Cunha: paisagem, meio ambiente e economia

Cunha vista da Serra da Bocaina. Foto: Pedro Máximo. Data: 2011.

A cidade de Cunha vista da Pedra Grande, na Serra da Bocaina, próxima à divisa com Silveiras. Está a 34 quilômetros em distância absoluta, na direção sudoeste. O interessante dessa perspectiva é que aparece a Serra do Alto do Diamante ao fundo, que está a cerca de 55 quilômetros de distância da Pedra Grande. Após essa serra, temos ainda o bairro do Sertão do Palmital e mais cerca de 5 Km (em termos absolutos) de terras cunhenses até se chegar ao limite com São Luís do Paraitinga, divisa formada com cotas altimétricas inferiores ao do Alto do Diamante e vertente do rio Paraibuna. A foto na perspectiva noroeste-sudoeste revela um pouco da extensão de nosso município, maior do Vale do Paraíba e o único no estado circundado por três 3 serras principais (além de outras ramificações), como é o caso do Alto do Diamante, do Alto Grande e do Campo Grande. Todas com picos ultrapassando os 1600 metros de altitude.

Cunha vista da Pedra Grande. Cotas altimétricas do IBGE (1973). Edição: Jacuhy.

O bairro Sertão do Palmital, ainda em 1970, completamente isolado de Cunha. Os moradores se serviam, quando podiam, de São Luiz do Paraitinga, via distrito de São Pedro da Catuçaba. Mesmo assim por trilhas acessíveis apenas a pé ou a cavalo.

Parte da carta hipsométrica das três serras. Fonte: IBGE, 1973.

Um dos morros da Serra desperta a nossa atenção por sua feição cônica, se assemelhando a um vulcão, o que obviamente não é e nem nunca foi. Trata-se de dois morros na verdade, mais pontiagudos e altos que os vizinhos que observados de longe, revelam esse contorno diferente. Essa Serra, aliás, pode ser melhor observada do Morro Grande, vide as fotos da “Estalagem Shambala” ou do loteamento recentemente aberto “Alpes de Cunha”.

Alto do Diamante e Campo Grande. Vista da Estalagem Shambala. Data: 2022.

Os morros que circundam a cidade de Cunha, e que parecem altos, praticamente se aplainam ante a imponência da Serra do Mar, que, como uma muralha, cerca o município nos limites de sudoeste a nordeste.

Vista da Serra do Campo Grande. Foto: Guto Felipe. Data: 2022.

Todo esse “Mar de Morros” é obra de milhões de anos de processos erosivos contínuos, consequência da ação do clima tropical sobre o relevo. As paisagens que temos hoje são heranças que a natureza nos legou e que devemos preservar para a posteridade.

Vista da Serra do Alto do Diamante. Foto: Rodrigo Leite. Data: 2012.

Por isso, o desmatamento incontrolável que nossa região passou nos últimos cem anos preocupa. Não só pelo aumento dos movimentos de massa e os riscos que eles trazem à segurança das pessoas e animais, além dos prejuízos, mas pela perda dos solos, um problema grave e ainda pouco abordado e tratado em Cunha. Sem solo não há agricultura, pecuária e nem vida. A aceleração dos processos erosivos e a retirada ilegal de mata ciliar levam ao assoreamento dos cursos d’água e ao desaparecimento da fauna fluvial. A retirada de mata no topo dos morros leva ao sumiço dos vertedouros. Toda ação humana gera algum impacto ambiental que, mais cedo ou mais tarde, acarretará algum impacto social.

O pouco que restou da nossa Mata Atlântica foi resultado da ação impositiva do Estado, que interveio na década de 1.970 para impedir o desaparecimento completo da cobertura vegetal, com a criação de duas unidades de conservação de proteção integral: Parque Nacional da Serra da Bocaina e Parque Estadual da Serra do Mar. Nunca partiu de nós, cunhenses, o devido cuidado com meio ambiente. É muito provável que sem as unidades de conservação, o pouco de verde que ainda restou já teria virado carvão, moirão, palanque, esteio, móveis, pasto etc. Até o nosso linguajar valida a visão antiecológica de ver árvores e matas como um problema. Chamamos de “pasto sujo” aquele que contém árvores e capoeirões espalhados pela herdade.

O desenvolvimento do turismo surge como uma esperança. Ao retirar do setor primário o sustento de muitas famílias e realocá-lo no terciário, ameniza a pressão sobre os recursos naturais do município. Ademais, a paisagem natural ou regenerada deixa de ser um “pasto sujo” e passa a ser valorizada. Valorizada no sentido financeiro mesmo, pois o turismo é uma atividade econômica que promove o consumo do espaço e das paisagens. Desde que não seja predatório ou privilégio de alguns empreendedores, o turismo pode ser uma das saídas para Cunha.

A pergunta que fica é: o que deixaremos para as futuras gerações? Mais do que esperar do Estado e atribuir responsabilidades a outrem, sempre é bom fazer um exercício de reflexão pessoal, focado na nossa ação no mundo. Cabe a nós, enquanto comunidade, buscar alternativas econômicas sustentáveis.

Referências:
AB’SÁBER, Aziz N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. 5 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
CRUZ, Rita de C. A. da. Introdução à geografia do turismo. 2. ed. São Paulo: Roca, 2003.
IBGE. Lagoinha: região sudeste do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. 1 carta topográfca, color., 4465 × 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF 23-Y-D-III-2.
O ESTADO DE S. PAULO. Palmital, um bairro isolado. 4 out. 1970, p. 42.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
VELOSO, João J. de O. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1996.

Santa Rosa, as virtuosas águas de Campos de Cunha

Logotipo utilizado nos galões da Águas Virtuosas de Santa Rosa. Símbolo de qualidade.

Um breve levantamento histórico das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, hoje “Águas Serras de Cunha”. As águas da Fonte Paulista, considerada uma das melhores do Brasil, voltou a ser engarrafada. Mais que uma fonte geradora de empregos, trata-se um motivo de orgulho para todos os cunhenses.

Século XIX – Em ofício endereçado à Assembleia Provincial solicitando recursos, em 1882, a Câmara de Cunha cita que “no lugar denominado Pedra Branca”, na então Freguesia de Campos Novos, havia uma fonte de água que “na crença popular diz ser milagrosa”, de “gosto nauseante”, de temperatura “em certas ocasiões mais sensivelmente elevada que o ambiente”, porém ainda desprovida de uma “análise qualitativa” que determine suas propriedades físico-químicas.

Década de 1910 – Moradores de Cunha e Campos Novos costumavam fazer excursões para as “Águas”, para beber nas suas fontes, engarrafá-la e até nela se banhar, crendo ser o líquido portador de moléculas milagrosas. A fama da água se espalha pelo Vale e chega aos ouvidos do endinheirado empreendedor Barão da Bocaina, o Francisco de Paula Vicente de Azevedo. Assim que soube das fontes minerais, comprou as terras onde se localizavam as minas. Passava, então, o local a ser denominado por “Águas do Barão”. Era natural de Lorena (SP), mas já época morava em São Paulo (SP). O Barão possuía terras em diversos municípios da nossa região e do Sul de Minas. Pioneiro na introdução do trabalho livre no Vale, estabeleceu diversas colônias agrícolas para imigrantes, com destaque para a de Quiririm, em Taubaté, e para a de Canas, hoje município. Em São Paulo, capital, tonou-se banqueiro, investidor e empresário. Chegou a participar do governo do guaratinguetaense Rodrigues Alves, quando este esteve na Presidência. Esteve sempre envolvido com projetos modernizadores, copiando o que podia da Europa. Em 1861 adquiriu uma grande propriedade de terra na Serra da Mantiqueira, introduzindo uma fazenda-modelo, que veio a se chamar “São Francisco dos Campos do Jordão”. Anos depois, já famosa, tornar-se-ia na primeira estância climática e cidade sanatório, visando o tratamento de tuberculosos. E ainda introduziu nessa sua fazenda o cultivo de frutas europeias. Parecia ser similar o seu projeto para as fontes de água mineral da Pedra Branca, rebatizada por ele, posteriormente, como católico fervoroso que era, como “Águas de Santa Rosa”.

1912 – É organizada a “Companhia Águas Mineraes Santa Rosa”, em Campos Novos de Cunha.

