As abelhas

Imagem de satélite mostrando o Sudeste do Brasil, Paraguai, Uruguai e nordeste da Argentina, à noite. Fonte: NASA. Ano: 2012.

O sábio terrestre examina o enxame de abelhas, cuja organização ele considera um exemplo para os homens…

Observa as rainhas, os zangões e as obreiras. Parecem-lhes inteligentes, pois o trabalho e a criação de reservas demonstram não só uma ordem preestabelecida como também certa previsão.

Com carinho estuda a sua incipiente agricultura.

Mas o homem é inteligente, disso não resta dúvida (são os próprios homens que o afirmam), mas as abelhas e as formigas também podem ser consideradas inteligentes.

O sábio terreno, que as examina, faz essas apreciações com método e segurança. As abelhas de hoje pouco diferem das abelhas dos tempos homéricos, mas diferem. E essa diferença apresenta uma evolução que merece ser apreciada.

E continua a estudá-las, com carinho e com método.

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Em sua torre diáfana, o sábio da sétima constelação estuda o globo terráqueo. Através da imensidade do infinito, com seus aparelhos, examina a vida dos habitantes da Terra.

E ao investigá-los, com carinho e com método, o que aliás é apanágio de todos os sábios, fornece ao discípulo estas considerações que podemos traduzir com estas palavras:

− Inegavelmente, esses animalículos terrestres são bem interessantes. Apresentam fórmulas diferentes de construção, de uma variedade contrastante. São um pouco diferentes, mas vivem juntos. Deixam-se atrair muito pela luz. Vejo nos seus enxames, que os lugares mais iluminados possuem maior número deles. Correm pelas alamedas para salvarem-se de veículos que os podem esmagar.

Parecem ter uma certa ordem na vida, mas às vezes, vejo-os desordenados. Matam-se uns aos outros em lutas ferozes. Não os compreendo bem nesses momentos. Possuem, entretanto, uma certa evolução, pois já criam animais, já tiram da terra os alimentos, constroem máquinas… Talvez pudesse afirmar que são realmente inteligentes…

E continuou a estudá-los, com carinho e com método.

Fonte:

Mário Ferreira dos Santos, “Páginas Várias”, 1963, pp. 210-211.

Lagoinha já foi distrito de Cunha

Postagem da série “Hoje na História de Cunha”, da página Jacuhy, no Facebook.

Lagoinha possui uma história peculiar. Após conquistar sua autonomia política em 19 de fevereiro de 1.900, através da Lei n.º 38, quando a Vila de Lagoinha foi elevada à condição de município, mesmo ainda sem se constituir uma comarca, em 21 de maio de 1934, através do Decreto-Lei n.º 6.448, Lagoinha voltou novamente à condição de distrito, só que dessa vez do município de Cunha. Certamente que a decisão pegou todas as autoridades municipais de surpresa, tanto as cunhenses quanto as lagoinhenses. Cunha possuía um território enorme para uma Prefeitura com baixa arrecadação e Lagoinha jamais imaginaria que retornaria a distrito, muito menos de Cunha.

A decisão veio de uma canetada do interventor federal (que era nomeado pelo chefe de Estado) no estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira. Na época estávamos na vigência do Governo Provisório da Era Vargas, em sua fase final, instalado logo após a Revolução de 1.930. Salles evocava o decreto fundante da instituição do governo revolucionário de 1.930 (Decreto n.º 19.398, de 11 de novembro de 1930) para assinar o decreto-lei que extinguiu diversos municípios de São Paulo. Salles era um liberal, sócio do jornal “O Estado de S. Paulo”, apoiou o golpe de 1.930 e, descontente com a demora das eleições, apoiou a Revolução de 1.932. No entanto, em 1.933, Vargas, então chefe de Estado “provisório”, visando acalmar os ânimos paulistas após a guerra civil, nomeou-o para interventor federal em São Paulo e deixou claro que estava elevando ao cargo máximo do estado um aliado dos constitucionalistas, que haviam sido derrotados no campo militar. Em 1.935, Salles seria eleito governador de S. Paulo, já na fase constitucional da Era Vargas. Sonhava em ser presidente e concorreria nas eleições marcadas para 1.938, mas seu projeto político foi interrompido com a implantação do Estado Novo em 1.937 e suspensão das eleições e a implantação de uma ditadura protofascista. As razões alegadas por Salles para extinção de Lagoinha e mais 17 municípios paulistas constam nas considerações iniciais do Decreto: “não pódem, com seus proprios recursos, manter os encargos decorrentes de suas administrações, devido á exiguidade das respectivas rendas; considerando que a renda anual desses municipios, inferior a 25:000$000 (vinte e cinco contos de réis), em alguns deles não atinge a 10:000$000 (dez contos de réis), e é, na sua maior parte, aplicada somente com as despesas do funcionalismo, sem vantagem para os serviços publicos; considerando que é de toda a conveniencia a anexação desses municipios a outros mais prosperos e de melhores condições financeiras (…)”. Ou seja, as razões apresentadas parecem atender a um receituário liberal para Economia, visando corte de gastos públicos, diminuição do tamanho e presença do Estado e redução do funcionalismo, não muito diferente da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) do Pacto Federativo, que o Governo Federal atual planeja implantar.

A anexação de Lagoinha a Cunha não agradou os lagoinhenses e luizenses. A comunicação entre Cunha e Lagoinha era péssima, feita por estradas de tropas e sempre em péssimas condições. Fora a distância. Enquanto São Luiz estava a 24 Km de Lagoinha, Cunha se encontrava a 45 Km. Parece que ao dar a canetada, olharam no mapa e acharam fazer sentido que, por Cunha ser maior e fazer fronteira com Lagoinha, a integração ocorreria naturalmente e sem problemas. Os luizenses, que tinham interesses políticos e comerciais em Lagoinha, também não gostaram do novo arranjo territorial. Em Lagoinha um movimento contrário a essa anexação foi encetado por Pedro Alves Ferreira, o “Pedro Mané”, um comerciante local. O movimento foi reforçado pela chegada do novo padre, Francisco Eloy de Almeida (Padre Chico), que passou a fazer coro contra a perda de autonomia e a distância do distrito da sede municipal. Um plebiscito chegou a ser organizado, visando tornar o distrito como parte de São Luiz.

Somente com a nova divisão administrativa do estado, fixada em 1.944, Lagoinha voltou a fazer parte do município de São Luiz. Para Cunha, como o contato com Lagoinha era mínimo, pouca diferença fez, tanto em sua vida política (engessada pelo Estado Novo) quanto na sua economia. Mas a luta dos lagoinhenses prosseguiu, com o intuito de reconquistar a autonomia administrativa. Em 23 de dezembro de 1.953, após muita luta política, Lagoinha reconquistou a sua emancipação territorial e administrativa. Diz a Lei Estadual n.º 2.456/1953 nas suas notas finais: “141 – O município de Lagoinha é restabelecido, com séde na vila de igual nome e com o território do atual distrito.” Foi decisivo o apoio de dois deputados estaduais à causa de Lagoinha, a saber, André Broca Filho e Alfredo Farah. Devido à emancipação política, em 03 de outubro de 1.954, foram realizadas as eleições para os cargos de prefeito, vice-prefeito e para composição da Câmara. Lagoinha contava, à época, com 1.094 eleitores legalmente inscritos. No dia das eleições compareceram e votaram apenas 787 eleitores, elegendo o prefeito: Pedro Alves Ferreira (PSD) (candidato único), com 710 votos; o vice-prefeito (na época, o vice era eleito separado do prefeito): José Maria Landim (PSD), com 542 votos; e os vereadores: José de Oliveira Santos (PSP), Geraldo Pereira Coelho (PSP), Albertino José Ferreira (PSP), Antônio Alves da Rocha (PSP), Bento Januário de Gouveia (PSP), Geraldo Antônio de Souza (PSD) e José Gonzaga de Campos (PSP). Sua reinstalação verificou-se no dia 01 de janeiro de 1955.

Assim, nesses 10 anos (1.934-1.944), por ser distrito de Cunha, tal como Campos de Cunha é hoje, Lagoinha era parte de nosso território em 1.940, quando o IBGE realizou seu recenseamento. Isso explica a queda de população verificada entres os Censos de 1940, quando Cunha teve uma contagem de 24.818 habitantes, e 1.950, quando o verificou-se um contingente menor, com 20.784 habitantes. Evidentemente que, embora o êxodo rural já estivesse em curso, a queda foi causada pela perda de território e da população residente nele. A aparente estabilização populacional de Cunha, a partir de meados do século XX, encoberta os impactos do êxodo rural na nossa estatística demográfica. As perdas migratórias expressivas que o município passou não se refletem negativamente nos recenseamentos, pois como a taxa de natalidade e fecundidade eram muito altas, compensava os impactos demográficos do êxodo na população total e mantendo a população em torno dos 20 mil habitantes.

