Igreja Metodista do Jericó: 120 anos de fé entre as montanhas

Recém-inaugurado, o segundo templo metodista e o primeiro de alvenaria da Igreja Metodista do Jericó. Substituiu o antigo, feito de pau-a-pique e sapé. Hoje é o salão social “W. B. Lee”. Foto: “Expositor Cristão”. Data: década de 1910.

Jericó, bairro rural na região sudoeste do município de Cunha. Jericó do requeijão de prato, do “café medroso”, da cachoeira belíssima, do chapéu e do embornal, dos lajeados de pedra, dos velhos casarões de taipa, dos fazendeiros de outrora… Jericó da Igreja Metodista! O “bairro dos metodistas”, qualificativo que os cunhenses davam ao bairro no passado.

Panorama do bairro do Jericó, zona rural de Cunha – SP. Um pequeno vale que começa com a igreja. Foto: Pedaleiros de Cunha (Instagram). Data: 2021.

Quando o Metodismo chegou, através dos “tropeiros de Cristo” reverendo J. R. Carvalho e diácono J. C. de Andrade, o bairro ainda se chamava Mandinga. Na língua dos africanos, “terra do feitiço”. Após a conversão completa dos moradores, trataram logo os metodistas de mudar o nome do lugar para Jericó. Uma alusão à primeira cidade que os hebreus conquistaram em Canaã, após o retorno da escravidão no Egito, sob a liderança de Josué. A comparação realmente faz sentido quando levamos em conta a beleza paisagística e a fertilidade do lugar, comparável à Terra Prometida dos hebreus. A igreja local coloca em destaque na pracinha alguns versículos bíblicos, que se referem à Canaã, mas cabem perfeitamente também ao bairro do Jericó:

“Porque o Senhor teu Deus te põe numa boa terra, terra de ribeiros de águas, de fontes, e de mananciais, que saem dos vales e das montanhas; Terra de trigo e cevada, e de vides e figueiras, e romeiras; terra de oliveiras, de azeite e mel. Terra em que comerás o pão sem escassez, e nada te faltará nela; terra cujas pedras são ferro, e de cujos montes tu cavarás o cobre. Quando, pois, tiveres comido, e fores farto, louvarás ao Senhor teu Deus pela boa terra que te deu. Guarda-te que não te esqueças do Senhor teu Deus, deixando de guardar os seus mandamentos, e os seus juízos, e os seus estatutos que hoje te ordeno.”

Deuteronômio 8: 7 – 11

Longe de todas as cidades, Jericó era o lugar perfeito para que os crentes pudessem cultuar a Deus em paz. O sociólogo Emílio Willems apontou que a implantação do Metodismo em Cunha não sofreu oposição católica devido ao isolamento do bairro.  O antropólogo Robert W. Shirley afirma que os missionários preferiram Jericó porque na zona urbana a hostilidade da elite e do clero católico seria inevitável, dada a experiência desagradável que tiveram os missionários evangélicos em outras cidades paulistas. Novidade no início da República, a separação entre religião e Estado ainda não estava plenamente consolidada. No interior do Brasil, regido sob o arbítrio dos coronéis, as leis constitucionais não valiam plenamente. Perseguições religiosas, sob a chancela das autoridades locais, não eram raras. Não foi o caso de Cunha. Ainda bem.

Metodistas do Jericó junto ao seu pastor Rev. William B. Lee, missionário enviado pela Igreja Metodista Episcopal do Sul, dos EUA, ao Brasil. Os pés descalços e os chapéus de palha dos homens dos moços e meninos chamam a atenção. Caipiras protestantes. Tempos difíceis… Foto: Valquíria Leite. Data: década de 1930.

Em seu livro “O fim de uma tradição”, Robert Shirley traz um detalhe importante sobre a implantação do Metodismo: o capitão da região do Jericó foi simpático à nova fé e a própria família desse capitão “desempenhou papel vital” no desenvolvimento da Igreja. O antropólogo está se referindo ao Capitão Joaquim Mariano de Toledo (Caçapava, 8 de maio de 1850 – Sertão dos Marianos – Cunha, 8 de janeiro de 1933), maior latifundiário de Cunha e conhecido como “Quim Mariano” ou “Quim Caçapava”. Foi povoador do Sertão dos Marianos, Frade, Campo Grande, Itambé, Peros, Sertão do Xavier, Sertãozinho e da Mandinga (atual Jericó). O capitão sempre permaneceu católico. Certamente, se se opusesse ao trabalho missionário dos metodistas, poderia ter trazido algum problema ou empecilho. Mas não foi o seu procedimento. Todavia, é preciso relembrar que a família do capitão vai aderindo à Igreja Metodista aos poucos, no decorrer das primeiras décadas do século XX. Nos primórdios, não esteve a evangelização ligada à família Mariano. Entre as famílias pioneiras encontramos os Almeida, os Eufrásio, os Campos e os Monteiro, não os Mariano Leite. A doação do terreno para a construção do primeiro templo, por exemplo, foi feita pelo sr. José Tomás Monteiro (Juca Tomás). O primeiro culto, realizado em 18 de março de 1899, ocorreu no lar do sr. Lethargino José Almeida. Com o passar do tempo, a união dessas famílias via se enlaçando através dos casamentos e os Mariano Leite vão ganhando proeminência no metodismo cunhense, com destaque para liderança religiosa exercida pelo sr. Luís Mariano Leite e dona Maria Cesarina de Jesus (“Cotinha”), dois grandes metodistas.