1 de dezembro de 1912 – A “Companhia de Águas Mineraes de Santa Rosa”, do Barão da Bocaina, compra a Fazenda Jaboticabal, espólio de Laurindo Umbellino dos Santos Pinto, com 150 alqueires de terra, aumentando a propriedade da Companhia, que já tinha domínios no lugar. Essa ampliação era fruto da ambição do Barão de levantar no bairro uma nova cidade, uma estância hidromineral, parcelando o solo, levantando casas e hotéis e criando serviços de abastecimento e distribuição das águas minerais.

28 de dezembro de 1913 – Após receber infraestrutura, é fechada à visitação pública a primeira fonte das “Águas Mineraes de Santa Rosa”.

28 de outubro de 1915 – Instrução Pública: É criada pela Assembleia Legislativa de São Paulo uma Escola Rural Mista no Bairro das Águas Virtuosas de Santa Rosa, município de Cunha.

1915 – Entra no orçamento estadual, por indicação do deputado estadual Dr. Casemiro da Rocha e outros da região, a construção de uma estrada ligando Lorena à estação das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

1916 – Iniciam-se as obras de infraestrutura turística na fazenda das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, tendo à frente o arquiteto francês radicado em Cunha Cyrille Loviat, o mesmo que construiu o Grupo Escolar de Cunha e o Mercado Municpal. A ideia inicial era construir um hotel e um posto policial. O zelador da fazenda era o sr. Bernardino Alves Ferreira.

6 de agosto de 1919 – nomeada, por decreto estadual, a primeira professora da Escola Rural Districtal das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, a saber: Professora Gesséa Dias Corrêa, aprovada em concurso público.

1918 – Requer o Barão da Bocaina, junto ao Governo Federal, a reconstrução da estrada Lorena-Mambucaba, que passava pelo distrito de Campos de Cunha.

1919 – É votado, para o orçamento de 1920, por indicação do deputado Dr. Casemiro da Rocha, a restauração da estrada que ligava a fazenda das “Águas” ao porto de Taquary, município de Paraty, estado do Rio de Janeiro.

1 de janeiro de 1920 – O bairro das “Águas” recebe uma agência postal dos Correios. Antes mesmo de Campos Novos ter uma! Razão de muitas críticas dos moradores da vila, muito mais populosa e ainda desprovida de serviço postal. O agente postal nomeado para aquela agência foi o sr. Benedito Vaz Reis.

Década de 1920 – Administra as fontes minerais a “Companhia de Águas Mineraes de Santa Rosa”. Em diversas comunicações oficiais aponta-se a necessidade de arrumar a estrada que liga a sede da fazenda à cidade de Lorena. Necessidade de prolongar a estrada de Campos Novos à fazenda das “Águas” é prevista no orçamento estadual.

1932 – Durante a Revolução Constitucionalista foi ocupada por tropas paulistas (do 4º Batalhão de Combate e da Liga de Defesa Paulista, sob o comando do Tenente Meirelles Maia). Estando arranchados na localidade, chamou a atenção do serviço médico do Exército Constitucionalista a dentição totalmente preservada dos moradores locais, algo raro na zona rural de Cunha naquela época. Os oficiais médicos atribuíram tal característica à salubridade e propriedades químicas daquelas fontes minerais. Passada a guerra civil, foram aqueles soldados grandes incentivadores da ideia de tornar Cunha uma estância hidromineral, pois muitos que lutaram em Cunha, entrariam para a política, posteriormente. Entre eles, podemos citar o ex-governador Adhemar de Barros, já falecido, que, como mandatário estadual, muito lutou para que Cunha alcançasse o status de estância.

17 de outubro de 1938 – Falece em São Paulo (SP), o Barão da Bocaina, último titular ainda vivo do Império do Brasil. Com sua morte, fenece o seu projeto para as “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

10 de julho de 1940 – É aberta a estrada rodoviária de Cunha a Campos Novos, de terra batida ainda, substituindo o leito carroçável, o antigo caminho de tropa que servia de ligação entre a sede municipal e a distrital. A caravana de políticos que vem inaugurar a obra visita a fazenda da estação das Águas Virtuosas de Santa Rosa, ainda um projeto promissor.

Dezembro de 1941 – É extinta a agência postal das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

Década de 1940 – A Companhia possuía ações na bolsa de valores do Rio. Laudos do Laboratório Adolpho Lutz e do antigo Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo apontam as fontes de águas minerais da fazenda, com vazão de 101.400 litros por hora, como as melhores do país.

Expedição do antropólogo americano Robert W. Shirley à Fazenda das Águas. 1965. Foto: Arquivo do Museu Francisco Veloso.

Década de 1960 – A Fazenda das Águas, como é conhecida, é vendida ao empresário Ghisleni Giulio, que pretende pôr em prática os antigos projetos do Barão da Bocaina.

Setembro de 1972 – É feito um reflorestamento com eucalipto na fazenda das “Águas Minerais de Santa Rosa”, empreendimento da Agro Vale do Paraíba S/C Ltda., com sede em Guaratinguetá. Trata-se de um investimento que conta com a participação de várias empresas e alega o plantio de 5 milhões de árvores, em três parques florestais criados em nossa região. Até hoje é a maior fazenda do município de Cunha, chegando até o Sertão, no limite com o estado do Rio de Janeiro, município de Paraty. Um ponto verde escuro nas imagens de satélite, devido a cobertura com eucalipto.

12 de novembro de 1975 – É criada a empresa Águas Virtuosas Santa Rosa LTDA, para envasar e comercializar águas minerais.

Igreja da Fazenda das Águas em 1978. Foto: Eurindo Perez (Página “Parada do Tempo”/ Facebook)

1981 – Inicia-se negociação com a Arábia Saudita, visando exportar água mineral de qualidade superior para aquele árido reino do Oriente Médio.

Década de 1980 – A Fazenda das Águas é um dos destinos turísticos de Cunha mais visitado e conhecido. A própria Prefeitura divulgava o lugar como um dos atrativos de Cunha, quando fazia anúncios na imprensa. A visitação pública aumenta após o asfaltamento do Estrada Municipal Ignácio Bebiano dos Reis, que interliga a cidade de Cunha à vila de Campos de Cunha.

Década de 1990 – A água mineral “Águas Virtuosas de Santa Rosa” conquista o mercado regional e seu nome se consolida, fornecendo um produto de excelente qualidade por um preço menor que as concorrentes. Na mesma década, a empresa seria fechada por motivos econômicos (?) e a comercialização suspensa.

24 de abril de 2000 – A Fazenda das Águas e suas fontes minerais são compradas e incorporadas pela empresa do mesmo ramo Águas Prata Ltda.

Década de 2010 – O reflorestamento de eucalipto da fazenda é vendido à indústria de madeira e celulose. A extração de madeira do local, pela quantidade de árvores, gera um importante fluxo de empregos em Cunha.

2021 – As fontes minerais da Fazenda das Águas voltam a ser envasadas e comercializadas, com novo nome: “Águas Serras de Cunha”.

Fontes:
Arquivos do Museu Municipal Francisco Veloso.
Arquivos da Prefeitura Municipal de Cunha.
Grupo “Memória Cunhense” – Facebook.
Jornal Correio Paulistano, 1854 a 1942.
Jornal do Commercio (RJ) – 1940 a 1949.
O Estado de São Paulo, 28 set. 1972.
O Estado de São Paulo, 1 abr. 1981.
Ofícios da Câmara Municipal da Cidade de Cunha, 1882.
Página “Parada do Tempo” – Facebook.
PASIN, J. L. Os Barões do Café: titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista. Aparecida: Vale Livros, 2001.
Revista Istoé, 21 dez. 1977.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha (1600-2010). Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.
______. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1996.

Bairro do Jericó

Fotos do bairro do Jericó, zona rural de Cunha, estado de São Paulo.