Ano passado, na PEC do Pacto Federativo sugerida pelo Ministério da Economia, havia a proposta de que municípios pequenos e com baixa arrecadação perdessem sua autonomia política e passassem a integrar, como distrito, outro município mais sustentável. Essa proposta, bastante polêmica por sinal, visava reduzir o tamanho do Estado, com cortes de gastos públicos, objetivando o equilíbrio fiscal. A alegação do ministro neoliberal Paulo Guedes era que esses municípios pequenos eram caros demais para sua manutenção e funcionam como cabides de empregos públicos para cidades pequenas, que não buscavam outro meio de se desenvolver e aumentar sua arrecadação e obter, desse moto, autonomia financeira em relação aos Estados e União. Obviamente que a proposta foi rechaçada pelos deputados, com medo de perder votos em seus nichos eleitorais, além daqueles que apontavam a importância do Estado se fazer presente nos municípios pequenos e pobres, com equipamentos públicos e prestação de serviços básicos, contendo assim a migração maciça para cidades maiores e reduzindo as desigualdades sociais. Entre os municípios que poderiam perder seu status político na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte estava Lagoinha. Muito provavelmente, se vingasse PEC liberal, retornaria a São Luiz do Paraitinga na condição de distrito.

Com o município de Lagoinha, Cunha divide além do território, parte de sua história, e muitas manifestações culturais e tradicionais, que caracterizam a Paulistânia, manjedoura da cultura caipira.

Fontes:
ALESP. Decreto n. 6.448, de 21 de maio de 1934: Extingue os municipios de Araçariguama, Buquira, Capoeiras, Espirito Santo do Turvo, Igaratá, Iporanga, Jataí, Lagoinha, Pilar, Pinheiros, Platina, Redenção, Ribeira, Ribeirão Branco, Ribeirão Vermelho, Sarapuí, Santa Cruz da Conceição e Vila Bela, e dispõe sobre sua anexação a outros municipios. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/1934/decreto-6448-21.05.1934.html >, acesso em: 18 mai. 2020.
ALESP. Decreto-Lei 14.334, de 30 de novembro de 1944: Divisão administrativa e judiciária do Estado. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/decreto.lei-14334-30.11.1944.html >, acesso em: 20 mai. 2020.
ALESP. Lei n. 2.456, de 30 de dezembro de 1953: Dispõe sôbre o Quadro Territorial, Administrativo e Judiciário do Estado, para o quinquênio 1954/1958 e dá outras providências. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/lei/1953/lei-2456-30.12.1953.html >, acesso em: 21 mai. 2020.
IBGE. Cidades: História & Fotos. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/lagoinha/historico >, acesso em: 19 mai. 2020.
SANTOS, Rosângela I. T. C. dos. As capelas de roça no município de Lagoinha, SP. Lagoinha (SP): Clube de Autores, 2008.

Foto:
Ana Maria Coelho Moura (Ana do Zé Robertinho), da Festa do Divino de Lagoinha em 1.966, publicada no blog da Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Lagoinha – SP. Disponível em: < http://pnscl.blogspot.com/…/fotos-dia-da-festa-do-divino-es… >, acesso em mai. 2020.

PARA SABER MAIS:

Municípios da nossa região podem perder sua autonomia política, se aprovada for a PEC do Pacto Federativo:
https://www.facebook.com/Jacuhy/posts/2407871856137599
10 curiosidades sobre Lagoinha:
https://www.facebook.com/Jacuhy/posts/2575075362750580

10 curiosidades sobre Lagoinha – SP

Igreja Matriz e Cachoeira Grande: cartões-postais de Lagoinha, no interior de São Paulo.

1. RELIGIÃO: É o município mais católico de São Paulo. Em termos percentuais, segundo o Censo 2010, 93,4% dos lagoinhenses se declaram católicos romanos. Valor relativo bem acima dos registrados no estado e no país. O segundo município mais católico do estado é Ribeirão dos Índios, no Oeste, com 89,1%.
2. PADRES: Devido à importância da religião junto aos seus moradores, em Lagoinha os padres sempre tiveram um papel social e político relevante, destacando-se dois deles: padre Francisco Eloy de Almeida (Padre Chico) e padre Osmar Barbosa, ambos mineiros e já falecidos. O primeiro chegou a Lagoinha em 1.937. Logo se tornou líder religioso, comunitário e político, um defensor da fé e muito querido junto ao povo. A principal escola da cidade faz homenagem à sua figura. O segundo também foi um líder comunitário e muito conhecido e querido não só pelo povo de Lagoinha, mas por muitas pessoas do Vale. Sua clarividência, sempre negada por ele, e seus aconselhamentos eram considerados divinos e eram buscados por muitas pessoas que passavam por problemas. Também era um dos devotos da Menina Izildinha, uma menina nascida em Portugal em 1897 e falecida com apenas 13 anos vítima de leucemia e considerada santa. O catolicismo popular também é muito forte em Lagoinha e há entre muitos moradores a devoção à Sá Mariinha das Três Pontes (Maria Guedes), curandeira e vidente cunhense, considerada santa por muitos. Essa devoção é resultado da proximidade do bairro da Três Pontes com a zona rural lagoinhense, onde muitos moradores visitavam e se consultavam com Sá Mariinha.
3. PADROEIRA – A padroeira de Lagoinha é Nossa Senhora da Conceição. Lagoinha se tornou freguesia de São Luiz em 26 de março de 1.866. Por freguesia se entende paróquia, ou seja, a antiga capela passou a contar padre regular. A capelinha foi construída em meados do XIX, sendo que por volta de 1.863, a imagem da Virgem da Conceição foi trazida por tropeiros de Portugal, segundo a tradição, a pedido da família dos “Antocas” (os irmãos Joaquim e Francisco Antônio Ribeiro e Antônio Alves da Silva e suas respectivas esposas, antigos sesmeiros). Aliás, é a mesma padroeira de Cunha. Isso se deve à influência dos portugueses, pois a devoção à Imaculada Conceição, padroeira da nossa antiga Metrópole, é bastante antiga e interligada a própria história do país ibérico, sobretudo com os grandes acontecimentos decisivos para a independência e identidade nacional durante a Reconquista. Consta como um dos atos fundantes de Portugal, uma Missa pontifical de ação de graças, em honra da Imaculada Conceição, que foi celebrada em Lisboa, recém conquistada aos islâmicos, em 1.147, pelo primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
4. NOME: O nome Lagoinha tem relação direta com sua origem tropeira. A palavra “lagoinha” é um diminutivo de “lagoa”. Consta que o sítio onde está a cidade foi, desde o século XVII, um pouso de tropeiros. Estes usavam o lugar como paragem e ponto de apoio, em suas viagens comerciais entre as fazendas, vilas, portos e freguesias coloniais. E nesse lugar, por ser um ponto de descanso e reabastecimento, existia uma pequena lagoa, que servia como bebedouro para as tropas e para uso dos tropeiros, daí então vem o nome que os tropeiros batizaram o lugar: “Pouso da Lagoinha”. Em 1.863, chega na região a família dos “Antocas”. Oriunda de Ubatuba, essa devota família, assim que chegou para a sesmaria que havia recebido, resolveu doar uma gleba de terra no entorno do pouso, para que ali se construísse uma capela dedicada à Virgem Imaculada. Casa após casa, no entorno dessa capela começou a surgir o que viria a ser hoje a cidade de Lagoinha.
5. ELEITORES: Lagoinha possui mais eleitores do que habitantes. Em 2018 eram 5.041 eleitores para uma população total de 4.896 habitantes, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2019. Apesar dessa situação causar estranheza e desconfiança, não há nada de errado com ela. É típica de municípios que sofrem perda de população por migração intermunicipal e êxodo rural, como ocorre aqui no Alto Vale do Paraíba, onde a mudança de município de residência não é acompanhada pela mudança de domicílio eleitoral. As pessoas mudam de cidade, mas preferem continuar votando na cidade natal, aproveitando a eleição para rever a família e amigos ou mesmo para participar do pleito no lugar onde possuem relação mais próxima com a política. Cunha também possui um número elevado de eleitores, se comparado à população residente. Consequentemente isso acaba gerando uma alta taxa de abstenção, por essa razão o Tribunal Regional Eleitoral tem sido mais exigente no recadastramento eleitoral no que concerne à comprovação de residência.
6. TAUBATÉ: Atualmente o município possui uma forte ligação e dependência em relação a Taubaté, apesar dos laços históricos e da maior proximidade com Guaratinguetá. Essa ligação com Taubaté se estreitou a partir de 1.981, com a pavimentação da Rodovia Nelson Ferreira Pinto (SP-153), que liga a cidade de Lagoinha com a vizinha São Luiz do Paraitinga.
7. FAZENDAS: Apesar da sede da Fazenda Santana ficar no município de Cunha, próxima à divisa com Lagoinha, os seus donos sempre tiveram mais ligação com Lagoinha e São Luiz do que com Cunha, com destaque para o coronel (da Guarda Nacional) Manoel Antônio Domingues de Castro, figura política importante no passado lagoinhense. Em 1.873, ocupava o cargo de subdelegado na então freguesia pertencente a São Luiz do Paraitinga. Chegou a ser deputado estadual em 1.907. E em 1.892 conseguiu que fossem transferidas para a Vila de Lagoinha as terras de suas fazendas, a saber: as fazendas “Santa Anna” (pertencente a São Luiz do Paraitinga na época) e “João Ferraz” (atual bairro do Ferraz, município de Cunha). Com o advento do República, acabou por prevalecer o princípio da divisa intermunicipal por vertentes e não a partir de interesses particulares.
8. FRONTEIRAS: Vários bairros rurais de Cunha se comunicam mais com Lagoinha do que com nossa cidade. Isso se deve à proximidade e facilidade de acesso com a cidade vizinha. Por estarem na região de fronteira, é mais fácil ir até Lagoinha do que vir até Cunha. É o caso, por exemplo, do bairro do Barro Vermelho. Geograficamente, é Cunha; no entanto, os moradores votam, estudam, fazem consultas médicas, negócios e compras em Lagoinha. Por conseguinte, gera atrito entre as duas prefeituras, pois ambas querem se livrar da prestação de serviços públicos a esses moradores, que no final acabam sendo prejudicados e tendo que reivindicar seus direitos por causa de sua localização. Claro que, do ponto de vista legal, o atendimento aos moradores compete à Prefeitura de Cunha, pois estão dentro de nossa circunscrição territorial e nos recenseamentos, que servem de base para o repasse de verbas estaduais e federais, os moradores entram na soma da população de Cunha. Nos últimos tempos, acordos entre as duas prefeituras têm sido feito no tocante à manutenção das estradas rurais, principal queixa desses moradores.
9. TURISMO: A Cachoeira Grande, no bairro do Faxinal, é o principal ponto turístico de Lagoinha. Com 38 metros de queda livre, é uma das maiores e mais bonitas da região. A cachoeira é formada pelo rio do Pinhal, afluente do rio Paraitinga, que corta o município no sentido oeste-leste. Lagoinha está cercada por duas serras: a do Quebra-Cangalha (Serra Fria ou dos Forros) ao norte e ao sul a do Mar (Serra do Alto do Chapéu).
10. TRADIÇÃO: Lagoinha é uma das cidades mortas do Vale Paraíba, tão bem descritas pela narrativa ácida de Monteiro Lobato. Assim como Cunha, o município entrou em estagnação econômica com a subutilização dos caminhos serranos para escoamento da produção valeparaibana, depois da inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil e com o fim do ciclo do café na nossa região. Atualmente conta com 220 estabelecimentos agropecuários, uma produção leiteira de 25 mil litros por dia e mais 20 mil cabeças de gado. É uma das maiores bacias leiteiras do estado e um dos centros da pecuária de corte da RM do Vale do Paraíba. Se no passado a falta de indústrias e a perda de dinamismo econômico eram entraves, hoje o fato de ser uma cidade bucólica e distante dos grandes centros industriais é um fator que impulsiona o turismo rural e o ecoturismo, atraindo visitantes ansiosos para explorar as belezas com que Lagoinha foi, generosamente, agraciada pela natureza. E tudo isso em um lugar que vem conservando a fé, a tradição e os valores que, repassados geração a geração desde tempos imemoriais, fez esse rincão de São Paulo ser um bastião da mais autêntica cultura paulista.

