, Rodrigo Vinagre. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro / Instituto de Geociências / Departamento de Geologia, 2018. Disponível em: < http://hdl.handle.net/11422/4254 >. Acesso em: 2 mai. 2021.
TIBIRIÇÁ, Luiz Caldas. Dicionário de topônimos brasileiros de origem Tupi. São Paulo: Traço, 1985.
TOLEDO, Francisco Sodero. Estradas Reais: O Caminho Novo da Piedade. Campinas, SP: Editora Alínea, 2009.

Vídeo do canal “Girando na Vida” sobre a Pedra Grande. Data: 18 de mai. de 2020.

Turismo em Cunha: cartografias, regionalizações etc.

O Lavandário e o pôr-do-Sol mais lindo do Brasil.

Faço aqui algumas breves considerações sobre a cartografia turística do município de Cunha e as regionalizações impostas pela Secretaria de Turismo de São Paulo e pelo Ministério do Turismo.

Cartografia

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2009. Fonte: Prefeitura de Cunha (SP).

Esse mapa turístico de Cunha vem sendo reproduzido e impresso pela Prefeitura, com algumas alterações, desde o início deste século. Foi criado pelo designer cunhense Wagner Oliveira. Sem dúvida, é muito bonito e elegante, mas peca nos aspectos cartográficos. Prevalece os aspectos estéticos sobre os técnicos. A cidade de Cunha, como se nota, está ampliada e o restante que do plano, que cobre o município, está em escala menor. Esse tipo de representação acarreta muitas distorções e gera confusão em que lê esse mapa. Geralmente, quando se amplia parte de uma peça cartográfica, a representação em escala maior aparece fora do plano geral, no canto e/ou destacada, a fim de chamar a atenção e não iludir quem realiza a leitura. Ademais, os pontos turísticos de Cunha, diferente de Campos do Jordão, por exemplo, não estão concentrados no perímetro urbano, mas dispersos pela nossa extensa área rural. Desse modo, ainda que o objetivo dessa técnica seja permitir a localização dos pontos turísticos e empreendimentos turísticos dentro da cidade, acaba atrapalhando a localização dos lugares similares que estão na zona rural, já que, como escrevi, Cunha não tem seus pontos e empreendimentos turísticos concentrados na zona urbana. A falta de uma escala mais próxima à realidade, sobretudo nos trechos rurais, tem gerado muitas frustrações nos turistas que se guiam por esse mapa, quando percorrem os roteiros que haviam traçado.

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2015. Fonte: CunhaTur.

Outro problema é a quantidade de informações que são apresentadas e representadas. Como o número de empreendimentos turísticos em nosso município vem aumentando a cada ano, à medida em que esses mapas são atualizados, ficam cada vez mais poluídos e carregados, o que compromete a leitura e a estética da peça gráfica. A solução pode estar na seleção das informações fornecidas ou na criação de um mapa digital para o turismo cunhense, através de um aplicativo para smartphone, por exemplo. Com os mapas digitais não só a atualização pode ser feita de maneira mais rápida e econômica, como a quantidade de informações pode ser resolvida com a criação de camadas selecionáveis, onde o próprio usuário pode decidir o que ele quer ver e localizar.

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2019. Fonte: Prefeitura de Cunha (SP).

Regionalizações

Cunha era uma estância climática desde 1948. Foi a primeira do estado, antes até de Campos do Jordão. Na verdade, era para ser estância hidromineral devido às fontes da “Águas Virtuosas de Santa Rosa”. Mas, por pressões políticas de alguns deputados federais, insuflados pelos municípios que já gozavam desse “status” e acesso ao orçamento estadual, acabou se tornando uma estância climática (VELOSO, 1995, p. 12). Nessa batalha de Cunha atuaram dois políticos da época: deputado estadual Sebastião Carneiro da Silva (PSD), grande batalhador das causas valeparaibanas, e o governador Ademar de Barros (PSP), ex-combatente do serviço médico do Exército Constitucionalista, tendo servido na frente de Cunha. Na década de 1940, o dr. João Lellis Vieira, cunhense “da gema” e articulista do jornal “Correio Paulistano”, aproveitava o espaço que tinha para provocar Campos do Jordão, exclamando que Cunha, ao contrário daquela estância da Mantiqueira, era “climatericamente a Suíça Brasileira!”. Puro bairrismo. E um monólogo inócuo. Em nada abalou a reputação de Campos do Jordão, construída pelo próprio governo estadual, visando massagear o ego e ofertar um “plano B” para as quatrocentonas falidas, que já não dispunham de bufunfa para visitar a Suíça (de verdade) …

Mapa da Tipologia Turística das Estâncias Paulistas. Ano: 2017. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo.