Por um vale esverdeado da Serra do Mar se chega ao bairro do Jericó, na região sudoeste de Cunha. Um típico bairro rural vale-paraibano, com os estábulos para ordenha de vacas, pertinho da tulha de madeira para guardar a produção cerealífera, com as velhas fazendas rurais ou sítios junto aos sopés das montanhas e um córrego passando no quintal. Ah, também se vê cavalos, mulas, cachorros, homens portando o indefectível chapéu de palha e a saudar os transeuntes com o obrigatório bom-dia, naquele peculiar sotaque da gente cunhense. Jericó, alusão à antiga cidade conquistada pelos hebreus, em Canaã – a Terra Prometida –, é também aqui um lugar de primícias. Nesse bairro se faz o melhor requeijão caseiro de toda Cunha. E as muralhas ainda continuam de pé, em forma de montanhas de pedra e de pontões rochosos que se elevam, como torres que cercavam a velha cidade do Oriente Próximo.

Mas Jericó é também a terra da bela cachoeira, da garoa à tardinha, dos hinos religiosos que ecoam do imponente templo da Igreja Metodista, a segunda igreja protestante inaugurada no Vale Paraíba, e da primeira escola rural do município de Cunha. É a terra dos Mariano Leite, tradicional tronco genealógico cunhense.

No adro, a Igreja Metodista colocou uma placa com os versículos de 7 ao 11, do capítulo 8, do livro de Deuteronômio, que sintetizam Jericó, relevando, claro, as diferenças (entre o Jericó da Palestina e o Jericó da Serra do Mar) de gêneros agrícolas e frutas cultivadas em cada lugar:

“Porque o Senhor teu Deus te introduziu numa boa terra, terra de ribeiros de águas, de fontes, e de mananciais, que saem dos vales e das montanhas;

Terra de trigo e cevada, e de vides e figueiras, e romeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel.

Terra em que comerás o pão sem escassez, e nada te faltará nela; terra cujas pedras são ferro, e de cujos montes tu cavarás o cobre.

Quando, pois, tiveres comido, e fores farto, louvarás ao Senhor teu Deus pela boa terra que te deu.

Guarda-te que não te esqueças do Senhor teu Deus, deixando de guardar os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus estatutos que hoje te ordeno; […]”.

Dt. 8:7-11

Palavra do Senhor. Amém.

1 de outubro de 1958 – Inauguração da Usina Hidrelétrica da Pimenta

Arte para a série “Hoje na História de Cunha”, da página Jacuhy, no Facebook.

Do carbureto à Usina do Encontro

A iluminação pública em Cunha, segundo o professor VELOSO (2010, pp. 439-440), remonta ao último quartel do século XIX, quando foi introduzida na cidade a iluminação por carbureto. Esse sistema, bastante arcaico, perdurou até o ano de 1922, quando um grupo de empreendedores locais criaram a Empresa Melhoramentos Cunhense e assinaram um contrato com a Prefeitura para criar no município uma pequena central hidrelétrica, aproveitando os inúmeros rios e ribeirões que irrigam o território cunhense.

O curso d’água escolhido foi o rio Jacuizinho, quando corta o bairro do Encontro, aproveitando uma queda d’água natural que lá existe. Era uma das mais próximas ao centro urbano. Assim, a cidade de Cunha passou a ser iluminada por eletricidade produzida por essa pequena hidrelétrica, cujas ruínas ainda podem encontradas no mesmo bairro e onde, em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, os combates foram intensos e sangrentos, visando o controle do local.

Entretanto, essa eletricidade fornecida tinha força máxima de 60 volts, quando a demanda já era por 110 volts. A precariedade do serviço fornecido por essa Usina levou a população de Cunha a se revoltar. Por isso, a Prefeitura resolve cassar a outorga de funcionamento da mesma, que nessa época já estava nas mãos do senhor Francisco Sanini, empresário de Guaratinguetá (VELOSO, 2010, p. 441). A revolta dos cunhenses era tanta com a luz elétrica disponível, que até um mote popular corria entre os mais sarcásticos: “Usina do Chico Saninha, o preço é arto, mas a luz fraquinha”.

Luiz da Silva, o bairro do motor

Ao assumir o controle da Empresa Melhoramentos Cunhense, a Prefeitura encontrou os mesmos desafios da iniciativa privada: os transformadores ficavam sempre sobrecarregados. Para remediar essa situação, a Prefeitura de Cunha construiu, em novembro de 1950, uma pequena Usina Térmica no bairro Luiz da Silva, para complementar o fornecimento urbano de energia elétrica. Como essa usina gerava energia através de um motor a diesel, sob responsabilidade técnica do senhor João Luiz Pedro Schneider, ficou o bairro, posteriormente, conhecido pelos cunhenses como “Bairro do Motor”, alcunha que resistiu ao desaparecimento da Usina Térmica, prevalecendo até nossos dias.

Usina Hidrelétrica da Pimenta

Mesmo com as duas usinas em funcionamento, o fornecimento de energia elétrica continuava precário e incapaz de atender a demanda da zona urbana, que era minúscula na época, quiçá da zona rural, que era gigante, povoada e ainda permanecia no breu, quando não superado pelas lamparinas a querosene e pelas velas.

A Municipalidade passa a reclamar junto ao governador uma solução para o problema da iluminação pública, à medida que observavam outras cidades ganhando suas usinas hidrelétricas. Em 1957, o Departamento de Águas e Energia Elétrica do estado de São Paulo (DAEE) realiza estudos técnicos e consegue financiamento dos cofres públicos para a construção de uma usina hidrelétrica na Cachoeira do Pimenta, uma das maiores quedas d’água da região do Vale do Paraíba. A obra se arrasta durante todo o ano de 1958, não ficando pronta para o “Centenário de Cunha”, festança promovida pela Prefeitura, em 20 de abril de 1958, para celebrar os 100 anos de elevação de Cunha à categoria de cidade, ocorrida em 20 de abril de 1858. Mas em 3 de outubro de 1958 ocorreria a eleição para o governo estadual e Jânio Quadros, governador em exercício, estava em campanha para fazer seu sucessor, o senhor Carvalho Pinto. E o jornal O Estado de S. Paulo também. O teor e os adjetivos que recheiam matéria sobre a inauguração da “Usina Hidroeletrica de Cunha” não deixam dúvidas. Portanto, podemos afirmar que foi uma obra bastante eleitoreira.

Em 1º de outubro de 1958, Cunha recebe uma comitiva enviada por Jânio Quadros para inaugurar a Usina Hidrelétrica da Pimenta, composta pelos seguintes próceres: coronel Faria Lima, ministro da Viação, como representante de Jânio; ministro Souza Lima, engenheiro Antonio G. Borba e mais uma penca de políticos da região, que pegaram carona com a comitiva e vieram acompanhar “mais essa gigantesca obra administrativa do governador Janio Quadros”. Os cunhenses, liderados pelo seu prefeito Antonio Acácio Cursino e pelo juiz de direito desta Comarca Paulo de Campos Azevedo, rumam, a cavalo, ao encontro da comitiva motorizada, acompanhados por dezenas de outros cavaleiros, a fim de saudar e dar vivas aos enviados pelo mandatário do Palácio dos Campos Elísios. O dia festivo foi regado por almoço e discursos, em clima eleitoral. A estudante Marília Fernandes da Silva saudou o coronel Faria Lima em nome de todos os cunhenses e lhe entregou um buquê de flores. Cursino, o prefeito, e o Dr. Azevedo, o juiz, discursaram. De Cunha seguiu a comitiva até o bairro do Monjolo, onde oficialmente foi inaugurada a Usina e benzida pelo padre Rodolfo Ignácio Schebesta. Retorna a comitiva à cidade e, ao arrebol, com toda a urbe às escuras, liga a chave de funcionamento o coronel Faria Lima. As lâmpadas acendem. Desfilam civicamente pelas ruas os estudantes. Cunha está iluminada.

A Usina fora construída em concreto ciclópico ao custo de Cr$ 8.500.000,00 ao orçamento. Seu vertedouro possuía 1,8m, com queda aproveitável de 56m, com tubos de 63cm. O gerador era capaz de produzir 220 KVA de energia elétrica, capacidade que poderia ser ampliada. Também foi instalada uma linha de transmissão elétrica de 13.200 de voltagem, entre a Usina e a cidade de Cunha. A esperança era que toda essa força iluminasse não só a cidade, mas os bairros rurais. Apontou a reportagem do Estadão, em 2 de outubro de 1958, que os laticínios, agroindústrias que haviam surgido na zona rural município, poderiam se beneficiar dessa obra pública. Ledo engano.