Mapa e dados de Lagoinha – SP. Cartografia: Jacuhy.

FONTES:
A religiosidade de Lagoinha, SP. Trip Rural, 30 ago. 2019. Disponível em: < http://www.triprural.org.br/a-religiosidade-de-lagoinha-sp/>, acesso em: 18 mai. 2020.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ALESP). LEI N. 22, DE 26 DE MARÇO DE 1866. Eleva à categoria de freguesia a capela de Nossa Senhora da Lagoinha, e autoriza o governo provincial a determinar as divisas entre essa Freguesia e os municípios de São Luiz, Cunha, Guaratinguetá e Pindamonhangaba. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/…/…/lei/1866/lei-22-26.03.1866.html, acesso em: 20 mai. 2020.
______. LEI N. 85, DE 6 DE SETEMBRO DE 1892 (Transfere para a villa de Lagoinha fazendas do cidadão Manoel Antonio Domingues de Castro). Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/…/l…/lei/1892/lei-85-06.09.1892.html>, acesso em: 19 mai. 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Lagoinha: São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. 1 carta topográfica, color., 4465 x 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF-23-Y-D-III-2. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/…/GEBIS%…/SF-23-Y-D-III-2.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2020.
______. Mapa Municipal Estatístico: Lagoinha – SP. Escala: 1: 50.000. IBGE, Rio de Janeiro: 2011. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/…/mapas_municip…/sp/lagoinha_v2.pdf>, acesso em: 20 mai. 2020.
______. Produção da Pecuária Municipal 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019.
INSTITUTO CHÃO CAIPIRA MALVINA BORGES DE FARIA. Lagoinha. Disponível em: <http://www.chaocaipira.org.br/cidades/lagoinha>, acesso em: 20 mai. 2020.
LUNÉ, Antônio J. B. de; FONSECA, P. D. da. Almanak da Província de São Paulo para 1873. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 1985.
PREFEITURA MUNICIPAL DE LAGOINHA. Turismo religioso. Disponível em: <https://www.lagoinha.sp.gov.br/…/…/0/9/858/Turismo-Religioso>, acesso em: 20 mai. 2020.
SANTOS, Rosângela I. T. C. dos. As capelas de roça no município de Lagoinha, SP. Lagoinha (SP): Clube de Autores, 2008.
SILVA, Altair V. da. Lagoinha – SP: sua origem e razões de sua localização. Disponível em: < https://youtu.be/tOxP5oJ_ySE>, acesso em: 18 mai. 2020.
SPINELLI, Evandro. Osmar Barbosa (1928-2011): padre Osmar, o milagreiro que previa o futuro. Folha de S. Paulo. Cotidiano. Obituário. São Paulo, 7 nov. 2011. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0711201115.htm>, acesso em: 20 mai. 2020.
VELOSO, João J. de O. Fazenda Sant’anna – Roteiro Turístico e Histórico de Cunha. Cunha: Museu Municipal Francisco Veloso, dez. 2019. Disponível em: <https://www.facebook.com/joaoveloso.veloso.5/posts/10206544664212941>, acesso em 19 mai. 2020.

Como pesquisar no grupo Memória Cunhense

Grupo Memória Cunhense, no Facebook.

O grupo Memória Cunhense conta com um acervo de 4 mil fotos históricas de Cunha e sua gente. Contém milhares de informações úteis a quem se interessa pela História local. Professores, estudantes, pesquisadores e interessados podem ter acesso à totalidade desse acervo digital porque o grupo é público.

No vídeo, fizemos um pequeno tutorial para quem tem interesse em pesquisar algum assunto no Memória Cunhense, pois como o grupo já existe há 8 anos, são milhares de postagens disponíveis, o que torna extremamente trabalhoso buscar aquelas mais antigas pelo mural, via barra de rolagem. O ideal é utilizar a ferramenta de busca que existe dentro do próprio grupo.

O tutorial foi feito utilizando um smartphone, que é a ferramenta mais usual para acessar o Facebook atualmente. Para quem pretende pesquisar utilizando um computador, o procedimento é um pouco diferente. Ao acessar a página do grupo, há na lateral esquerda várias guias (“Discussão”, “Membros” etc.). Abaixo da guia “Sala de vídeo” há uma caixa de pesquisa acompanhada pelo ícone da lupa. Para fazer a pesquisa, basta digitar o termo dentro da caixa de pesquisa e clicar na lupa, para que aconteça a busca nas postagens do grupo. Os demais procedimentos são iguais aos do smartphone.

Veja o vídeo com o tutorial no link abaixo:

https://fb.watch/6-9GaLpeOH/

Para acessar o grupo Memória Cunhense:

https://www.facebook.com/groups/484660608216797

Detectorismo nas antigas trincheiras de Cunha

Arqueologia militar. O passado de Cunha não pode ficar enterrado. As trincheiras desapareceram. Não por trauma da população, mas por puro descaso, indiferença e falto de apreço aos lugares de memória. Por isso muitos artefatos vêm sendo encontrados nas antigas trincheiras de Cunha. A vida nesses buracos, escavados pelos sapadores de Piracicaba, não era fácil. Granadas, tiros de fuzil e o som da metralha. Dormir? Um luxo. E, às vezes, os “vermelhinhos” (apelido dado aos aviões da ditadura getulista, pelos constitucionalistas) azucrinando e jogando uns “abacaxis” (granadas) de presente. Na hora da boia: arroz, feijão e pólvora. Valeu a pena? Tanta luta e hoje tanto esquecimento…

Cunha foi um dos principais campos de batalha da Revolução de 1.932, maior guerra civil brasileira. E o curioso é que aqui São Paulo venceu.

Fotos e detectorismo: Elcio Macedo. Agradecemos a contribuição com a página “Jacuhy”. Parabéns pelo trabalho. O Elcio tem um projeto cultural e educacional, para criar uma exposição itinerante com os artefatos que ele tem desenterrado das antigas trincheiras de Cunha. Boa sorte e conte sempre conosco.