Em 2015, o artigo 7º, da Lei Complementar nº 1.261 do estado de São Paulo, que Estabelece condições e requisitos para a classificação de Estâncias e de Municípios de Interesse Turístico e dá providências correlatas”, prescreveu que “os municípios classificados por lei como Estâncias Balneárias, Hidrominerais, Climáticas e Turísticas passam a ser classificados como Estâncias Turísticas, sem prejuízo da utilização da terminologia anteriormente adotada, para efeito de divulgação dos seus principais atrativos, produtos e peculiaridades.” Assim, ainda que a Prefeitura de Cunha mantivesse a divulgação do título de “Estância Climática”, oficialmente passou a ser “Estância Turística”. Na parte que interessa à Municipalidade, o acesso à verba extra do orçamento estadual para fomentar o turismo local, nada mudou. Portanto, nenhum estardalhaço foi gerado. A questão que se pôs a partir de então foi como o Governo Estadual organizaria e enquadraria os municípios turísticos.

Mapa dos Segmentos Turísticos no Estado de S. Paulo. Ano: 2017. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo.

Em um primeiro momento, a Secretaria de Turismo estadual lançou um documento para orientar as prefeituras sobre as mudanças ocorridas por força da nova lei. Assim, naquele momento, São Paulo estava dividido turisticamente em 15 macrorregiões e subdividido em 34 regiões turísticas englobando todos os 645 municípios paulistas (SÃO PAULO, 2015). Cunha pertencia à “Macrorregião do Vale do Paraíba” e à “Região Turística do Vale do Paraíba e Serras”. Basicamente, a Secretaria seguiu a regionalização histórica já existente, sem inventar moda. No mesmo documento, ao aprofundar a regionalização, a Secretaria criou os “Circuitos Turísticos”, uma sub-regionalização das regiões turísticas. Cunha, por sua vez, integrava, simultaneamente, o “Circuito Cultura Caipira”, junto com outros municípios do Alto Vale, e o “Roteiro do Vale Histórico”, junto com os municípios do “garoupas”. Essa regionalização era bastante condizente com a realidade e a história local, valorizando os aspectos culturais de Cunha e adjacências.

Cunha foi inserida dentro do segmento histórico e cultural, com destaque por sua cerâmica de alta temperatura nacionalmente conhecida. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo. Ano: 2017.

A referida Lei Complementar reconhecia 13 segmentos de turismo: Social; Ecoturismo; Cultural; Religioso; Estudos e de Intercâmbio; de Esportes; de Pesca; Náutico; de Aventura; de Sol e Praia; de Negócios e Eventos; Rural; de Saúde. Sendo que Cunha estava segmentada dentro de uma região de turismo cultural, cuja definição, dada pela mesma lei é a que segue: “compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”. Ainda que não seja a melhor para descrever o turismo cunhense era mais condizente que o enquadramento dado, por exemplo, ao turismo religioso, que é definido assim: “configura-se pelas atividades turísticas decorrentes da busca espiritual e da prática religiosa em espaços e eventos relacionados às religiões institucionalizadas, independentemente da origem étnica ou do credo”. Entretanto, a partir de 2017, Cunha passou a integrar a “Região Turística da Fé”, junto com Aparecida, Cachoeira Paulista, Guaratinguetá etc. mesmo não sendo um centro de peregrinação religiosa como esses municípios.

Mapa dos Circuitos Turísticos Paulistas. Ano: 2016. Fonte: Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo.

O que se vê é que nem o próprio Governo conseguiu superar a utilização e categorização das estâncias (turísticas, climáticas e hidrominerais), ainda que oficialmente tenha sido proscrita. O termo “municípios turísticos” ou “estância turística” ainda não foi plenamente assimilado pelas pastas estaduais. E muito menos pelos municípios, empresários, guias e população em geral. Por óbvios motivos políticos e eleitorais, em 2016, uma lei estadual criou a categoria “Municípios de Interesse Turístico”, ampliando em mais 140 o número de municípios paulistas com acesso ao filão orçamentário para “incrementar o turismo”.