Na década de 1970, a produção energética da Usina do Pimenta já estava superada e os políticos locais já estavam correndo atrás do Governo Estadual para resolver o problema. Em reportagem de 1.970, através de seu enviado especial, o Estadão noticiava: “energia elétrica é o grande problema de Cunha”. A demanda era 1.000 KWA, mas a Usina só produzia 250 KWA e dois motores a diesel, para amenizar a precariedade, produziam 150 KWA. A Prefeitura creditava à insuficiência enérgica o êxodo rural que vinha esvaziando o município, alegando que só com energia elétrica ofertada abundantemente conseguiria a cidade se industrializar. Sim, em 1970 Cunha ainda sonhava em ser uma cidade industrial! Por aí já dá para ver como a “ideologia do progresso”, do industrialismo paulista, que embebedava as metrópoles brasileiras e que pôs abaixo os nossos casarões coloniais, foi forte e iludia até as cidades mais pobres e pequenas.

Fato é que a reclamação, cobrança e pressão política da Prefeitura junto ao governo estadual deu certo. Em 4 de outubro de 1973, a Usina Hidrelétrica da Pimenta foi desativada para sempre, os dois motores auxiliares desligados e a cidade passou a ser atendida pela Companhia Energética de São Paulo (CESP), que fez uma gambiarra, emendando a linha de eletrificação rural da empresa Light, no bairro da Rocinha, até a cidade de Cunha (VELOSO, 2010, p. 442). Por isso, os apagões eram constantes na cidade e os problemas antigos persistiram. A situação só se normalizou após a construção da subestação no bairro do Facão.

É preciso salientar que a eletrificação dos bairros rurais de Cunha ainda levaria tempo. Começou no final da década de 1970, em poucos bairros, se arrastaria pelos anos 1980 e só terminaria na segunda metade da década de 1990, com o programa “Luz no Campo”, do Governo Federal. Por isso, muitos cunhenses como eu, crescemos tomando banho de bacia. Isso quando não estava frio…

Adutora do Pimenta

Apesar de ter sido projetada para geração de energia elétrica, com a crise de abastecimento hídrico que vivia cidade de Cunha na década 1960, o rio do Monjolo logo seria alvo de estudos técnicos no sentido de suprir a demanda urbana por água. Até então a população da sede urbana se saciava com as águas do córrego Luiz da Silva, que nasce nos fundos do bairro do Motor, na divisa com o bairro do Marmeleiro. Inacreditável, se olharmos para esse córrego hoje, se arrastando sujo e fétido entre casas e ruas da cidade… Um esgoto a céu aberto.

Em 1971, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) inicia os estudos hidrológicos no rio Jacuí, no bairro do Monjolo, a fim de verificar a possibilidade desse curso d’água servir como manancial para cidade de Cunha. O resultado é satisfatório. Além de apresentar vazão não inferior a 200 litros/segundo, o ponto de captação está a 74,4 metros mais alto que a Estação de Tratamento de Água do Alto do Cruzeiro (o “Filtro”), possibilitando que a água chegue à cidade por gravidade. Ademais, o ponto de captação já estava construído, bastava instalar os canos. Ainda assim, com meio caminho andado, a instalação desses canos será lenta e levará 3 anos, começando em 1973 e só terminando em dezembro de 1976 (VELOSO, 2010, pp. 435-437), no final do mandato do ex-prefeito José Elias Abdalla, o Zelão (“in memorian”). Foi uma correria danada da elite agrária de Cunha que, derrotada no pleito municipal de 1976, colocará seus funcionários e carros-de-boi para escalar os morros da Estrada Velha, do Cume, do Marmeleiro, da Lajinha, do Palmeira e do Monjolo com os pesados canos, tudo para impedir que o então prefeito eleito Osmar Felippe (“in memorian”) concluísse a obra, ficasse com o mérito da finalização e recebesse os dividendos eleitorais da façanha de trazer água para Cunha. Coisas da nossa política local…

Quando começou a operar como adutora, Pimenta já havia se aposentado como usina hidrelétrica.

Entre 1992 e 1996, a Prefeitura realizou a duplicação da rede de encanamento, uma vez que a quantidade de água captada e tratada já tinha ficado insuficiente para abastecer a cidade: saciar a sede dos cunhenses de lavar carros, ruas e calçadas. Cunha tem o maior consumo per capita domiciliar de água do Vale (não deixem a Sabesp saber). São consumidos 932,9 litros em média, por dia, para cada casa ou prédio conectado à rede de abastecimento de água (IBGE, 2017). Isso é mais que o dobro de cidades como São José dos Campos e Guaratinguetá, por exemplo.

Mirante Ambiental

A Cachoeira da Pimenta, por sua beleza e tamanho, sempre foi admirada. Entre 2002 e 2003, a Prefeitura de Cunha resolveu investir no local, reaproveitando a antiga casa de máquinas da Usina Hidrelétrica, que estava abandonada desde a década de 1970 e já se encontrava em ruínas. O objetivo era criar uma infraestrutura para receber os turistas que iam se banhar nas quedas da cachoeira. Assim, a antiga casa de máquinas se transformou em uma lanchonete (“Mirante Ambiental”) com fotos, informações e parte do maquinário utilizado para geração de energia à mostra.  Uma trilha foi aberta, partindo da lanchonete até à primeira queda, ponto de captação, em cuja subida é possível apreciar as belas quedas da Pimenta. Essa infraestrutura ainda funciona no bairro do Monjolo e a Cachoeira da Pimenta continua a ser um dos pontos turísticos mais visitados, sendo que em 2006, o terreno da Prefeitura, que cobre o entorno da cachoeira, foi transformado em parque municipal por lei local, o único que Cunha possui até agora.

Rio Jacuí

O rio do Monjolo, o rio Manso, assim como outros formadores do Jacuí (rio 100% cunhense), estão morrendo… Aos poucos, mas está. O desmatamento sem controle em suas áreas de nascentes, a supressão da mata ciliar, a ocupação de suas margens e lançamento de esgotos em seu leito: tudo isso preocupa e aponta a necessidade – urgente! – do poder público fazer alguma coisa no sentido de preservá-lo. Esse manancial é um tesouro, um patrimônio ambiental do município de Cunha, só que vem sendo arruinado diante dos olhos e da inépcia poder público municipal e dos organismos de fiscalização estadual e federal. Os moradores do lugar são unânimes: como diminuiu a água da Cachoeira da Pimenta! É preciso fazer mais do que sempre foi feito, pois o “de sempre” é muito pouco, quase nada. Cuidar do abastecimento de água não é só arrumar ou trocar um cano quando estoura ou fissura, mas garantir que as gerações futuras tenham acesso a ela: na mesma quantidade de hoje e com a mesma qualidade e potabilidade. É esperar demais?

Vídeos (Acervo de Lescar Ferreira Mendes):

Fontes:
CASTRO JUNIOR, C. de S e. Cunha em 1932. São Paulo: Empresa Gráfica da “Revista dos Tribunaes”, 1935.
FESTIVAMENTE inaugurada a Usina Hidreletrica de Cunha. O Estado de S. Paulo, 2 out. 1958, p. 21.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/cunha/pesquisa/30/84366?localidade1=355000&localidade2=351840 >. Acesso em: 18 set. 2021.
JUNIOR, S. Só energia dará impulso a Cunha. O Estado de S. Paulo, 25 out. 1970, p. 45.
PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE CUNHA. Livro de Leis Municipais. Tomo V. 2000-2010.
USINA Hidreletrica de Cunha. O Estado de S. Paulo, 18 jun. 1958, p. 16.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha (1600-2010): Freguesia do Facão: A rota da exploração das minas e abastecimento das tropas. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.

Cunha: maior produtora paulista de leite

Fazenda Aracatu, uma das inúmeras propriedades rurais de Cunha que produzem leite e queijo. Foto: Fazenda Aracatu.

Os resultados do Censo Agropecuário de 2017, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que o município de Cunha é o maior produtor de leite do estado de São Paulo, com uma produção anual de 32,5 milhões de litros, sendo seguido por Araras. Estima-se que o total produzido seja bem maior que o apurado pelo Censo, já que muitos produtores declaram uma quantidade inferior à sua real produção. A produção estadual de leite chega a 1,5 bilhão de litros. De qualquer forma, o resultado municipal evidencia a importância da pecuária leiteira para economia local e a necessidade do governo estadual de investir na pecuária cunhense, visando aumentar a produtividade, a qualidade do leite e a melhora do plantel, já que é o maior produtor estadual de leite, mas a baixa produtividade é um desafio a ser superado.