O elemento feminino na Revolução de 1.932

Tela exaltando a participação feminina na Revolução de 1932.

Realmente é impressionante a capacidade de mobilização feminina durante o movimento armado de 1.932, maior guerra civil brasileira no século XX. Elas fizeram a intendência, os serviços médicos e a logística do conflito funcionar. Sem elas, o movimento que durou 3 meses não duraria 3 dias. A rapidez e a eficiência com que assumiram papéis até então considerados masculinos demonstrava, na época, o absurdo que era privá-las da vida política e restringi-las ao ambiente doméstico. Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino; todavia, esse direito era concedido apenas a mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para viúvas com renda própria. Essas limitações deixaram de existir apenas em 1934, quando o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal. Carlota Pereira de Queirós foi uma médica, escritora, pedagoga e política brasileira. Foi a primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal. Ela participou dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.

Uma entre eles: a paulista foi a única eleita Carlota Pereira de Queirós em 1933, para a Assembléia Nacional Constituinte, na legenda da Chapa Única por São Paulo.

Na Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrido em São Paulo, Carlota organizou e liderou um grupo de 700 mulheres para garantir a assistência aos feridos. Assim, teve valiosa participação, lutando pelos ideais democráticos defendidos por São Paulo. Ingressando na política, foi a primeira deputada federal da história do Brasil. Eleita pelo estado de São Paulo em 1934, fez a voz feminina ser ouvida no Congresso Nacional. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças, trabalhava por melhorias educacionais que contemplassem melhor tratamento das mulheres. Além disso, publicou uma série de trabalhos em defesa da mulher brasileira. Ocupou seu cargo até o Golpe de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso.

Cartaz convocando voluntárias para atuar no serviço médico do Exército Constitucionalista.

Em 1932, mais de 72 mil mulheres atuaram no movimento armado contra o governo provisório de Getúlio Vargas. E não foram só enfermeiras e cozinheiras. Alguma foram para as trincheiras, como a professora Maria Stella Sguassábia, que vestiu a farda de um soldado desertor, e Maria José Bezerra, conhecida como Maria Soldado, que só descobriram que era mulher após e ser ferida e receber atendimento médico. Com o fim da Revolução de 1932, o direito ao voto feminino foi reconhecido e o Brasil passou por um processo redemocratização, tal como queriam os paulistas. A permissão para votar ainda estava longe de ser ideal, mas já era uma conquista. O direito ao sufrágio era restrito às mulheres casadas que tivessem a autorização do marido e às solteiras e viúvas, desde que com renda própria. O voto pleno e obrigatório como direito de todas as mulheres foi instituído pela Constituição de 1946, após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945).

Para saber mais:

Reportagem da TV Globo contando a história da combatente paulista Maria Stella Sguassábia.
Vídeo demonstrando a participação feminina na Revolução de 1.932, ao som da marchinha “Paulistinha querida”.

Exposição virtual do MIS:
A mostra “A mulher na Revolução de 32” reúne 32 imagens e áudios exclusivos do Acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS) e fica disponível gratuitamente online na plataforma Google Cultural Institute. A exposição visa revelar o papel da mulher no momento em que o estado de São Paulo se rebelava contra a ditadura de Getúlio Vargas. Link abaixo:

https://artsandculture.google.com/exhibit/a-mulher-na-revolu%C3%A7%C3%A3o-de-32-museo-da-imagem-e-do-som/6wJSXg7DS8ZpKg?hl=pt-BR

Fazenda Sant’Anna

Fazenda Santana, Cunha SP, 1980. Foto: Marcos Santilli. Matriz-negativo. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.

Segundo o professor João Veloso, historiador cunhense, “no que tange à arquitetura do século XIX – a majestosa Fazenda Sant’Anna, no bairro do mesmo nome, pertencente à família Domingues de Castro”, é um dos maiores patrimônios de Cunha. Na fotografia acima, ela aparece em uma tomada feita pelo fotógrafo Marcos Santilli, ex-diretor do MIS, e atualmente proprietário da Pousada dos Anjos, no bairro da Aparição, em Cunha. A foto é do ano de 1.980 e capta um tempo que já se foi, das roças de milho e do transporte da produção em jacás, pelas tropas, até o paiol da família. Milho, o “trigo americano”, alimento tão caro à nossa História, que sustentou nossas famílias e economia por quase três séculos.

O professor Veloso relembra “a magnitude e importância da Fazenda Sant’Ana que, além de cultivar a policultura – milho, feijão, mandioca, algodão e criar muares, foi a principal fazenda do Alto Paraíba a desenvolver o cultivo de café, com produção substancial”, entretanto, ainda não explorada turisticamente. Aponta-se a sua distância de tudo, pois a fazenda fica próxima à divisa de Cunha com Lagoinha. Além do mais, as vias de acesso, todas de terra batida, são precárias e mal-conservadas.

A Fazenda Sant’Anna começou a ser construída nos anos 1840 e só foi terminada em 1861, pelo Coronel José Domingues de Castro, no antigo bairro do “Sítio Velho”.

Segundo pesquisa do professor João, “os proprietários da Fazenda Sant’Anna, na ordem cronológica desde sua fundação, foram os seguintes: Coronel José Domingues de Castro, Manoel Antônio Domingues de Castro, Milton Domingues de Castro, João Domingues de Castro; atualmente, os cinco filhos de João Domingues de Castro herdaram a fazenda com 170 alqueires, o restante das terras ficou com os outros herdeiros.”. Na época dos coronéis, a área da fazenda chegou até ser transferida para o território de São Luiz do Paraitinga, por capricho do seu antigo proprietário, mostrando assim o poder político das elites rurais locais, que podiam até alterar as divisas municipais. Coisas de antigamente.

Referências:

1) Fotografia de Marcos Santilli: https://www.facebook.com/pousadadosanjos/photos/a.318522951534808/662523033801463/?type=3&theater

2) Postagens do professor João Veloso:

a) FAZENDA SANT’ANNA – ROTEIRO TURÍSTICO HISTÓRICO DE CUNHA: https://www.facebook.com/joaoveloso.veloso.5/posts/10206544664212941

b) Fazenda Sant’Anna: https://www.facebook.com/joaoveloso.veloso.5/posts/10206544671133114

Localização da Fazenda:

https://www.google.com.br/maps/place/Fazenda+Sant’Anna/@-23.1675238,-45.1186422,844m/data=!3m1!1e3!4m8!1m2!2m1!1sfazenda+santana+cunha!3m4!1s0x94cd30f959cfbc91:0x77c66c9f1be32278!8m2!3d-23.1682707!4d-45.117344

Mapa:

Folia de Reis de Caixa de Cunha

Na foto de 1.947, tirada pelo sociólogo Alceu Maynard de Araújo, aparece o Alferes (chefe da folia) – José Tomaz da Silva (Tomazinho); o Mestre-Violeiro – Paulo Rita (do bairro da Capivara); o tocador de adufe (pandeiro) – José Prudente, na época com 12 anos de idade, o mais moço da folia; e outros componentes não identificados.

Tradições se acabam. Infelizmente. Porque elas formam a nossa identidade cultural. Porque elas se perdem na massificação de culturas hegemônicas promovidas pela Globalização. Resistir é preciso. Relembrar é resistir. Há muito tempo, a Folia de Reis de Caixa percorria a extensa zona rural de Cunha, passando por seus bairros, sítios e fazendas, entre os dias 24 de dezembro até 06 de janeiro do ano seguinte (Dia de Santos Reis), podendo prolongar-se até dia 2 de fevereiro (Dia de Nossa Senhora das Candeias ou da Luz) ou até 6 de janeiro (Dia de Santo Reis). Esse período festivo fazia parte da Festa do Deus-Menino, que celebrava o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme a liturgia católica. A Folia de Reis era a popularização da celebração religiosa. Era uma forma de como o povo interpretava as verdades de fé. E celebrava o nascimento, isto é, a vida. Saíamos foliões sempre à noite, imitando os Reis Magos, que viajam guiados por uma estrela. Cantando e louvando o nascimento do Menino Deus e pedindo óbolos, renovavam a fé e a esperança pelos rincões de Cunha daquele tempo. Não havia televisão, rádio mesmo era difícil, internet, então, nem se pensava em existir… Não era só fé, mas divertimento e congraçamento comunitário. Havia também a Folia de Reis de Banda de Música, mas essa só se apresentava na cidade.

A Folia de Reis de Caixa de Cunha percorria a imensa área rural cunhense, cantando e esmolando. Paravam nas casas que tinham presépio (outra tradição cunhense), por mais rústico que fossem. E quase sempre eram mesmo. O povo era pobre em recursos materiais, mas abundava a fé a fartura de honestidade, bondade, hospitalidade, virtudes que dinheiro nenhum podia comprar. A Folia tinha os seguintes participantes: alferes, mestre-violeiro, contra-mestre, tocador de adufe, Tocador de caixa, além deles a Folia contava com os palhaços (Pai João, Catirina, Palhaço) e as pastorinhas, formada por meninas e vestidas a caráter.