Interessante notar que até no site desenvolvido pelas prefeituras da Região Turística da Fé, a foto de Cunha na página inicial é a única não remete à religião ou às igrejas, apresentando a foto de uma das dezenas de cachoeiras do município na chamada da página inicial. Ainda que as festas religiosas de Cunha sejam seculares e possam atrair turistas, elas são expressões de fé da população local e não um evento de cunho turístico. São manifestações de fé genuínas e não eventos comerciais de fundo religioso. Talvez a única exceção dentro dessas manifestações seja a Festa de Sá Mariinha das Três Pontes, em cujo lugar há até um pequeno centro de apoio ao romeiro, mas ainda assim são romeiros de Cunha e adjacências que vistam o local, ou seja, devotos da própria região e que estão no mesmo meio cultural. Diferentemente de Aparecida, Cachoeira Paulista e Guaratinguetá, que são centros nacionais do Catolicismo, e atraem fiéis até de outros países e em contingentes impensáveis para as festas religiosas de Cunha.

A descrição para caracterização da Região Turística da Fé é ambígua. Vejamos: “A Região Turística da Fé se destaca como uma das mais belas do país, está localizada no eixo Rio x São Paulo entre as Serras da Mantiqueira, da Bocaina e do Mar. São 08 municípios no Vale do Paraíba que estão unidos pelo desenvolvimento do turismo regional: Aparecida, Cachoeira Paulista, Canas, Cunha, Guaratinguetá, Lorena e Piquete. Com um grande número de santuários e belezas naturais a região proporciona uma experiência única de fé, contemplação e atividades turísticas em meio das lindas paisagens de serras e rios nos mais variados tipos de turismo e seus atrativos: turismo religioso, turismo rural, turismo cultural, de esportes, de aventura, ecoturismo, negócios e eventos, náutico e gastronômico.” (grifo meu) (REGIÃO TURÍSTICA DA FÉ, 2020). Como se nota, não se sabe ao certo qual o tipo de turismo a desenvolver, porque uma coisa é atrair e acolher romeiros e outra coisa é desenvolver o ecoturismo. No encontro que culminou em um estatuto para os municípios integrantes da RT da Fé, afirmou-se que: “(…) muitos projetos possam acontecer na Rota da Fé, tanto focando a religiosidade regional, como investimentos na infraestrutura (…)” (grifo meu) (PREFEITURA DE APARECIDA, 2019). Ora, como Cunha focar seu investimento em eventos religiosos, se quase todas suas festas turísticas são laicas e comerciais?

Mapa das Regiões Turísticas do Estado de São Paulo. É o que está em vigor. Cunha aparece em outra região turística. Fonte: Secretaria de Turismo do Estado de S. Paulo. Ano: 2017.

Praticamente quase todos os tipos de turismo praticados no Brasil são citados como a ser desenvolvido pela Região Turística da Fé. É claro que a diversificação das atividades turísticas é desejável, mas no caso parece que os mentores municipais estão meio perdidos quanto aos objetivos e metas a serem traçadas. Ter colocado Cunha no meio desses municípios engrossou o caldo da confusão, sem dúvida. Quem dá enfoque em tudo acaba não priorizando nada. Não há nenhum elemento caracterizador, ainda que o turismo religioso preceda os demais e seja citado “um grande número de santuários”, para logo em seguida já destacar as “belezas naturais”, que uma caracterização tão genérica, que pode aparecer na descrição da maioria das regiões turísticas do mundo. O fato é que Cunha não conta com santuários e nem é visitada por motivos religiosos. Na página de Cunha, no site da Região Turística da Fé, até são citadas as festas religiosas, mas os destaques são para os campos de lavandas, cachoeiras e às festas ligadas ao clima serrano. Faria mais sentido, penso eu, alocar Cunha na região vizinha, do “Rios do Vale”, que engloba parte dos municípios do Alto Vale do Paraíba. Pelo menos em nosso território nasce o rio Paraibuna, no bairro da Aparição, e ganha corpo o rio Paraitinga, que desce da Serra da Bocaina. Associar a beleza natural a alguma ação contemplativa de fé em nosso município é um grande disparate, a menos que Cunha tenha algum centro de peregrinação xamânica e ninguém nos avisou de nada…

Não se pode criar regionalizações em gabinetes, desconsiderando a história e desenvolvimento de cada lugar. Canetadas de políticos não devem preceder e prevalecer sobre o trabalho científico de geógrafos e turismólogos.