Cunha possui o 6º maior efetivo de rebanho bovino do estado, com 75.347 cabeças, sendo o maior da região do Vale do Paraíba paulista. A liderança estadual fica com Mirante do Paranapanema, município da região de Presidente Prudente, na divisa com o Paraná, com 101 mil cabeças de gado. Além da produção total, nosso município ocupa a liderança no ranking estadual em número de vacas ordenhadas (13.951 cabeças), no valor obtido com a produção de leite de vaca (35,8 milhões de reais) e no número de estabelecimentos agrícolas que se dedicam à pecuária leiteira (1.281 unidades). Aliás, a maioria (61%) das propriedades rurais locais são voltadas, pelo menos em parte, à produção de leite, uma que vez que as duas modalidades de pecuária (leite e corte) ocorrem de maneira simultânea, em consórcio, nos minifúndios de Cunha.

Ao analisar o resultado desse último recenseamento agrícola, é possível perceber que Cunha é, ao lado de Mirante do Paranapanema, o município que possui a mais forte agricultura familiar do estado, devido à grande quantidade de estabelecimentos agrícolas (o maior número do estado, com 2.287 unidades de produção), à equânime estrutura fundiária (área média dos estabelecimentos é de 35,5 hectares) e à diversidade produtiva, ainda que em pequena escala, de cada unidade agrícola. A ocorrência de víveres, de equinos e muares e de plantações de hortifrutis em quase todos os sítios e pequenas fazendas evidenciam que em Cunha o modo de produção caipira, típico do interior paulista, ainda resiste e persiste em pleno século XXI. Por agricultura familiar entende-se que é aquela onde a gestão da propriedade é compartilhada pela família e a atividade produtiva agropecuária é a principal fonte geradora de renda da propriedade, sendo diferenciada da agricultura comercial pelo Decreto Federal nº 9.064, de 31 de maio de 2017. Como se nota, a agricultura familiar é uma força econômica do nosso município, precisando ser mais apoiada por todas as esferas do poder público, para que possa garantir renda, emprego e permanência à população rural. A produção captada por laticínios e cooperativas inspecionadas pelos serviços oficiais chega a 23 milhões de litros por ano. Mas nem todas as propriedades produtoras possuem certificação sanitária ou vendem leite para laticínios regularizados.

Outra questão relacionada à pecuária leiteira em nosso município é a produção artesanal de queijo (frescal, muçarela, nozinho, provolone etc.), que ocorre em fabriquetas espalhadas por diversos bairros rurais. A Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável Regional (CDRS) de Guaratinguetá estima, por exemplo, que o processamento artesanal do leite cunhense chega a atingir cerca de mil propriedades, com produção de cerca de 30 mil litros de leite diários. Apesar de não serem registradas e muitas não contarem nem mesmo com o SIM (Serviço de Inspeção Municipal), trata-se de uma atividade que é sustento de muitas famílias rurais e de pequenos pecuaristas que não são cooperativados e que vendem sua produção a essas fábricas artesanais. As queijarias artesanais buscam a regularização de sua produção, visando receber certificação sanitária dos órgãos competentes, para que possam comercializar com tranquilidade e legalmente seus queijos em Cunha e em outros lugares. Para tanto, organizaram uma associação e buscam apoio junto à Prefeitura de Cunha, visando receber apoio técnico e político para alcançar as certificações exigidas pelos organismos sanitários e de controle, buscando, desse modo, equivaler o SIM, de abrangência no território municipal, ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI/POA), certificação federal. Uma vez reconhecida essa equivalência do SIM com o Serviço de Inspeção Federal (SIF), garante-se oficialmente a segurança dos alimentos produzidos em Cunha e possibilita a venda dos queijos feitos aqui para todo o território nacional. Apesar de desconsiderada nas estatísticas oficiais, a produção desses pequenos laticínios familiares não é pequena. Recentemente, inclusive, a produção artesanal e familiar de queijo em Cunha, bem como as reivindicações dos produtores, foi tema de reportagem do canal Terra Viva. O queijo de Cunha já conquistou muitos paladares, resta conquistar o aval da burocracia federal.

A intensa geada de julho mudou a cor da paisagem rural de Cunha e deve trazer prejuízos à produção de leite. Local: bairro do Encontro – Cunha – SP. Data: julho, 2021.

Apesar da liderança estadual, os pecuaristas de Cunha devem passar por dificuldades em 2021. O inverno por si só, pela falta de chuvas, já faz a produção diária de leite despencar, encarecendo o preço do produto nas prateleiras (Lei da Oferta e da Procura). Só que este ano, além da estiagem e do aumento dos insumos produtivos, a intensidade da geada deve afetar a produção de leite e trazer prejuízos aos retireiros. A paisagem rural cunhense mudou de cor, passou de verde a castanho, após as últimas geadas. Os pastos foram tostados pelo congelamento do orvalho. Sem pastagem, os produtores rurais devem recorrer à compra de silagem ou comprar ração industrializada para alimentação do rebanho, o que deve encarecer a produção e aumentar o preço do leite e seus derivados aos consumidores. As dificuldades para o produtor rural cunhense são muitas (como sempre foram), mas a resiliência é a marca dessa gente que, com trabalho pertinaz, tudo supera. E prevalece. Sorte a nossa, pois sem produção não há comida.

Fontes:

CANAL TERRAVIVA. De Cunha-SP para o Brasil: Produtores buscam venda do queijo para fora do município. Youtube, 19 fev. 2021. Disponível em: < https://youtu.be/pykJ-G3Zvps >. Acesso em: 3 ago. 2021.
IBGE. Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: < https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/ >. Acesso em: 3 ago. 2021.
SECRETARIA de Agricultura apoia a produção de queijo dos laticínios de Cunha. Governo do Estado de São Paulo, 9 abr. 2020. Disponível em: < https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/secretaria-de-agricultura-apoia-a-producao-de-queijo-dos-laticinios-de-cunha/ >. Acesso em: 8 ago. 2021.

Área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba aumentou mais de 300% nos últimos 30 anos

Plantação de eucalipto. Foto: MST. Data: 2015.

Estudo coordenado por Carlos Cesar Ronquim, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Territorial, apontou que a área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba, em sua porção paulista, saltou de 35.200 hectares em 1.985 para 113.600 hectares em 2.015, ocupando uma área equivalente ao município de São José dos Campos, o segundo maior de nossa região. Um aumento de 323% ao longo de 30 anos. Em 1.985, 2,5% da área total da nossa região estava ocupada por eucaliptos. Em 2.015, esse percentual chegava aos 8,1% da total área do Vale do Paraíba paulista. Esse aumento se reflete na paisagem regional. Todos os habitantes adultos do Vale, os nativos daqui pelo menos, já perceberam esse aumento explicito e visível nos seus lugares e municípios, principalmente a partir das primeiras décadas do século XXI. Seria o eucalipto o novo café?

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 1985. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016.

O aumento da área ocupada pela silvicultura de eucalipto foi acompanhado pela queda das áreas ocupadas por pastagem, solo exposto e atividades agrícolas, conforme pode ser verificado nos mapas que ilustram este artigo. A área ocupada por pastagem ainda ocupa a liderança, com 652.600 hectares, correspondendo em termos relativos a 46,7% do total. Todavia, há 30 anos correspondia a cerca de 68% da área total da região, o que demonstra o quanto o ambiente natural estava degradado pela pecuária e agricultura extensiva tradicional. A área com solo exposto sofreu uma ligeira queda, caindo de 3,7% para 3,3% em 2.015, uma diminuição de 5.500 hectares. É uma constatação positiva, pois a exposição do solo é um agravante ambiental, porque geralmente desencadeia processos erosivos, lixiviação etc. Por fim, a área ocupada por atividades agrícolas também retraiu, saindo de 51.300 hectares em 1.985 para 36.500 em 2.015. Em termos relativos ocupava 3,6% da área total e em 2.015 passou a ocupar 2,6%. Forte indicar que o ciclo agrícola do Vale está em franco declínio, incapaz de concorrer com outras áreas do Brasil, onde impera uma agricultura mecanizada, com produção em larga escala e voltada à exportação.