Notação musical de “Visita ao Presépio”, da Folia de Reis de Cunha, feita por Alceu Maynard Araujo, 1947.

A Folia de Reis de Cunha foi estudada por Alceu Maynard Araujo, sociólogo paulista e grande folclorista. E foi ele quem popularizou a música “Visita ao Presépio”, da Folia de Reis de Cunha, muito executada e cantada por diversos intérpretes e quase nunca creditada à nossa Folia de Reis. A saudosa Inezita Barroso, por exemplo, gostava muito de cantá-la em seu programa “Viola, minha viola”, na TV Cultura (veja vídeo abaixo), mas sempre creditava assim: “recolhida por Alceu Maynard Araujo”, sem dizer onde e nem de quem o eminente sociólogo teria recolhido. É um desleixo do programa, pois o próprio Araujo deixou registrada a letra, as notas e autoria correta em dois de seus livros “Cultura Popular Brasileira” (2. ed., 1973, p. 27) e no “Canta Brasil” (1957, p. 43 – 45) e no artigo “Folia de Reis de Cunha”, que saiu na Revista do Museu Paulista, volume III, p. 424-425, 1949. A música “Vista ao Presépio” (mais conhecida pelo seu primeiro verso “Acordai quem está dormindo”) é patrimônio cultural do município de Cunha.

Vista da cidade de Cunha em 1.979

Foto de Maria Helena Cassinha Oliveira, publicada no grupo Memória Cunhense, mostrando a nossa cidade.

Essa foto, tirada em setembro de 1979, como se vê no canto inferior direito, mostra a cidade de Cunha vista do Cruzeiro, no entroncamento da Rua Manoel Prudente de Toledo e a Rodovia Vice-Prefeito Salvador Pacetti (SP-171). A névoa da manhã, no fundo dos vales, sempre foi um charme à parte e característica cunhense desde sempre.

Ainda que a cidade não tenha crescido tanto, é possível identificar algumas mudanças na paisagem urbana; já na paisagem rural o que chama a atenção é a ausência de matas e o predomínio absoluto de pastagens e plantações. Hoje, tirando uma foto do mesmo lugar, poderemos contemplar – com satisfação – uma Cunha muito mais verde que a 40 anos atrás.

Geada em Cunha

Geada no bairro do Sítio, zona rural de Cunha, SP. Data: 20 de julho de 2021. Foto: Monike Mar / Santo Bule Cerâmica.

A geada é um fenômeno climático que, frequentemente, ocorre no inverno de Cunha. Apesar de ser bastante conhecida, tanto pelos moradores locais (que sofrem com ela) como pelos turistas (que a adoram), esse fenômeno natural gera muita confusão. Eis algumas: “Geada é a mesma coisa que neve?”, “A geada cai do céu de madrugada?”, “Por que só ocorre geada em dias de céu límpido?”, “Por que cai a temperatura depois da chuvarada?”, “Pode nevar algum dia em Cunha?”, … Procuramos, resumidamente, responder algumas dessas indagações e/ou confusões:

Qual a diferença entre neve e geada?

Há muita confusão entre os dois termos. O cristal da neve é igual ao cristal da geada, daí a confusão. Muitos ainda dizem que “a geada caiu”, o que é totalmente falso. Geada não cai; flocos de neve, sim. A diferença fundamental entre a neve a geada está na origem de cada fenômeno atmosférico. Geada é fenômeno da superfície, do chão; enquanto que a neve é um fenômeno das nuvens, das partes mais altas. Neve nada mais é do que uma chuva congelada, já a geada é o orvalho congelado. Para ocorrer neve a temperatura deve estar abaixo de 0ºC, da superfície até as nuvens, tem que ter umidade para que os flocos caíam sem evaporar, ou seja, tem que ter nuvens no céu, tem que haver uma chuva, porque a neve é uma forma de precipitação. Já a geada vem do orvalho. A umidade da superfície sofre um congelamento muito rápido (geralmente após a temperatura cair abaixo de 5ºC) pela ação dos ventos frios (geada advectiva) ou pela perda de calor (geada radiativa). Para haver geada não pode ter nuvens no céu — para haver neve, é necessário tê-las.

Um boneco de neve da Deep Web (rs). Um meme invernal (ou infernal? rs). Made in Cunha. Foto original: Rosa Cruvinel.

Pode nevar em Cunha?
Pode, mas é uma probabilidade muito remota. Por isso, não há registros históricos de que tenha caído neve em nosso município. Apesar do relevo cunhense ser planáltico e de uma parte considerável do município estar acima dos mil metros de altitude, chegando nos pontos mais altos a mais de 1.800 metros de altitude, apenas essa condição altimétrica não basta para ocorrer neve. Em Campos do Jordão, por exemplo, cidade na Serra da Mantiqueira e com maior altitude do que Cunha, já chegou a bater os congelantes -7,2°C no inverno de 1988, e ainda assim não caiu neve alguma. Há outras condições geográficas que pesam muito mais na ocorrência desse fenômeno meteorológico:

1. Latitude. Cunha está entre os paralelos 22º S e 23º S, ou seja, acima da do Trópico de Capricórnio (23,5º S) e dentro da zona intertropical (mais quente) e, consequentemente, fora da zona temperada (mais fria e com maior probabilidade de neve). Na zona tropical, as massas de ar polar (que se desprendem do Polo Sul, no nosso caso) não chegam com tanta força.

2. Clima. O clima de Cunha é o tropical de altitude, isto é, temos seis meses quentes e com chuvas e seis meses secos e frios. Ou seja, justamente os meses mais frios (junho, julho e agosto) são os meses mais secos, com chuvas escassas. Como já foi escrito acima, para ocorrer neve é preciso ter nuvem e precipitação (chuva) e como nosso inverno é seco, acaba tornando a possibilidade de queda de neve ainda mais rara ainda de acontecer. Já na Região Sul, de clima subtropical e com chuvas bem distribuídas ao longo do ano, as possibilidades de nevar no inverno são muitos maiores do que aqui.

3. Massas de ar. As quedas das temperaturas do ar no Brasil acontecem devido ao deslocamento por nosso território de massas de ar que tem origem na Antártica, no Polo Sul. Para ocorrer a neve, a incursão de ar frio precisa adentrar diversas camadas da atmosfera, não permanecendo apenas na superfície, mas precisa resfriar abaixo de zero do chão até as altas nuvens. Mas à medida em que essas massas polares se deslocam em direção à zona tropical, vão perdendo intensidade e capacidade de resfriar as diversas camadas da atmosfera. No caso de uma massa de ar frio realmente intensa avançar sobre o estado de SP, juntamente com áreas de chuva, as regiões mais propícias para a ocorrência de neve seriam o extremo sul paulista, na divisa com o Paraná e a Região da Serra da Cantareira, que já teve neve em alguns eventos no século XX. Mesmo na Serra da Mantiqueira, que chega perto dos 3 mil metros, a probabilidade é remota. Quanto mais longe do Polo Sul, menos chance de nevar. E Cunha está muito mais longe da região polar (7.450 Km da Igreja Matriz até o Polo Sul) do que os estados do Sul ou mesmo da parte sul de São Paulo.

Por que, frequentemente, há queda na temperatura do ar depois de chover?

Geralmente, o que é frio não é a frente fria, como ouvimos no rádio ou na TV, mas, sim, a massa de ar frio que vem logo em seguida da frente fria. A frente fria é uma região de transição entre duas massas de ar (uma quente, à frente, e outra fria, na traseira), nessa região de transição e contato entre as massas de ar ocorre precipitação (chuva). Então, assim que passa a chuva, chega a massa de ar frio, que derruba as temperaturas. Há a seguinte sucessão: massa de ar quente (temperaturas aumentam) → frente fria, isto é, zona de transição de massas de ar (chuvas) → massa de ar frio (temperaturas caem).

Por que só ocorre geada quando o céu está limpo?

Porque quando o céu está limpo, sem nuvens, a superfície da Terra perde energia (calor) para a atmosfera, causando assim o resfriamento do chão, o que leva ao congelamento do orvalho. Geralmente, ocorre quando o ar está frio e seco, como no inverno cunhense, com a presença de vento calmo e temperaturas inferiores a 0°. Esse tipo de geada é chamado de radiativa. O outro tipo, mais raro de ocorrer em Cunha, é a geada advectiva, que acontece quando se tem a entrada de uma intensa massa de ar frio, que levam a significativas quedas de temperatura a partir de seus ventos frios e constantes, com temperaturas muito baixas durante muitas horas seguidas.