Considerações finais

Atualmente, a maior parte das pessoas que visitam Cunha utiliza para encontrar os destinos almejados as plataformas cartográficas digitais, como o Google Maps (por exemplo), por serem mais simples, acessíveis e atualizadas. Acessíveis até certo ponto, convenhamos, já que em uma boa parte da zona rural de Cunha não há sinal de celular e, consequentemente, de internet. Entretanto, ainda que venha caindo em desuso e estejam condenados, os mapas turísticos impressos de Cunha precisam equilibrar os aspectos artísticos e técnicos na sua apresentação, tornando-se um instrumento de localização mais útil a quem se destina: os turistas.

Com relação à regionalização turística a que Cunha foi submetida, compete à Prefeitura, através de seu corpo técnico, e ao Conselho Municipal de Turismo de Cunha (COMTUR) questionar esse enquadramento alheio à realidade do turismo local: ao seu desenvolvimento e história, à sua tipologia e às potencialidades que apresenta. Inclusive, o planejamento turístico estadual aponta que um dos objetivos estratégicos para o setor é “promover a atuação articulada de agentes públicos e privados na implantação de empreendimentos e produtos turísticos nacionais ou internacionais, que aproveitem as vocações e potencialidades dos municípios e regiões do Estado de São Paulo.” (SÃO PAULO, 2020, p. 37). E ainda, no mesmo documento, estabelece que o “incentivo e valorização das iniciativas que fortaleçam a identidade local e regional dos destinos turísticos” e a modernização e ampliação das “estratégias de marketing e comunicação de destinos, produtos e serviços turísticos ofertados no Estado de São Paulo nos níveis municipal, regional, nacional e internacional” (SÃO PAULO, 2020, pp. 44-45) são estratégias prioritárias para fomentar o turismo paulista na próxima década. Trata-se de uma regionalização totalmente deslocada, no tempo e no espaço. E que pode comprometer nosso desenvolvimento turístico se for seguida e houver direcionamento de investimentos.

Cunha viveu nesse primeiro quinquênio da pavimentação completa da rodovia que liga a cidade a Paraty (RJ) um crescimento nunca visto do seu turismo. O fluxo cada vez maior de pessoas que se dirige às praias da Costa Verde fluminense e para o Litoral Norte paulista transformou nossas montanhas em vitrine e propaganda ininterrupta do lugar. É um outdoor vivo e verdadeiro dos dois lados da pista da rodovia SP-171. Entretanto, é preciso planejar e aprimorar as atividades turísticas que acontecem aqui, para gere renda e traga benefícios para todos os cunhenses e que seja sustentável, ecologicamente e financeiramente, nas próximas décadas.

Vídeo sobre a então Estância Climática de Cunha, produzido pela Aprecesp (Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo), em 2012.

Referências:
CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007.
LIBAULT, A. Geocartografia. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
PREFEITURA DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE CUNHA. Mapa Turístico de Cunha já está disponível aqui no site oficial da prefeitura, 22 jan. 2019. Disponível em: < http://www.cunha.sp.gov.br/noticias/mapa-turistico-de-cunha-ja-esta-disponivel-aqui-no-site-oficial-da-prefeitura/ >. Acesso em: 4 out. 2021.
PREFEITURA DE APARECIDA. Estatuto da Região Turística da Fé, 26 jul. 2019. Disponível em: < https://www.aparecida.sp.gov.br/portal/noticias/0/3/326/estatuto-da-regiao-turistica-da-fe >. Acesso em: 5 out. 2021.
REGIÃO TURÍSTICA DA FÉ. Conheça Cunha. Disponível em: < https://rtdafe.com.br/cunha/ >. Acesso em 4 out. 2021.
______. Sobre a região. Disponível em: < https://rtdafe.com.br/ >. Acesso em 4 out. 2021.
SÃO PAULO (Estado). LEI COMPLEMENTAR Nº 1.261, DE 29 DE ABRIL DE 2015. Estabelece condições e requisitos para a classificação de Estâncias e de Municípios de Interesse Turístico e dá providências correlatas. São Paulo (SP), abr. 2015. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2015/lei.complementar-1261-29.04.2015.html >. Acesso em: 5 out. 2021.
SÃO PAULO (Estado) / Secretaria de Turismo. Município de Interesse Turístico: cartilha de orientação de acordo com a Lei 1261/15. São Paulo: Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, 2015. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/publico/include/download.php?file=108 >. Acesso em: 4 ou. 2021.
______. Municípios Turísticos (Estâncias), 29 mai. 2017. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/publico/noticia_tour.php?cod_menu=77 >. Acesso em: 9 out. 2021.
______. Mapa das Regiões Turísticas. 2017. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/datafiles/suite/escritorio/aplicativo/conteudo/album_fotografico/782.jpg >. Acesso em 5 out. 2021.
______. TURISMO SP 20-30: Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo do Estado de São Paulo – resumo executivo. São Paulo: SETUR, out. 2020. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/datafiles/suite/escritorio/aplicativo/webdesign/abertura/Plano%20Turismo%20SP%2020-30%20site09dez2020.pdf >. Acesso em: 5 out. 2021.
SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tipologia Turística das Estâncias Paulistas – 2017. “Turismo em São Paulo”, TUR.SP – Companhia Paulista de Eventos e Turismo | Disponível em: < http://www.turismoemsaopaulo.com >. Acesso em: 11 jan. 2018.
______. Segmentos Turísticos no Estado de S. Paulo – 2017. “Turismo em São Paulo”, TUR.SP – Companhia Paulista de Eventos e Turismo | Disponível em: < http://www.turismoemsaopaulo.com >. Acesso em: 11 jan. 2018.
VELOSO, J. J. de O. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1995.