O retraimento das áreas de pasto e plantação foi sucedido por um aumento da ocupação por matas nativas. Um salto de 249.500 hectares em 1.985 para 455.200 hectares em 2.015. Assim, a cobertura florestal sobre a nossa região aumentou de 17,8% em 1.985 para 32,6% em 2015. Uma constatação auspiciosa e que indica que nem só de más notícias vive a Mata Atlântica. Com o progressivo aumento regional das taxas de urbanização, a área ocupada por construções também aumentou de 38.500 hectares para 63.600 hectares, chegando a uma ocupação de 4,6% da área total do Vale em 2.015. O aumento da mancha urbana das urbes valeparaibanas se dá pelo crescimento da população citadina e pelo forte êxodo rural, que ainda não se esgotou em nossa região. Esvaziam-se os campos; incham-se as cidades. Um reflexo da situação nacional em escala regional.

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 2015. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016

O esvaziamento do campo valeparaibano paulista pode ser um dos fatores que levou ao aumentou da cobertura de mata nativa, indicando uma regeneração dos pastos sujos que, em 1985, correspondiam a 390.600 hectares, ou 27,9% da área total regional. A queda da quantidade das áreas agrícolas também se relaciona com o declínio da agricultura familiar na região e ao êxodo rural. Além do mais, principalmente nos municípios do Alto Vale do Paraíba, as propriedades agrícolas têm adquirido novas funções. Muitas se converteram em sítios de veraneio para pessoas advindas da Região Metropolitana de São Paulo. Outras têm se convertido em lugares para consumo do espaço, com a incipiente, mas promissora atividade turística regional (com exceção de Campos do Jordão, que já é um polo turístico há muitas décadas), com as práticas ecoturismo e turismo rural, que valorizam a existência de mata nativa e torna esse tipo de cobertura do solo um fator de agregação de valor. Há também um aumento da patrulha da Polícia Militar Ambiental, mas essa ação repressiva nunca gerou consciência, apenas medo e desconfiança, além de dividendos para o Estado, com as pesadas multas que aplicam.

O avanço do eucalipto se dá no mesmo contexto, mas parece ser causa do êxodo e não consequência. Essa cultura comercial avança no rastro de estagnação econômica deixado pelas atividades ligadas à agricultura familiar e à pecuária extensiva, cada vez menos lucrativas e cada vez mais inviáveis para as pessoas da roça. É impossível os agricultores e pecuaristas do Alto Vale, adeptos de técnicas rudimentares, competirem com os agricultores e pecuaristas de outras regiões do Brasil, que incorporam técnicas modernas, mecânicas e automatizadas na produção. Diante desse cenário, há um barateamento da propriedade agrícola regional, tornando-a interessante às grandes empresas de papel e celulose do Brasil, pois a região possui uma excelente localização, possui vasta malha rodoviária e está entre as duas maiores metrópoles do país e relativamente próxima aos centros industriais e aos portos. Uma vez adquiridas, sempre de vários proprietários do mesmo bairro e ao mesmo tempo, com intuito de pressionar – de forma covarde – os mais proprietários mais resistentes, ocorre a expulsão da população local, pondo fim à existência do bairro rural. Cria-se um verdadeiro “deserto verde”, levando a antiga propriedade familiar, passada de geração a geração, e que atendia ao mercado local e às necessidades familiares, a atender às demandas do mercado internacional, se articulando e se organizando a partir de uma lógica exógena e desvinculada totalmente do lugar. A celulose é um dos produtos de exportação do Brasil e sua venda tem sido destinada principalmente para a Rep. Popular da China, EUA e Países Baixos. Não é à toa que na vizinha São Luiz do Paraitinga (SP) já existe um movimento local de resistência ao avanço desenfreado da eucaliptocultura, causadora de impactos ambientais, sociais e na saúde do povo da roça, devido ao uso indiscriminado de formicidas e outros agrotóxicos em larga escala.

Afinal, quem realmente ganha com o avanço das plantações de eucalipto? A população do lugar eu sei que não é. Para os boias-frias, que são contratados de maneira precária por empresas terceirizadas a fim de realizar o plantio, o controle de pragas e a limpeza dos pés de eucalipto, eu aposto que não também. Já a Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Suzano Papel e Celulose eu tenho certeza que sim. Quem mais?

Ou as saúvas acabam com os eucaliptos, ou as empresas de eucalipto vão acabar com todo universo caipira da região. Vida longa às saúvas!

Referências:

BARROS, C. J. Eucalipto avança em São Luiz do Paraitinga e gera reações. Repórter Brasil, 9 jul. 2009. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2009/07/eucalipto-avanca-em-sao-luiz-do-paraitinga-e-gera-reacoes/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

BUENO, S. Exportação de Celulose. Fazcomex, 13 jan. 2021. Disponível em: < https://www.fazcomex.com.br/blog/exportacao-de-celulose/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C.; COCHARSKI, T. C. D. Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 1985. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065875/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-1985 >. Acesso em 21 jun. 2021.

______ . Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 2015. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065878/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-2015 >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C. (Coord.). GeoVale: análise da distribuição geoespacial e de aspectos ambientais da eucaliptocultura na bacia do Rio Paraíba do Sul. Embrapa Territorial, dez. 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-projetos/-/projeto/205528/geovale–analise-da-distribuicao-geoespacial-e-de-aspectos-ambientais-da-eucaliptocultura-na-bacia-do-rio-paraiba-do-sul >. Acesso em 21 jun. 2021.

Pedra do Frade – Cunha – SP

Pedra do Frade, no bairro do Sertãozinho. Foto: Alessandro Ferraz.

1. Localização:

Está localizada no bairro do Sertãozinho, zona rural do município Cunha (SP). Possui um paredão de 80 metros de altura (IGC, 1978). Está a 14 quilômetros da sede urbana municipal em distância absoluta. As coordenadas geográficas da Pedra, obtidas pelo SIG on-line DataGEO, do Sistema Ambiental Paulista, são as seguintes: 23º10’23.7″S; 45º02’51.1″W (Datum: Sirgas 2000).

Localização da Pedra do Frade no município de Cunha. Cartografia: Jacuhy.

2. Altitude:

Varia conforme o produto cartográfico, site geoespacial ou SIG utilizado. Assim, tem-se:

  • na carta do IBGE: 1.220 metros.
  • na carta do IGC: 1.246 metros.
  • no software Google Earth: 1.233 metros.
A Pedra do Frade está a 1.246 metros de altitude. Fonte: IGC.

3. História:

A Pedra do Frade está dentro do sítio do Frade, propriedade do Sr. José Wagner e pertenceu às terras da fazenda do Sr. Décio Mariano Leite, que era filho de Crispim Mariano Leite e neto do capitão Joaquim Mariano de Toledo, povoador da região. Tem esse nome, segundo a tradição oral, porque na época da escravidão morava um frade no local, que a usava como refúgio, pois era defensor dos escravizados. Segundo dizem, há em um dos lados da Pedra a entrada para uma gruta, que serviu como abrigo para o frade e para os seus protegidos, que fugiam dos horrores da escravidão. Um frade é um religioso católico, não necessariamente um clérigo, que pertence a uma ordem religiosa mendicante. Diferente dos monges, os frades não ficavam tão enclausurados nos mosteiros, mas exerciam seu ministério junto ao povo. São notórios defensores dos pobres e oprimidos.

Pedra do Frade e o Alto do Diamante. Foto: Jorge Prudente. Arte: Jacuhy.

É muito difícil atestar a veracidade sobre a existência desse frade, mas relatos como esse são repassados pelos moradores locais ao longo do tempo. Há um fundo de verdade por trás de todos eles. A escravidão foi uma triste realidade no município de Cunha desde os tempos coloniais. No século XIX, por exemplo, quase metade da população de Cunha era formada por negros escravizados. A Pedra do Frade está próxima ao bairro da Catioca, primitiva zona de ocupação e povoamento do município de Cunha (VELOSO, 2010). Região privilegiada e propícia à colonização, pois estava situada no caminho que ligava a Freguesia do Facão (Cunha) à Vila de Taubaté. Assim, foi desde o século XVIII toda fatiada em sesmarias. Muitas fazendas surgiram na região da Catioca. Poucas permaneceram até hoje, como é o caso da Fazenda Sant’Anna, um testemunho de uma época pretérita. Mesmo se o relato não passar de mito e lenda, é certo que na região da Pedra do Frade houve escravidão e que muitos negros, como forma de resistir à opressão, fugiam e procuravam abrigo em lugares remotos.