Geada, turismo e agropecuária

Para os turistas, sobretudo para aqueles que gostam de aproveitar o friozinho do inverno cunhense, a geada é uma maravilha, um atrativo a mais e chega a encher os olhos dos mais corajosos, que bravamente abandonam a coberta, acordando cedinho para apreciá-la no terreiro. Cunha é uma estância climática paulista, que tem no turismo de montanha a sua característica fundamental, portanto é natural que aproveite bem os “prazeres” dessa estação. Por outro lado, como é um município onde a atividade agropecuária é muito forte, a geada pode trazer vários prejuízos. As culturas de climas tropicais e subtropicais são as mais muitos afetadas por esse fenômeno, pois têm pouca resistência à baixa temperatura. A horticultura, por exemplo, é devastada por esse fenômeno meteorológico. Também mata as pastagens, as gramíneas e os capins, que são a base da alimentação do gado local. A geada não só pode prejudicar a planta e seus frutos, mas o solo também, queimando a superfície em que toca, quando muito fria.

A geada, no passado, já marcou a economia cunhense. Enquanto os demais municípios do Vale prosperavam com grandes plantações de café, os produtores cunhenses se viram obrigados a continuar plantando milho e feijão, para ceva do porco e abastecimento das demais localidades, já que as geadas em Cunha eram tão intensas que inviabilizavam qualquer grande plantação de café, cultura bastante sensível ao congelamento. Assim, Cunha entrou para história como um dos poucos municípios do Vale em que a cafeicultura não vingou.

E nem vamos entrar aqui nas questões socioeconômicas, pois muitos moradores carentes da cidade e da roça (principalmente) sofrem com o frio nessa época do ano, porque não possuem cobertor suficiente e nem agasalhos para se aquecer no frio invernal. O que é beleza para uns, é desgraça para outros…

Fontes:

Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) – AgroMet
Google Earth
Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP)
Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
Meteorópole (blog de Meteorologia)
SOMAR Meteorologia

Turismo cunhense posto em questão

Qual é modelo de turismo que Cunha deve adotar?

Cada feriado chuvoso (como este) só atesta e alardeia que o turismo, enquanto alternativa econômica para Cunha, não é, por enquanto, viável.

Pelo menos não nos moldes desse turismo que foi imposto aqui. Imposto porque não foi um modelo que partiu da coletividade, mas de grupos restritos e poucos criativos.

Queriam criar uma “nova Campos do Jordão”, mas o plano falhou. Não é porque ambas as cidades são estâncias climáticas que são do mesmo jeito, com as mesmas características.

Não deu certo porque as atividades econômicas estão atreladas a processos históricos. E cada cidade tem a sua própria história. A de Campos do Jordão, por exemplo, em grande parte foi construída pelas benesses do Governo Estadual; já em Cunha foi na base do improviso, isto é, ficou a cargo da Prefeitura Municipal. Ente omisso muitas vezes, diga-se. Um exemplo é a realização do primeiro Festival de Inverno, em 1993, iniciativa dos ceramistas e comerciantes. A Prefeitura foi coadjuvante. O turismo em Cunha começou na base do empurrão, pegando na base do tranco.

De 1948, quando Cunha se tornou (a muito custo) uma Estância Climática, até meados dos anos 1970, quando a Prefeitura começou a pensar que o turismo poderia ser uma alternativa econômica para a decadente agricultura cunhense, foram quase trinta anos perdidos. Tempo demais. Campos do Jordão já era conhecida nacionalmente e já era o destino de montanha preferido dos paulistanos. Enquanto plantávamos o milho, Campos do Jordão já estava comendo o bolão de fubá.

E o pior de tudo não foi ter saído atrás. É essa insistência em copiar o modelo de desenvolvimento turístico jordanense. Estamos condenados a correr sempre atrás do concorrente, sem poder alcançá-lo. Afinal, não apresentamos nada de diferente, apenas mais do mesmo. E em termos de qualidade, as atrações de Campos do Jordão são maiores e de melhor qualidade do que as nossas.

Uns podem argumentar que as atividades turísticas geram emprego e renda em Cunha, que há inúmeras pousadas que vêm se mantendo, que o número de visitantes vem aumentando etc. Mas a que preço?! Só o DADE (Departamento de apoio às estâncias do Governo Estadual) investe em Cunha mais de 1 milhão de reais todo o ano. O retorno não acompanha o montante investido. Se investíssemos esse dinheiro em outra atividade, não lograríamos melhor sorte?

Cunha jamais conseguirá se tornar uma cidade nos moldes de Campos de Jordão. Primeiro, porque passaram por processos históricos distintos e são culturalmente diferentes. Cunha ainda é um reduto da cultura caipira; Campos do Jordão é qualquer coisa, menos caipira. Apesar da história e da cultura não serem inalteráveis, não são fáceis e rápidas de serem mudadas. O que levou séculos para se formar não se desfaz em décadas ou anos.

Outra diferença, talvez a fundamental (e essencialmente geográfica), é a da distribuição espacial das atratividades. Enquanto Campos do Jordão apresenta suas atratividades concentradas na Vila Capivari e com uma dispersão restrita a sua área urbanizada; Cunha possui suas atratividades dispersas na extensão de seu enorme e acidentado território, sendo que os atrativos de sua área urbana nem sempre se coadunam aos fatos naturais/culturais que atraem os turistas para a área rural. Sem contar que essa dispersão exige uma infraestrutura adequada, a fim de garantir acessibilidade e o bem-estar necessário ao visitante.

Por uma questão histórica e geográfica, o turismo em Cunha está sendo um verdadeiro fiasco. Mas há alternativas? Sim, há. É preciso, antes de mais nada, abandonar o modelo jordanense. Buscar ou construir modelos alternativos, valorizar as nossas potencialidades, repensar os eventos desenvolvidos durante o ano, replanejar a questão turística (marketing, público-alvo, infraestrutura etc.), recalcular o preço das pousadas, bares e restaurantes etc. Enfim, começar do zero.

O difícil não é recomeçar do zero. A dificuldade é encontrar alguém disposto a pagar o preço de quatro décadas de uma política turística equivocada. Quem se habilita?

Texto publicado em 30 de abril 2012, no blog “Ritter & Humboldt”.

A vida imita o cinema

Três estrelas decadentes da sétima arte.

Por Mário Ferreira dos Santos

O cinema tem ido buscar na vida o tema para os seus mais eloqüentes dramas. E muitos olhos humanos têm chorado as dores e as tragédias das heroínas da tela e os corações têm pulsado ante a emoção da vitória dos seus heróis. O cinema tem imitado a vida. Muitas vezes tem-na enobrecido, ornamentando-a com histórias fugidas da realidade, e que povoam os sonhos, de ilusões, terminando, quase sempre com o clássico “happy end”, tão a gosto das platéias vulgares.

Há pouco tempo, o cinema projetou, na tela da tela da vida, esse final de filme: É outono e o vento varre as ruas de Nova Iorque. Num tribunal, uma mulher comparece. A voz é apagada e as roupas envelhecidas não escondem um certo porte aristocrático. No rosto descuidado, perduram ainda os traços de uma beleza apagada:

— Sr. Juiz, meu pedido é o mais justo. Tenho uma filha e o meu ex-marido, pai dessa menina, é rico. Ele bem poderia dar uma pensão que permitisse continuar a educação de minha e de sua filha, que está num colégio, onde trabalha para poder se educar.  Como não tenho nada e vivo miseravelmente e sem trabalho, sou forçada a tirá-la do colégio, e ela terá que seguir os azares da vida, sem ter recebida a educação necessária que lhe garanta o seu futuro. Estou com muitas mensalidades atrasadas e, ultimamente, tudo me tem corrido mal. Não tenho a quem apelar, senão ao pai de minha filha. Ele é o príncipe M’Divani, e nega-se a atender-me. Por isso recorro, hoje, à justiça.

O juiz franze a testa e carrega o sobrolho. Põe sobre a mulher o seu olhar profissional, admira aqueles cabelos louros desalinhados, e observa atentamente em silêncio o vestido velho que cobre o seu corpo. Por sua imaginação, talvez passem reminiscências de emoções que já experimentara. Talvez recorde ainda trechos de músicas que não se apagaram de sua memória, e tenho nos olhos uma imagem quase desfeita de cenas que já vivera. Fecha levemente os olhos como para fitar melhor, e diz lentamente:

— Não está você em condições de sustentar a sua filha?

— Não, sr. juiz…

— Não ganhou você milhares de “dólares” no cinema e no teatro?

— Sim, ganhei… – responde ela abaixando a cabeça – ganhei… mas hoje estou na miséria. Não tenho casa, nem sempre tenho o que comer…

— Isso é incrível!!! Onde mora você, Mae Murray?

— No Parque Central, sr. juiz. É ali, num banco, que eu tenho passado estas três últimas noites…”

Mae Murray, a estrela que dominou o céu cinematográfico até 1929, a intérprete de “Viúva Alegre”, “Saxofonomania”, “Fascinação”, e tantos outros que foram os grandes êxitos do passado, não tem casa, não tem roupa, não tem com quem possa educar a sua filha.

