De História foi o grande professor. Entusiasmado e cativante, profundo conhecedor do tempo que passou e que, nas suas aulas, parecia nunca passar… Foi testemunha ocular de tudo que falava? Um viajante do tempo com quem tivemos a honra de conviver, aprender, absorver? Havia um “que” de magia que nos envolvia em sua exposição… Das suas aulas, a única que coisa que não trazíamos conosco eram anotações sobre o conteúdo. Não havia tempo a perder fazendo anotações, dizia o mestre. Falava com tanta propriedade e com tanto brilho nos olhos que nos arremessava em uma espécie de túnel do tempo imaginativo e nos colocava à mesa das velhas fazendas vale-paraibanas, a observar o cotidiano duro dos negros nos terreirões e o vai-e-vem dentro da Casa Grande. Eloquente em suas ideias e explanações. Democrático e cortês na escuta. Educador exímio, cativou uma geração inteira de estudantes a se apaixonar pelo seu Vale do Paraíba. E me incluo entre os tais.
Um vulto, um ícone a circular pelos corredores da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, sua segunda casa. Um idealista, um sonhador, crente que foi no potencial dos jovens para construção de um mundo melhor. Mais que de Humanas, um humanista por formação e de coração. História Regional foi sua praia, além de Paraty. Mestre em História do Brasil. O Vale do Paraíba, sua pátria (dizia ele), foi mais que um objeto de pesquisa: uma causa sagrada. E dela foi sumo sacerdote por décadas. Um apologista da nossa importância, por vezes ignorada. Criador do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV), rebento que emergiu após o primeiro simpósio de história regional que promoveu, lá nos idos de 1972. Da cultura regional foi o defensor, o incentivador. Ajudou a fundar museus, arquivos públicos e a tombar imóveis, sobrados e fazendas. Ativista cultural e provocador. Um espírito inconformado e contestador, sujeito suspeito e subversivo para as autoridades que inventaram os Anos de Chumbo. Acabou preso no 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena. Mas muito mais foi amado e querido. E por todos que tiveram o prazer de conhecê-lo: amigos, alunos, colegas, empresários, conhecidos e até pelos políticos.
Um legítimo cavalheiro que levava luz aonde ia, com bom humor, simpatia, cordialidade. Foi ecologista quando isso ainda era novidade. Para ele, já naquele tempo, o cuidar do ambiente era uma questão ética. E olha que ninguém se preocupava com aquecimento global… Abnegado, um verdadeiro mecenas, a colocar suas posses e bens em favor das grandes causas de seu tempo e suas: luta pela preservação ambiental e pela memória e história do Vale do Paraíba. Um intelectual completo e, ao mesmo tempo, um signo de contrariedade a esse tipo, pois sempre foi uma pessoa amável e simpática.
Monarquista convicto, porque via no antigo regime fonte de legitimidade, identidade e apreço histórico. Na política foi do Partido Verde, um defensor das minorias e da socialdemocracia. Estudou o índio, o negro, os tropeiros, os pobres, a mulher, a classe média, os barões do café do Vale de ontem. Sua sociabilidade e generosidade não se restringia ao trato, também adentrava no seu campo de estudo.
Fez da sua Fazenda Boa Vista, em Roseira, reserva ecológica e faculdade. Um espaço de educação ambiental. Procurou viver aquilo que acreditava e pregava. Coerência foi a sua marca registrada.
Zé, como era chamado, tinha luz no nome. E teve luz na vida. E mesmo mais de uma década sem ele, um feixe irradia sobre todos os que debruçam na pesquisa histórica regional, pois ainda é fonte indispensável. E de tanta luz que esparramou, iluminou uma geração inteira de jovens estudantes de História, ávidos em desvendar os meandros das circunstâncias históricas pretéritas. E esse lume não cessará tão logo.
Natural de Aparecida, havia adquirido uma casa em Cunha pouco antes de morrer, vitimado por câncer. O Zé tinha a simplicidade dos caipiras e a sofisticação dos aristocratas. Queria descansar entre as montanhas e sentir o gostoso frio dos Mares de Morros. Todavia, o infortúnio não o permitiu e o nosso amigo Zé partiu. Deixando, além de muita saudade, uma vasta herança a todos nós: a imprescindível bibliografia histórica da nossa região. Lê-la é perpetuar a sua memória, honrar a sua vida de valor.
É, Zé, quero acreditar que você, agora um espírito iluminado, ainda caminha entre nós ou pela Estrada Real. Que habita, encantado, os velhos casarões que você lutou para que continuassem em pé, assombrando o descaso, a indiferença e os demolidores que se atreverem. Você sempre estará de alguma forma entre nós, com a mesma personalidade forte e presença marcante que tinha nas conversas, nos convivas, saraus, aulas, palestras, lançamentos de livros, coquetéis, conferências, escarafunchando arquivos empoeirados, criando coisas novas para preservar coisas antigas… E sempre com um largo sorriso.