Em 1933, o terreno no qual está a Pedra do Frade foi arrolado no espólio do capitão Joaquim Mariano de Toledo (“Quim Mariano”), maior fazendeiro de Cunha no início do século XX, com a seguinte descrição: “(…) i) – Três partes de terras no lugar denominado ‘Frade’ (…)” (VELOSO, 2010, p. 251). Os moradores do bairro do Sertãozinho figuraram entre os primeiros moradores de Cunha a se converterem ao metodismo, ainda nas primeiras décadas do século XX.

Aspecto do relevo da região. Foto: Adilson Toledo.

A Pedra do Frade é um prolongamento da Serra do Alto do Diamante e se encontra em uma região de Cunha onde as montanhas com os cumes pedregosos embelezam ainda mais a paisagem rural. Mas por que Alto do Diamante? Do ponto de vista geológico é muitíssimo improvável encontrar essas pedras preciosas em Cunha. Porém, por estar sobre o embasamento cristalino, há grande ocorrência de pedras de quartzo nas terras cunhenses. Essas pedras eram antigamente confundidas com diamantes ou consideradas como indícios de que haveria diamantes no lugar. Daí a crença popular de que poderia haver diamantes naqueles outeiros, onde brotam quartzos de variados aspectos e cores. Outros afirmam que o lajedo de gnaisse, após uma chuva ou garoa, tendo ficado molhado, tem brilho intenso como diamante, ao refletir a luz do Sol. Parece que os afloramentos rochosos marcaram a toponímia local. É muito provável, por exemplo, que o bairro do Itambé, vizinho do Sertãozinho, tenha recebido esse nome em razão do aspecto da Serra do Alto do Diamante. Itambé é topônimo (litotopônimo, no caso) de origem tupi (“itá-aimbé”) e significa “pedra pontuda e afiada” ou “pedra de amolar”,podendo, por extensão, ser traduzido como “borda; beira; precipício” (NAVARRO, 2013). Seria uma possível referência ao afloramento rochoso do Alto do Diamante? Vejam as fotos e tirem suas conclusões.

Aspecto do Alto do Diamante. Foto: Jorge Prudente.

4. Meio físico:

A Pedra do Frade, bem como todo o território cunhense, está inserida dentro do Domínio Morfoclimático dos Mares de Morros, possuindo as seguintes características:

  • a) Hidrografia: a Pedra exerce a função de divisor de águas, separando as microbacias do ribeirão do Limão e a do ribeirão das Abóboras, ambos tributários do ribeirão Itaim, que deságua no rio Paraitinga, na divisa com Lagoinha (SP). No sopé da face noroeste da Pedra nasce o córrego dos Peros (IBGE, 1974).
  • b) Climatologia: ocorre o tropical de altitude típico, com suas estações bem definidas, podendo ocorrer geada no inverno. Entretanto, essa região localizada em uma área serrana é mais úmida do que boa parte do município, devido à altitude e à proximidade com a Serra do Mar, sendo comum a ocorrência de eventos orográficos (garoa, serração) de manhã ou na parte da tarde.
  • c) Vegetação: no passado pré-colonial, era a região coberta por Mata Atlântica. Atualmente o entorno da Pedra está ocupado por pastagens, em função da atividade pecuária que se desenvolve no lugar. Na proximidade topo do encontra-se uma pequena mancha de Floresta Ombrófila Densa em estágio médio (SÃO PAULO, 2020). No topo da Pedra, entre as lascas seixosas que se desprenderam do monólito, brotam flores rupestres, o que ressalta a beleza do lugar.
  • d) Geologia: área de contato das entidades tectono-estratigráficas Terrenos Embu e Terreno Serra do Mar, formada há 587 milhões de anos, durante a Era Neoproterozoica (CPRM, 2006). A geotecnia aponta ser o local sujeito a alta suscetibilidade a escorregamentos (naturais e induzidos), com rochas cristalinas no embasamento (NAKAZAWA; FREITAS; DINIZ, 1994). Há o predomínio de rochas ígneas plutônicas. Registra-se a ocorrência dos seguintes tipos de rochas: gnaisse, biotita, granito, monzogranito, migmatito, xisto, metapelito, quartzito, meta-arenito etc. A região está inserida no maciço do Corpo Granito Natividade da Serra (IPT, 2010).
  • e) Geomorfologia: está dentro da unidade morfoestrutural do Cinturão Orogênico do Atlântico, mais especificamente no Planalto do Paraitinga-Paraibuna. A Pedra em si é um penedo granítico, fruto da erosão diferencial e resultado do ataque dos agentes exógenos sobre o relevo. A Pedra está passando por um processo de esfoliação esferoidal. Do ponto de vista topográfico é a Pedra um esporão, um interrompimento da declividade da linha de crista da Serra do Alto do Diamante. Esta serra chega a atingir em seu cume a altitude de 1.640 metros. O relevo da região é todo orientando pela litografia, sendo o bairro do Sertãozinho um vale em “v”, aninhado entre dois esporões lançados do maciço central da Serra do Alto do Diamante. A Pedra do Frade é apresentada no Mapa Geomorfológico do Município de Cunha (IPT, 2010) como parte integrante das serras alongadas, com morros altos e fortemente ondulados.
  • f) Pedologia: o solo predominante é o cambissolo háplico (SÃO PAULO, 2007), ocorrendo ainda em associação com os latossolos amarelo e vermelho-amarelo típico. Ambos são distróficos. Apresenta textura média, é argiloso e típico de relevo fortemente ondulado, com profundidade variável de pouco até muito profundo.
Pedra do Frade, hipsometria e vizinhança. Fonte: IBGE.

5. Ecoturismo:

Apresenta enorme potencial, porém ainda permanece inexplorada. Além de ser um mirante fascinante, nela pode se desenvolver atividades como: montanhismo, rapel, trekking, mountain bike etc. As formações rochosas e altas montanhas do entorno são um espetáculo que merece ser apreciado por mais pessoas.

Pastagens dominam o entorno da Pedra do Frade. Foto: Alessandro Ferraz.

6. Acesso:

Antes de tudo, é importante ressaltar que a Pedra está em propriedade particular, sendo assim, o acesso até ela necessita de anuência prévia dos proprietários.Para chegar até o local, deve-se seguir pelos seguintes caminhos:SP – 171 (Rodovia Vice-Prefeito Salvador Pacetti, de Cunha até a divisa com o estado do Rio de Janeiro), em asfalto, por 3,3 Km, daí entra à direita e segue pela Estrada Municipal Benedito Galvão de França (Cunha – Catioca), em terra batida, por 10,3 Km; daí entra à esquerda e segue pela estrada que interliga o bairro das Abóboras ao bairro do Jericó, em terra batida, por 0,5 Km, daí entra à direita, subindo e seguindo pela Estrada do Limão/Sertãozinho, em terra batida, por 6,3 Km até a entrada da trilha que dá acesso à Pedra, que está à esquerda da estrada. É um caminho de tropa frequentado pelos íncolas locais, que liga o bairro do Sertãozinho ao bairro do Sertão dos Marianos, do outro lado da cadeia de montanhas. Da estrada do Sertãozinho segue-se por trilha, em direção ao Sertão dos Marianos, subida a pique, por 1,4 Km.

Imagem de satélite da Pedra do Frade. Fonte: EMPLASA, 2010.

7. Outras informações:

a) Localização da Pedra do Frade no Google Maps: https://www.google.com.br/maps/place/23%C2%B010’22.3%22S+45%C2%B002’50.1%22W/@-23.1728611,-45.0485514,674/data=!3m2!1e3!4b1!4m14!1m7!3m6!1s0x9d7ce47f825ea7:0xb0e1ed8f9db1d15a!2sCunha,+SP,+12530-000!3b1!8m2!3d-23.0743544!4d-44.9561012!3m5!1s0x0:0x0!7e2!8m2!3d-23.1728643!4d-45.0472496!5m1!1e4

b) Rota da cidade de Cunha até o início da trilha para a Pedra do Frade: https://goo.gl/maps/CgmRpPTBuvmS1EJh6;

c) Não temos nenhuma informação sobre as condições de trafegabilidade, no momento, da estrada que leva à Pedra do Frade.

d) O presente artigo contou com informações valiosas fornecidas pelas seguintes pessoas Sr. Jorge Prudente (sitiante no bairro do Sertãozinho), Sr. Adilson Galvão (quem sugeriu esta publicação) e pela guia turística Sra. Edna Maria. Nosso agradecimento a eles.