1 de outubro de 1958 – Inauguração da Usina Hidrelétrica da Pimenta

Arte para a série “Hoje na História de Cunha”, da página Jacuhy, no Facebook.

Do carbureto à Usina do Encontro

A iluminação pública em Cunha, segundo o professor VELOSO (2010, pp. 439-440), remonta ao último quartel do século XIX, quando foi introduzida na cidade a iluminação por carbureto. Esse sistema, bastante arcaico, perdurou até o ano de 1922, quando um grupo de empreendedores locais criaram a Empresa Melhoramentos Cunhense e assinaram um contrato com a Prefeitura para criar no município uma pequena central hidrelétrica, aproveitando os inúmeros rios e ribeirões que irrigam o território cunhense.

O curso d’água escolhido foi o rio Jacuizinho, quando corta o bairro do Encontro, aproveitando uma queda d’água natural que lá existe. Era uma das mais próximas ao centro urbano. Assim, a cidade de Cunha passou a ser iluminada por eletricidade produzida por essa pequena hidrelétrica, cujas ruínas ainda podem encontradas no mesmo bairro e onde, em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, os combates foram intensos e sangrentos, visando o controle do local.

Entretanto, essa eletricidade fornecida tinha força máxima de 60 volts, quando a demanda já era por 110 volts. A precariedade do serviço fornecido por essa Usina levou a população de Cunha a se revoltar. Por isso, a Prefeitura resolve cassar a outorga de funcionamento da mesma, que nessa época já estava nas mãos do senhor Francisco Sanini, empresário de Guaratinguetá (VELOSO, 2010, p. 441). A revolta dos cunhenses era tanta com a luz elétrica disponível, que até um mote popular corria entre os mais sarcásticos: “Usina do Chico Saninha, o preço é arto, mas a luz fraquinha”.

Luiz da Silva, o bairro do motor

Ao assumir o controle da Empresa Melhoramentos Cunhense, a Prefeitura encontrou os mesmos desafios da iniciativa privada: os transformadores ficavam sempre sobrecarregados. Para remediar essa situação, a Prefeitura de Cunha construiu, em novembro de 1950, uma pequena Usina Térmica no bairro Luiz da Silva, para complementar o fornecimento urbano de energia elétrica. Como essa usina gerava energia através de um motor a diesel, sob responsabilidade técnica do senhor João Luiz Pedro Schneider, ficou o bairro, posteriormente, conhecido pelos cunhenses como “Bairro do Motor”, alcunha que resistiu ao desaparecimento da Usina Térmica, prevalecendo até nossos dias.

Usina Hidrelétrica da Pimenta

Mesmo com as duas usinas em funcionamento, o fornecimento de energia elétrica continuava precário e incapaz de atender a demanda da zona urbana, que era minúscula na época, quiçá da zona rural, que era gigante, povoada e ainda permanecia no breu, quando não superado pelas lamparinas a querosene e pelas velas.