Dirão: por que não foi providente e não juntou o necessário para garantir o seu futuro? Mas é o triste destino das cigarras humanas, esse. Aqueles que levam a vida dando o seu trabalho inteligente para divertir as multidões, que pararam à luz da ribalta para receber os aplausos das platéias emocionadas, nem sempre possuem o espírito utilitário e providente dos seres “normais” e comuns. Vivem a glória do momento que os embriaga, e o dia de amanhã é sempre algo longínquo que os olhos não vêem como uma fatalidade. São anormais ante a normalidade corriqueira da vida. E a miséria é, às vezes, o epílogo de suas glórias.

John Gilbert, outro grande astro do passado, galã de celulóide que arrebatou os corações femininos, morreu na mais extrema miséria.

O grande David Griffith, o diretor máximo da tela dos tempos do cinema mudo, viveu implorando, de estúdio em estúdio, que lhe dessem um pouco de trabalho, e lhe concedessem mais uma oportunidade, pois sabia que ainda tinha talento para criar algo de belo e imenso.

Não é de admirar que hoje os artistas sejam utilitários, porque hoje vivemos num mundo apenas utilitário, até que o homem, faminto de idéias, vá procurá-los outra vez.

Texto extraído do livro “Páginas Várias”, 2. ed., 1963, pág. 170 – 172, do filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos.

Museu Francisco Veloso inaugura site

Print da página inicial do site do Museu de Cunha.

O Museu Municipal Francisco Veloso, localizado no casarão Rua Comendador João Vaz, no Centro Histórico de Cunha, inaugurou o seu site. Uma excelente iniciativa encabeçada por Sueda Carolina (estagiária do Museu) e pelo historiador Joaquim Roberto Fagundes.

O Museu foi idealizado e criado pelo professor e historiador João José de Oliveira Veloso (1945-2021) e é referência para pesquisa histórica local e regional, contendo diversos documentos do século XIX, além de artefatos de grande valor histórico para Cunha.

Para celebrar a sua inauguração e o 89º aniversário da deflagração da Revolução Constitucionalista de 1932, iniciada em 9 de julho, de grande importância para Cunha, o Museu está promovendo a “Exposição Virtual Revolução Constitucionalista de 1932 em Cunha – SP” (veja roteiro e links para acesso abaixo), um modo adequado de apresentar ao público a epopeia paulista, respeitando as restrições sanitárias para contenção da pandemia de COVID-19.

A Exposição ficará na web durante todo o mês de julho. Bem ilustrada e fundamentada, conta com textos dos historiadores João Veloso (“in memoriam”) e Joaquim Fagundes, além de fotos de peças usadas na Revolução de 1932, que estão guardadas no Museu. Conta também com depoimentos e áudios do movimento armado, além de fotos e mapas do conflito em território cunhense, extraídos do livro “Cunha em 1932”, publicado em 1935 e de autoria do ex-voluntário Clementino de Souza e Castro Junior.

A visita virtual à Exposição vale muito a pena, não só para os interessados no assunto, mas por aqueles que amam Cunha e querem conhecer um pouco mais desse episódio triste e marcante da nossa História local. Cunha foi um dos poucos fronts em que os paulistas obtiveram vitória contra as tropas da ditadura de Getúlio Vargas. E aqui também tombou Paulo Virgínio, um cunhense, caipira, civil, herói e mártir da causa paulista; que mesmo torturado, se recusou a ajudar as tropas da ditadura, preferindo a própria morte à desonra.

Exposição Virtual Revolução Constitucionalista
de 1932 em Cunha – SP

Museu Municipal Francisco Veloso
Rua Comendador João Vaz, s/nº – Centro
Telefone: (012) 3111-1499
E-mail: museufrancisoveloso.cunha@gmail.com

Para entender o significado do 20 de abril de 1.858

Em 20 de abril de 1.858 a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha se transformou em Cidade de Cunha. O que isso mudou na prática e no status político da cidade ou do município? Nada. Não quer dizer que essa data não seja importante. Mas está bem longe de ser a nossa principal data cívica local, dignificada com feriado e desfile, como foi até pouco tempo.

Toda a confusão surge por dois motivos:

  • 1. “Os 100 anos de Cunha”. Em 1958, o prefeito de Cunha Antônio Acácio Cursino resolveu comemorar o “Centenário de Cunha” tomando por base a data de elevação à categoria de cidade, a saber: 20 de abril de 1.858. Foi a partir de daí que se começou a comemorar o 20 de abril como “aniversário de Cunha”. Portanto, esse festejo e a comemoração do 20 de abril se insere no âmbito da política local, visando angariar benesses do mandatário estadual, pois em 1958 foram realizadas eleições gerais no Brasil, inclusive para os governos estaduais. O “centenário” e suas inaugurações comemorativas fizeram parte uma jogada política e de marketing do prefeito de Cunha na época. A estratégia foi exitosa para o município, apesar do deslize histórico, pois assim noticia o Estadão: “No sábado o programa de comemorações ao centenario de Cunha foi, igualmente, movimentado. Procedeu-se à inauguração do ginásio estadual […]. Ainda como parte das comemorações, incluem-se a inauguração da usina Hidrelétrica da Cachoeira do Pimenta, do Forum e do Posto Municipal, empreendimentos esses já em adiantada fase de construção.” Incluir no cardápio de inaugurações o Monumento a Paulo Virgínio, evocando a memória de 32, tão cara aos paulistas, foi outra estratégia da Prefeitura para que as solenidades do “centenário” virassem notícia na grande imprensa da capital. Deu certo e o 20 de abril se consolidou no calendário cívico municipal.
  • 2. Confusão com o conceito de vila e cidade. Como Cunha se tornou vila em 1785 e cidade em 1858, muitas pessoas, inclusive autoridades locais, acreditavam que até 1858 Cunha pertenceu a Guaratinguetá, o que não é verdade, pois as vilas e cidades gozavam de autonomia administrativa nos tempos imperiais e coloniais. O IBGE, órgão oficial que organiza o quadro territorial nacional, foi fundado em 1936. Após a sua fundação é que se começou a tratar dessas questões territoriais intranacionais de forma científica. Assim, o conceito de cidade e de vila adquiriram contornos políticos-administrativos. Vila é a área urbana que é sede de um distrito e cidade é a área urbana que é sede de um município. Não importa o tamanho da população, localização, densidade, economia etc. Portanto, Cunha, por ser sede de município; é cidade; Campos de Cunha, por ser sede de distrito, é vila. Mas isso começou a valer após a fundação do IBGE, do século XX para cá, mais especificamente após o Decreto-lei n.º 311, de 02 de março de 1938, que dispôs sobre a divisão territorial do país: “Art. 3º A sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome. Art. 4º O distrito se designará pelo nome da respectiva sede, a qual, enquanto não for erigida em cidade, terá, a categoria de vila. Parágrafo único. No mesmo distrito não haverá mais de uma vila.” Como estamos tratando de coisas acontecidas há 200, 300 anos, requer resgatar o sentido histórico desses conceitos, caso contrário cometemos o mesmo equívoco.

Nos tempos coloniais, não havia distinção significativa entre os termos vila e cidade. Diz BORSOI (2020): “As cidades dispunham desse aparato político e não se distinguem de modo significativo das vilas ainda que constituíssem o nível mais elevado entre os núcleos urbanos e só pudessem ser fundadas pelo poder real diferentemente das vilas, cuja criação era de âmbito das autoridades coloniais.”  Ou seja, o fato de Cunha ter se tornado cidade só em 1858 não mudou em nada a autonomia conquistada em 15 de setembro de 1.785, quando se tornou uma vila, deixando de ser uma freguesia da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá.

Fundação – 19 de março de 1724

Entretanto, a fundação de Cunha (outrora, Facão) precede sua emancipação. Por questões lógicas. Não se emancipa algo que não existe. Por fundação se entende, na América Portuguesa, núcleo populacional fixo e consolidado, visando a colonização efetiva. O signo, apontam todos os historiadores, é a inauguração de uma capela católica para atendimento espiritual dos moradores, acumulando ainda a função de registro civil das cercanias. E assim ocorreu com a inauguração da Capela de Jesus, Maria e José, no bairro da Boa Vista, em 1724. Após a inauguração e por causa dela, sesmarias são doadas e apossadas. Os núcleos rurais crescem e ganham nomes. Plantações, pelas mãos dos escravizados, surgem. O intercâmbio comercial vai conectando fazendas e sítios aos caminhos e à economia colonial. O lugar deixa de ser um mero pouso de tropeiros e aventureiros, de população transitória, e passa a agregar mais e mais contingentes. É uma outra situação, por isso a inauguração da Capela da Boa Vista tem relevância histórica.

O contexto histórico que marca o aparecimento do Facão no meio da Serra do Mar é o da Mineração, nos fins do século XVII e início do século XVIII. Pela primeira vez no Brasil Colônia, minas são descobertas no Sertão. Um emaranhado de caminhos rasga campos e capoeirões. Gente de todo canto vem passa por aqui ou resolve se estabelecer. É a “febre do ouro”, da riqueza fácil, tão sedutora nos tempos coloniais como nos dias de hoje. Assim, BORSOI (2020) aponta: “Apenas no terceiro século do domínio português é que temos um afluxo maior de emigrantes para além da faixa litorânea, com o descobrimento do ouro em Minas Gerais. A partir desse momento, o estabelecimento e gerenciamento das vilas e cidades tornaram-se uma necessidade. As câmaras municipais passariam a ser instituições responsáveis pela colonização do Império português, núcleo do poder com controle direto sobre a vida colonial.” A emancipação do Facão demora um pouco, pois o Ciclo do Ouro foi efêmero. Vem somente no final dos Setecentos.