Bairro do Sertãozinho. Foto: Adilson Toledo.

8. Fotos:

Adilson Toledo, Alessandro Ferraz e Jorge Prudente.

9. Referências:

AB’SÁBER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS (CPRM). Mapa geológico do estado de São Paulo. Escala 1:750:000. Breve descrição das unidades litoestratigráficas aflorantes no estado de São Paulo. São Paulo: CPRM, 2006.

FRADE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Frade&oldid=60735861 >. Acesso em: 24 mar. 2021.

GUERRA, A. T. Dicionário geológico-geomorfológico. 8. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1993.

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Mapa concêntrico mostrando os pontos de referência próximos à Pedra do Frade. Cartografia: Jacuhy.

10 curiosidades sobre Cunha

Cunha: Cidades das Serras

1 – Seu antigo nome era “Facão”. Somente em 1.785, com a independência política-administrativa, passando a ser então um município, é que denominar-se “Villa de Nossa Senhora da Conceição de Cunha”, uma homenagem a Francisco da Cunha e Meneses, governador e capitão-general da Capitania de São Paulo de 1.782 a 1.786, responsável pela outorga de sua elevação à condição de vila. A ereção da capela de Jesus, Maria e José, no bairro da Boa Vista, no ano de 1.724, é considerado o evento fundador.

2 – Possui o maior rebanho bovino do Vale do Paraíba e é uma das maiores bacias leiteiras do estado. Por isso é tão comum encontrar deliciosos queijos artesanais pelas roças de Cunha. No passado foi grande produtora de toucinho, milho e fumo: produtos agrícolas que abasteciam a zona cafeeira do Vale do Paraíba. O turismo é atividade econômica recente, desenvolvida nas últimas décadas, impulsionada pela pavimentação da Estrada-Parque Paraty-Cunha. Seu passado econômico sempre esteve ligado à agricultura familiar e de subsistência e ao tropeirismo, já que era pouso obrigatório entre o sertão e o litoral. Era uma espécie de “celeiro do Vale”.

 3 – No passado, antes da chegada dos colonizadores portugueses, o planalto cunhense era povoado pelos índios Guaianás. Esse povo originário abriu vários caminhos ligando o planalto até a costa atlântica. Andejos, exímios caçadores e coletores, esse povo autóctone era nômade e migravam sazonalmente: no verão viviam na serra; no inverno desciam para beira do mar. Pessoas ligeiras no esgueirar-se pelas matas densas, de baixa estatura, falavam uma língua do tronco Macro-Jê.

 4 – É a Capital Nacional da Cerâmica de Alta Temperatura, segundo projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, já em fase de aprovação. Isso se deve ao fato de Cunha receber, desde a década de 1.970, inúmeros ceramistas que utilizavam a queima de suas peças no forno Noborigama. De lá para cá, muitos outros artistas se instalaram em Cunha, produzindo peças reconhecidas nacionalmente, e transformando a cidade no maior polo de cerâmica de autor da América do Sul. Antes da chegada dos artistas-ceramistas, havia em Cunha as “paneleiras”: ceramistas, geralmente mulheres, que produziam peças utilitárias, para ser utilizado no dia a dia da vida caipira. Os vasilhames eram confeccionados através de técnicas ancestrais, de origem indígena.

5 – Cunha possui os maiores campos de lavandas do estado de São Paulo e os mais famosos do Brasil, fato que motivou a imprensa especializada em turismo em chamá-la de “a Provence paulista”. Um tanto exagerado o epíteto, tendo em vista que o município possui apenas dois campos de lavandas: o Lavandário e o Contemplário. São belos e dão um certo ar de paisagem incomum (pelo menos nos trópicos), mas não se comparam ao que há na França. Cunha possuía há alguns anos uma enorme frota de fusca, que chamava a atenção dos turistas e viajantes que passavam pela cidade. Seria Cunha a “capital do Fusca” também? Inúmeras reportagens sobre a relação do cunhense com esse carro, tão adequado às condições das estradas rurais do município, foram feitas. Até uma festa para celebrar o mais famoso auto da Volkswagen foi organizada: a “FusCunha”. Virou matéria no “Me leva Brasil”, quadro da revista eletrônica “Fantástico”, da TV Globo.

6 – Em 1.932 o município foi palco dos combates entre federais e paulistas, durante a Revolução Constitucionalista. A “Batalha de Cunha”, travada no estilo da Primeira Grande Guerra e com o auxílio da aviação, foi uma das maiores batalhas daquela guerra civil e uma das poucas em que as tropas paulistas venceram. Paulo Virgínio, trabalhador rural do bairro do Taboão, foi capturado, torturado e morto pelas tropas federais, que apoiavam manutenção no poder do ditador Getúlio Vargas. Por não ter revelado os caminhos que levavam às trincheiras paulistas – nem mesmo sob tortura – foi considerado herói e mártir da causa paulista e constitucionalista.

7 – É a maior produtora de pinhão de São Paulo. Isso só é possível porque o território cunhense é salpicado por araucárias (pinheiro brasileiro). Os produtores rurais aproveitam para catar e comercializar os pinhões que caem no outono, e, assim, ter uma renda extra com o extrativismo vegetal. A Festa do Pinhão, atualmente o maior evento turístico de Cunha, conta com feira de comidas típicas à base de pinhão, além de shows e atrações outras. As araucárias são nativas em Cunha, pois mesmo sendo típicas de climas frios e subtropicais, encontraram na Mata Atlântica das altas montanhas um refúgio ecológico propício para sua espécie.

 8 – Possui mais de 250 bairros rurais e seu território está cercado por três serras: do Mar, da Bocaina e da Quebra-Cangalha. O relevo é tipicamente montanhoso, área exemplar da paisagem de “mares de morros”. A associação de montanhas, rios e seixos dá origem há inúmeras cachoeiras, variando de tamanho e beleza. O clima é tropical de altitude, com ocorrência de geadas no inverno, mas muito úmido nas áreas mais altas, próximas à Serra do Mar, devido à ocorrência de garoas. Devido à salubridade do seu clima ameno, um sanativo para os tuberculosos e para os acometidos de outras moléstias respiratórias, fez o Governo Estadual transformar Cunha em uma Estância Climática em 1.948.

9 – Em seu território há duas unidades de conservação de proteção integral: o Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo de Cunha) e o Parque Nacional da Serra da Bocaina. O rio Paraibuna nasce no município e o rio Paraitinga nele se encorpa. Ambos são os formadores do rio Paraíba do Sul, o curso d’água mais estratégico do país, por estar localizado entre as duas maiores regiões metropolitanas brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. Possui várias fontes hidrominerais inexploradas, que brotam do seio do aquífero Cristalino, com destaque para as fontes do complexo das Águas Virtuosas de Santa Rosa, uma das melhores do mundo e a única explorada comercialmente até o momento.

10 – É o maior município do Vale do Paraíba em extensão territorial e o 11º do estado de São Paulo. Sua população está estagnada em torno de 20 mil habitantes há mais de um século, devido às perdas migratórias por razões econômicas e ao êxodo rural. Cunha é um dos berços e redutos da autêntica cultura caipira (paulista), que se manifesta no modo do povo falar, no jeito de andar e se vestir, no modo de ser e viver, nas construções, nas tradições religiosas seculares, nas danças (congada, jongo, são-gonçalo, moçambique, catira etc.), folias (de Reis e do Divino) e cantigas de viola, na culinária, com uma variedade deliciosa de doces e pratos salgados, que alimentam a alma e o espírito. Conhecer Cunha, já diziam os antigos cientistas sociais que estudaram o lugar, é mais que uma viagem no espaço; é uma viagem no tempo! Uma possibilidade de reencontro consigo mesmo e com a paz perdida na confusão da “civilização urbana”.