A Municipalidade passa a reclamar junto ao governador uma solução para o problema da iluminação pública, à medida que observavam outras cidades ganhando suas usinas hidrelétricas. Em 1957, o Departamento de Águas e Energia Elétrica do estado de São Paulo (DAEE) realiza estudos técnicos e consegue financiamento dos cofres públicos para a construção de uma usina hidrelétrica na Cachoeira do Pimenta, uma das maiores quedas d’água da região do Vale do Paraíba. A obra se arrasta durante todo o ano de 1958, não ficando pronta para o “Centenário de Cunha”, festança promovida pela Prefeitura, em 20 de abril de 1958, para celebrar os 100 anos de elevação de Cunha à categoria de cidade, ocorrida em 20 de abril de 1858. Mas em 3 de outubro de 1958 ocorreria a eleição para o governo estadual e Jânio Quadros, governador em exercício, estava em campanha para fazer seu sucessor, o senhor Carvalho Pinto. E o jornal O Estado de S. Paulo também. O teor e os adjetivos que recheiam matéria sobre a inauguração da “Usina Hidroeletrica de Cunha” não deixam dúvidas. Portanto, podemos afirmar que foi uma obra bastante eleitoreira.

Em 1º de outubro de 1958, Cunha recebe uma comitiva enviada por Jânio Quadros para inaugurar a Usina Hidrelétrica da Pimenta, composta pelos seguintes próceres: coronel Faria Lima, ministro da Viação, como representante de Jânio; ministro Souza Lima, engenheiro Antonio G. Borba e mais uma penca de políticos da região, que pegaram carona com a comitiva e vieram acompanhar “mais essa gigantesca obra administrativa do governador Janio Quadros”. Os cunhenses, liderados pelo seu prefeito Antonio Acácio Cursino e pelo juiz de direito desta Comarca Paulo de Campos Azevedo, rumam, a cavalo, ao encontro da comitiva motorizada, acompanhados por dezenas de outros cavaleiros, a fim de saudar e dar vivas aos enviados pelo mandatário do Palácio dos Campos Elísios. O dia festivo foi regado por almoço e discursos, em clima eleitoral. A estudante Marília Fernandes da Silva saudou o coronel Faria Lima em nome de todos os cunhenses e lhe entregou um buquê de flores. Cursino, o prefeito, e o Dr. Azevedo, o juiz, discursaram. De Cunha seguiu a comitiva até o bairro do Monjolo, onde oficialmente foi inaugurada a Usina e benzida pelo padre Rodolfo Ignácio Schebesta. Retorna a comitiva à cidade e, ao arrebol, com toda a urbe às escuras, liga a chave de funcionamento o coronel Faria Lima. As lâmpadas acendem. Desfilam civicamente pelas ruas os estudantes. Cunha está iluminada.

A Usina fora construída em concreto ciclópico ao custo de Cr$ 8.500.000,00 ao orçamento. Seu vertedouro possuía 1,8m, com queda aproveitável de 56m, com tubos de 63cm. O gerador era capaz de produzir 220 KVA de energia elétrica, capacidade que poderia ser ampliada. Também foi instalada uma linha de transmissão elétrica de 13.200 de voltagem, entre a Usina e a cidade de Cunha. A esperança era que toda essa força iluminasse não só a cidade, mas os bairros rurais. Apontou a reportagem do Estadão, em 2 de outubro de 1958, que os laticínios, agroindústrias que haviam surgido na zona rural município, poderiam se beneficiar dessa obra pública. Ledo engano.

Na década de 1970, a produção energética da Usina do Pimenta já estava superada e os políticos locais já estavam correndo atrás do Governo Estadual para resolver o problema. Em reportagem de 1.970, através de seu enviado especial, o Estadão noticiava: “energia elétrica é o grande problema de Cunha”. A demanda era 1.000 KWA, mas a Usina só produzia 250 KWA e dois motores a diesel, para amenizar a precariedade, produziam 150 KWA. A Prefeitura creditava à insuficiência enérgica o êxodo rural que vinha esvaziando o município, alegando que só com energia elétrica ofertada abundantemente conseguiria a cidade se industrializar. Sim, em 1970 Cunha ainda sonhava em ser uma cidade industrial! Por aí já dá para ver como a “ideologia do progresso”, do industrialismo paulista, que embebedava as metrópoles brasileiras e que pôs abaixo os nossos casarões coloniais, foi forte e iludia até as cidades mais pobres e pequenas.