Emancipação política-administrativa – 15 de setembro de 1785

Em 15 de setembro de 1.785, o Facão vira vila: Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha. Os ciclos se encerram, mas o tropeirismo nunca. É meio de transporte sem concorrência. Cunha está na beira do caminho para o mar. Parada obrigatória tanto para quem vai quanto para quem vem. Sua condição de entreposto no escoamento da produção lhe garante sustento. Há ainda a necessidade das autoridades coloniais de controlar, fiscalizar e taxar a movimentação comercial, assim aponta BORSOI (2010), que essa necessidade está intimamente ligada à sua autonomia política do Facão, pois “a criação da Vila de Cunha se insere num contexto de reestruturação da rede urbana do Vale do Paraíba e consequente expansão da malha administrativa, com o objetivo principal de promover, taxar e fiscalizar as atividades econômicas e as rotas de comércio que, como vimos, eram muitas.”. Continua o mesmo autor, enumerando os motivos que levaram Cunha a alcançar sua emancipação: “os lucros advindos da produção de gêneros destinados ao mercado interno e da posição privilegiada da freguesia entre rotas de comércio que ligavam as vilas de Serra Acima aos portos da marinha estão entre os motivos da fundação da Vila de Cunha em 1785. A portaria de sua criação, a despeito de todos os dados analisados, repete os argumentos constantes nos ofícios dos governadores da Capitania de São Paulo desde sua restauração, em 1765. A função da nova vila seria congregar ‘todos os vadios dispersos, e que vivem em sítios volantes, para morarem civilmente, ministrando-se-lhes os sacramentos, e estando prontos para as ocasiões do seu Real serviço’, além de se destacar que a freguesia era uma das mais populosas da Capitania.” Portanto, Cunha se tornou um município (ou equivalente) em 1785 e não em 1858! O fato de não ser uma cidade ainda em nada interfere.

Todavia, não há dúvida que em termos hierárquicos a cidade estava mais elevada que a vila, porém a distinção é mais de prestígio do que de fato. Anota TEIXEIRA (2019) sobre o conceito de cidade: “se caracteriza por dispor de um poder político local, o senado da câmara, com sua casa de câmara e cadeia e seu pelourinho localizados na praça principal, constituindo deste modo a sede de uma jurisdição territorial. Neste sentido, a cidade não difere efetivamente da vila.”. Mas ressalva certas particularidades conceituais: “Em primeiro lugar, a Coroa permitia que donatários e outras autoridades tais como os governadores fundassem somente vilas, mas nunca cidades, que era uma prerrogativa real. Inspirada no direito romano, a cidade era dotada de um estatuto independente, somente podendo ser fundada em terras próprias alodiais, isto é, terras que só estavam subordinadas ao Rei. Enfim, somente a cidade podia ser a sede de uma arquidiocese ou, mais comumente no Brasil, de uma diocese. Os arcebispos, nobres de primeira categoria, deveriam morar necessariamente nestas terras.”. Resumidamente, a cidade só podia ser elevada por decreto real, enquanto a vila só podia ser constituída mediante alvará do governo provincial, tal como ocorreu em 15 de setembro de 1.785 com a Freguesia do Facão.

Para encerrar o assunto, retomando a conclusão de TEIXEIRA (2003) e FABRES (2008), não existia diferença entre vila e cidade, nem por tamanho, nem por importância do aglomerado urbano. O que distinguia era gênese do lugar, porque a fundação de uma cidade era um direito exclusivo da Coroa, enquanto a vila podia ser criada por ordem de donatários, capitães e governadores das províncias.

Elevação à Cidade – 20 de abril de 1858

A elevação à categoria de cidade se relaciona mais com o contexto regional e nacional do que o desenvolvimento local propriamente.  Com a centralização administrativa promovida pelo Segundo Reinado, a cidade passou a ser o espaço da disputa político-partidária no âmbito local da elite agrária (TOLEDO, 1977). Diversos melhoramentos urbanos decorrem daí, pois a economia era majoritariamente rural e a população também, mas esse destaque dando ao espaço urbano começará mudar a sua condição e sua importância. O Vale do Paraíba se tornou, em meados do século XIX, a região mais próspera do Império. O café se expandia sobre o vale e pelas garoupas, alterando a paisagem e trazendo uma riqueza e opulência nunca vista. Obviamente, que esse desenvolvimento vivenciado pela região impactou todo o espaço regional, ainda que a cultura do café não tenha se desenvolvido em municípios como Cunha, devido à ocorrência de geadas. Nosso município se aproveitaria de duas condições inerentes à lavoura cafeeira: a longa e difícil rota de escoamento da produção até o litoral e a necessidade de abastecer com gêneros alimentícios as povoadas fazendas cafeeiras, que se dedicavam exclusivamente à plantação da rubiácea. Assim, o aglomerado urbano de Cunha cresce e se desenvolve, fazendo jus ao título de cidade, outorgado pela Assembleia Provincial em 1858. Diz TOLEDO (1977, p. 100), que as vias de circulação da produção e de mercadorias eram um elemento básico no processo de hierarquização urbana e que a centralização administrativa, bem como a intensificação da produção cafeeira foram elementos que contribuíram para a urbanização no contexto regional. A produção e comercialização do café e as mudanças administrativas irão criar uma classe média urbana, dando um passo decisivo na consolidação dos núcleos urbanos, inclusive o cunhense, que receberá diversos melhoramentos, como o surgimento de jornais, teatros, clubes etc.

Conclusão:

É desnecessário comemorar o 20 de abril como data cívica, porque carece de significado relevante. E não só porque há lei limitando o número de feriados municipais. O significado do 20 de abril de 1858 para Cunha é relembrar a sua fase áurea da perspectiva econômica, cenário que jamais se repetiu desde então. É entender que o progresso vivido pelo Vale e, por consequência, por Cunha foi devido a um ciclo econômico fundamentado em técnicas arcaicas, tanto do ponto de vista ambiental quanto social, pois era baseada na destruição da paisagem natural para se criar um meio de exploração das forças de trabalho escravizadas, visando abastecer o mercado externo com um produto agrícola de baixo valor agregado, que enriqueceu uma minúscula fatia da população. Desse tempo ficou os casarões, que precisam ser preservados, não só pela beleza, mas pelo testemunho histórico que prestam. É preciso relembrar que aqui já foi o centro econômico nacional e hoje é uma das regiões mais pobres do estado. Por isso, é necessário pensar em alternativas econômicas inclusivas e sustentáveis, que beneficiem a maioria da população e que sejam voltadas à vocação natural do lugar. Que não deixemos o incipiente desenvolvimento turístico de Cunha cometer o mesmo erro do passado.

Referências:

BORSOI, D. F. A paisagem das trocas: a Vila de Cunha e a formação de uma economia de abastecimento interno na transição do século XVIII para o XIX. An. mus. paul.,  São Paulo ,  v. 28,  e54,    2020 .   Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142020000100462&lng=en&nrm=iso >. Acesso em:  20  abr.  2021.  Epub Dez. 14, 2020.  http://dx.doi.org/10.1590/1982-02672020v28e54.
BRASIL. Decreto-lei nº 311, de 2 de março de 1938. Dispõe sobre a divisão territorial do país e dá outras providências. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça (MJ), 1938. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del0311.htm >. Acesso em: 20 abr. 2021.
FABRES, P. R. A gênese do Município nos pensamentos de Oliveira Vianna e Raymundo Faoro. Vitória: UFES. Dissertação em História da Univ. Fed. Espírito Santo, 2008.
REVERENCIADA  a memoria de heróis de 32 em Cunha – 1º centenario. O Estado de S. Paulo, p. 14, São Paulo, 22 de abr. de 1958. Disponível em: < https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19580422-25450-nac-0014-999-14-not/busca/Cunha >. Acesso em: 20 abr. 2021.
TEIXEIRA, R. B.. Os nomes da cidade no Brasil colonial. Considerações a partir da capitania do Rio Grande do Norte. Mercator, Fortaleza-Ceara, v. 3, p. 53-60, 2003.
______. Natal, vila ou cidade?. Mercator,  Fortaleza ,  v. 18,  e18001,    2019 .   Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-22012019000100201&lng=en&nrm=iso >. Acesso em:  20  abr.  2021.
TOLEDO, F. S. Economia cafeeira e aspectos urbanos (1850 – 1875). Revista da Faculdade Salesiana. Lorena (SP), ano 18, n.ºs 26/27, pp. 94-108, 1977.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha (1600-2010): Freguesia do Facão: A rota da exploração das minas e abastecimento das tropas. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.