Zé, Zé Luiz, professor Pasin, você fez História em todos os sentidos.
Com gratidão e admiração eterna, de um dos seus muitos ex-alunos.
José Luiz Pasin (Aparecida – SP, 27 de agosto de 1939 – Guaratinguetá – SP, 11 de janeiro de 2008), foi um historiador, pedagogo, escritor, poeta, articulista e professor brasileiro. Confira abaixo um pouco da sua brilhante trajetória intelectual.
Instituições e organizações em que atuou:
Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV)
Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Centro UNISAL) – Lorena
Professor de História de escolas públicas e de colégios privados do Vale do Paraíba
Museu Frei Galvão – Guaratinguetá
Academia Paulista de História
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
Colégio Brasileiro de Genealogia
Instituto Histórico e Artístico de Paraty
Instituto Genealógico Brasileiro
União Brasileira de Escritores
Conselho Regional de Museologia do Estado de São Paulo (COREM)
Núcleo de Pesquisa Regional do Centro UNISAL
Faculdades Integradas “Teresa D’Ávila” (FATEA) – Lorena
Faculdade de Roseira (FARO) – Roseira
Revista e jornais para quem escreveu:
Revista Ângulo
Folha de São Paulo
Valeparaibano
Prêmios recebidos:
Prêmio Cultural “Eugênia Sereno” – 2001
Prêmio de História Regional – 2001
Livros e monografias (levantamento parcial) de sua autoria:
Os Ciclos Econômicos do Vale do Paraíba (1962)
Poetas de Guaratinguetá (1974)
Algumas notas para a história do Vale do Paraíba: desbravamento e povoamento (1977)
Poetas de Aparecida (1978)
O Visconde de Guaratinguetá (1979)
Guaratinguetá: tempo e memória (1983)
Vale do Paraíba: ontem e hoje (1988)
Pasin: cem anos de uma família italiana no Brasil (1988)
Panorama da Literatura do Vale do Paraíba (1995)
O Instituto de Estudos Valeparaibanos e a preservação do Patrimônio Ambiental e Cultural do Vale do Paraíba (1999)
Barões do Café: titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista (2001)
A Jornada da Independência (2002)
O Outro Euclides: o engenheiro Euclides da Cunha no Vale do Paraíba, 1902-1903 (2002)
Vale do Paraíba: a Estrada Real, Roteiros & Caminhos (2004)
Catálogo da sala Euclides da Cunha (2005)
Vale do Paraíba: história e cultura (2007)
Fontes:
ALMEIDA, D. A. de. Seis anos sem o Prof. Pasin, um dos maiores historiadores do Vale do Paraíba, 10 jan. 2014. Disponível em: < https://unisal.br/seis-anos-sem-o-prof-pasin-um-dos-maiores-historiadores-do-vale-do-paraiba/ >. Acesso em: 29 set. 2021.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ALESP). Requerimento de pesar pelo falecimento de José Luiz Pasin. Autor: Deputado Aloísio Vieira. Partido: PDT. Ano: 2008. Disponível em: < https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=https%3A%2F%2Fwww.al.sp.gov.br%2Fspl%2F2008%2F02%2FPropositura%2F11034233_775638_propositura_RequerimentodePesar_775638%255B1%255D.doc&wdOrigin=BROWSELINK >. Acesso em: 29 set. 2021.
BASTOS, M. Instituto de Estudos Valeparaibanos cuida do Patrimônio Ambiental do Vale. 2019. Disponível em: < http://unisal.br/hotsite/recicle/instituto-de-estudos-valeparaibanos-cuida-do-patrimonio-ambiental-do-vale/ >. Acesso em: 29 set. 2021.
CARLOS, E. O Prócer da História. 8 abr. 2018. Disponível em: < http://redescobrindoovale.blogspot.com/2018/04/o-procer-da-historia.html >. Acesso em: 29 set. 2021.
ENTREVISTA com José Luiz Pasin. O Lince. Ano 2, n. 20, ago. 2008. Disponível em: < http://www.jornalolince.com.br/2008/ago/entrevista/pasin.php >. Acesso em: 29 set. 2021.
INSTITUTO DE ESTUDOS VALEPARAIBANOS (IEV). Sobre. Disponível em: < http://iev.org.br/sobre >. Acesso em: 29 set. 2021.
SINDICATO DE HOTÉIS, BARES, RESTAURANTES E SIMILARES DE APARECIDA E VALE HISTÓRICO (SP) – SINHORES. Morre o Historiador José Luiz Pasin, 11 jan. 2008. Disponível em: < http://sinhoresaparecida.blogspot.com/2008/01/morre-o-historiador-jos-luiz-pasin-11.html >. Acesso em: 29 ago. 2021.