Fato é que a reclamação, cobrança e pressão política da Prefeitura junto ao governo estadual deu certo. Em 4 de outubro de 1973, a Usina Hidrelétrica da Pimenta foi desativada para sempre, os dois motores auxiliares desligados e a cidade passou a ser atendida pela Companhia Energética de São Paulo (CESP), que fez uma gambiarra, emendando a linha de eletrificação rural da empresa Light, no bairro da Rocinha, até a cidade de Cunha (VELOSO, 2010, p. 442). Por isso, os apagões eram constantes na cidade e os problemas antigos persistiram. A situação só se normalizou após a construção da subestação no bairro do Facão.

É preciso salientar que a eletrificação dos bairros rurais de Cunha ainda levaria tempo. Começou no final da década de 1970, em poucos bairros, se arrastaria pelos anos 1980 e só terminaria na segunda metade da década de 1990, com o programa “Luz no Campo”, do Governo Federal. Por isso, muitos cunhenses como eu, crescemos tomando banho de bacia. Isso quando não estava frio…

Adutora do Pimenta

Apesar de ter sido projetada para geração de energia elétrica, com a crise de abastecimento hídrico que vivia cidade de Cunha na década 1960, o rio do Monjolo logo seria alvo de estudos técnicos no sentido de suprir a demanda urbana por água. Até então a população da sede urbana se saciava com as águas do córrego Luiz da Silva, que nasce nos fundos do bairro do Motor, na divisa com o bairro do Marmeleiro. Inacreditável, se olharmos para esse córrego hoje, se arrastando sujo e fétido entre casas e ruas da cidade… Um esgoto a céu aberto.

Em 1971, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) inicia os estudos hidrológicos no rio Jacuí, no bairro do Monjolo, a fim de verificar a possibilidade desse curso d’água servir como manancial para cidade de Cunha. O resultado é satisfatório. Além de apresentar vazão não inferior a 200 litros/segundo, o ponto de captação está a 74,4 metros mais alto que a Estação de Tratamento de Água do Alto do Cruzeiro (o “Filtro”), possibilitando que a água chegue à cidade por gravidade. Ademais, o ponto de captação já estava construído, bastava instalar os canos. Ainda assim, com meio caminho andado, a instalação desses canos será lenta e levará 3 anos, começando em 1973 e só terminando em dezembro de 1976 (VELOSO, 2010, pp. 435-437), no final do mandato do ex-prefeito José Elias Abdalla, o Zelão (“in memorian”). Foi uma correria danada da elite agrária de Cunha que, derrotada no pleito municipal de 1976, colocará seus funcionários e carros-de-boi para escalar os morros da Estrada Velha, do Cume, do Marmeleiro, da Lajinha, do Palmeira e do Monjolo com os pesados canos, tudo para impedir que o então prefeito eleito Osmar Felippe (“in memorian”) concluísse a obra, ficasse com o mérito da finalização e recebesse os dividendos eleitorais da façanha de trazer água para Cunha. Coisas da nossa política local…

Quando começou a operar como adutora, Pimenta já havia se aposentado como usina hidrelétrica.

Entre 1992 e 1996, a Prefeitura realizou a duplicação da rede de encanamento, uma vez que a quantidade de água captada e tratada já tinha ficado insuficiente para abastecer a cidade: saciar a sede dos cunhenses de lavar carros, ruas e calçadas. Cunha tem o maior consumo per capita domiciliar de água do Vale (não deixem a Sabesp saber). São consumidos 932,9 litros em média, por dia, para cada casa ou prédio conectado à rede de abastecimento de água (IBGE, 2017). Isso é mais que o dobro de cidades como São José dos Campos e Guaratinguetá, por exemplo.

Mirante Ambiental

A Cachoeira da Pimenta, por sua beleza e tamanho, sempre foi admirada. Entre 2002 e 2003, a Prefeitura de Cunha resolveu investir no local, reaproveitando a antiga casa de máquinas da Usina Hidrelétrica, que estava abandonada desde a década de 1970 e já se encontrava em ruínas. O objetivo era criar uma infraestrutura para receber os turistas que iam se banhar nas quedas da cachoeira. Assim, a antiga casa de máquinas se transformou em uma lanchonete (“Mirante Ambiental”) com fotos, informações e parte do maquinário utilizado para geração de energia à mostra.  Uma trilha foi aberta, partindo da lanchonete até à primeira queda, ponto de captação, em cuja subida é possível apreciar as belas quedas da Pimenta. Essa infraestrutura ainda funciona no bairro do Monjolo e a Cachoeira da Pimenta continua a ser um dos pontos turísticos mais visitados, sendo que em 2006, o terreno da Prefeitura, que cobre o entorno da cachoeira, foi transformado em parque municipal por lei local, o único que Cunha possui até agora.

Rio Jacuí

O rio do Monjolo, o rio Manso, assim como outros formadores do Jacuí (rio 100% cunhense), estão morrendo… Aos poucos, mas está. O desmatamento sem controle em suas áreas de nascentes, a supressão da mata ciliar, a ocupação de suas margens e lançamento de esgotos em seu leito: tudo isso preocupa e aponta a necessidade – urgente! – do poder público fazer alguma coisa no sentido de preservá-lo. Esse manancial é um tesouro, um patrimônio ambiental do município de Cunha, só que vem sendo arruinado diante dos olhos e da inépcia poder público municipal e dos organismos de fiscalização estadual e federal. Os moradores do lugar são unânimes: como diminuiu a água da Cachoeira da Pimenta! É preciso fazer mais do que sempre foi feito, pois o “de sempre” é muito pouco, quase nada. Cuidar do abastecimento de água não é só arrumar ou trocar um cano quando estoura ou fissura, mas garantir que as gerações futuras tenham acesso a ela: na mesma quantidade de hoje e com a mesma qualidade e potabilidade. É esperar demais?

Vídeos (Acervo de Lescar Ferreira Mendes):

Fontes:
CASTRO JUNIOR, C. de S e. Cunha em 1932. São Paulo: Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”, 1935.
FESTIVAMENTE inaugurada a Usina Hidreletrica de Cunha. O Estado de S. Paulo, 2 out. 1958, p. 21.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/cunha/pesquisa/30/84366?localidade1=355000&localidade2=351840 >. Acesso em: 18 set. 2021.
JUNIOR, S. Só energia dará impulso a Cunha. O Estado de S. Paulo, 25 out. 1970, p. 45.
PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE CUNHA. Livro de Leis Municipais. Tomo V. 2000-2010.
USINA Hidreletrica de Cunha. O Estado de S. Paulo, 18 jun. 1958, p. 16.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha (1600-2010): Freguesia do Facão: A rota da exploração das minas e abastecimento das tropas. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.

Jacuhy cria canal no YouTube

Visual do canal do Jacuhy. Aguardamos vocês por lá.

A História de Cunha precisa ser divulgada em todas as mídias sociais e em todos os formatos possíveis. A disseminação de informações relevantes sobre a história e geografia cunhense é uma das missões do Jacuhy. É preciso alcançar todos os públicos, sobretudo os mais jovens. E também aqueles que já concluíram seus estudos. Nunca é tarde para aprender mais um pouco. E nunca é cedo para começar a aprender. O Jacuhy tem se orientado por essas premissas e por outras no mesmo sentido desde quando fez sua primeira postagem, lá em 2016. É preciso explorar ou fazer acontecer a função pedagógica das redes sociais.

E, considerando todas essas coisas, o Jacuhy resolveu criar um canal no YouTube, maior rede social mundial de conteúdo audiovisual. A priori, porque o WordPress (a plataforma deste blog) não fornece suporte para inserção de vídeo nos posts. Pelo menos não no plano que dispomos. Também não permite a inserção de vídeo já postado no Facebook, via código ou link, por exemplo. Todavia, permite a inserção de vídeo já postado no YouTube. Menos mal. Algumas postagens podem ser enriquecidas com vídeos, além de fotos e links, que já são habituais por aqui.

Já subimos um vídeo com fotografias antigas de Cunha por lá, inclusive. Veja abaixo.

É claro que a produção de vídeos específicos sobre a história e geografia cunhense é o nosso desejo para o futuro. Com a criação do canal, abre-se um leque de oportunidades a serem exploradas, visando sempre a divulgação de Cunha, com finalidade pedagógica. Assim esperamos e tentaremos fazer; dentro das nossas limitações e apesar delas.

Caso tenha conta por lá, se inscreva em nosso canal, clicando aqui. Ou entrando pelo link abaixo:
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Um grande abraço e muito obrigado por nos seguir e divulgar.