A Igreja Metodista do Jericó foi fundada em 26 de maio de 1901, separando-se da Igreja Metodista Central em Taubaté. Em seguido, começam os metodistas a construção de um templo para adorar o SENHOR, bem modesto e rústico, de taipa de mão e coberto de sapé. Tudo muito simples e de acordo com as condições econômicas das primeiras famílias metodistas. Pobres, mas determinados, trabalhadores. Contava a Igreja nessa fase inicial com 60 membros, todos conversos do Catolicismo e recebidos por pública profissão de fé. O grande número de crianças impressionava os missionários e indicava um futuro promissor para aquele pequenino e modesto templo, cujo entorno viria a se formar a maior comunidade protestante e rural do Brasil e única sob muitos aspectos. Também se tornaria a maior congregação metodista do Brasil, superando, inclusive, as comunidades urbanas.

Tempos áureos: metodistas reunidos para foto comunitária. A Igreja Metodista do Jericó atingia o seu maior número de membros. Mais de 150 pessoas aparecem nesta foto. Tem crente pendurado até nas árvores, lembrando Zaqueu, na narração do Evangelho segundo São Lucas. Foto: Jorge Prudente. Data: década de 1940.

O Metodismo cresceu rapidamente nos primeiros anos, alcançado a estabilidade na década de 1920, quando os recebidos por batismo ultrapassaram os recebidos por conversão e pública profissão de fé. É o sinal de que todos os moradores do lugar já haviam se convertido. Seus filhos já eram batizados na nova fé. Daí, concluída a tomada de Jericó, os missionários metodistas partiram para outras terras: Cume, Monjolo, Rio Manso, Bom Retiro, Guandu, Bangu, Desterro, Palmeiras, Lajinha, todos na região leste de Cunha. O trabalho nessa nova zona missionária se inicia na década de 1920 e vai até o estabelecimento da Igreja Metodista do Cume, entre 1928 e 1933. Mas não obteve o mesmo sucesso que Jericó, embora tenha dado origem a uma sólida congregação metodista. Os cientistas sociais que estudaram a implantação do Metodismo em Cunha apontam que o rápido crescimento se deu em função dos casamentos. Na época, tanto a Igreja Católica como a Igreja Metodista desencorajavam os enlaces inter-religiosos. Muitos rapazes aderiram ao Protestantismo para poder se casar com as moças da Igreja. Por isso, era comum ocorrer os maridos ou esposas fazerem a profissão de fé no mesmo dia do casamento.

Um dia de festa em Jericó! Centenas de pessoas entoando hinos adentram ao atual templo: mais amplo, moderno e com torre. Foto: Valquíria Leite. Data: 15 de dezembro de 1957.

Com a conversão da elite agrária do bairro, se tem então uma comunidade rural inteiramente evangélica. O que diferia totalmente da característica geral do Protestantismo brasileiro, que atraia, geralmente, pessoas das classes mais baixas da estratificação social e de não nascidos nas igrejas protestantes. Esse perfil social que marca os protestantes brasileiros até os nossos dias. Assim, em Jericó, a elite também era protestante. Ali, o Protestantismo era majoritário e a minoria era católica. Jericó era única por esse motivo também. Os metodistas eram a maioria e a Igreja Metodista possuía adeptos em todos os estratos sociais: fazendeiros, sitiantes, administradores, agregados, meeiros, peões, pedreiros, artesãos, doceiras, cozinheiras, inquilinos, retireiros, tropeiros, comerciantes, diaristas e trabalhadores rurais pobres; mulheres, crianças, professores.

A neblina cobrindo os montes, o templo novo, o templo antigo (hoje salão social), o muro no estilo da torre, a escola, a casa pastoral e a cocheira, a “garagem” do povo da roça guardar o seu veículo: o cavalo, à moda dos antigos tropeiros que trouxeram o Metodismo para Jericó, à moda de John Wesley. Símbolos de uma época. Foto: Valquíria Leite. Data: década de 1960.

A chegada da Igreja na cidade de Cunha levará mais tempo, vindo a acontecer somente na década 1950. Na zona urbana, os metodistas encontraram, inicialmente, uma ferrenha oposição católica. Houve algumas querelas teológicas entre os dois grupos e certas hostilidades religiosas por parte dos católicos contra os metodistas.  A cessão das hostilidades aconteceu somente na década de 1960, após o Concílio Vaticano II, sínodo que levou o Catolicismo a promover uma abertura maior ao movimento ecumênico e a maior tolerância com os demais movimentos cristãos.

Igreja Metodista do Jericó e adro. Data: década de 1980.

Os cientistas sociais que estudaram Cunha como “comunidade-laboratório” destacaram a forte coesão social e religiosa dos metodistas. Um aspecto positivo mas que fazia deles uma força segregadora no contexto cultural caipira. A mais segregadora depois da política local. Sem muitas conexões locais, os metodistas mantinham comunicação com o universo exterior, através da literatura e dos periódicos religiosos que a Igreja Metodista enviava às igrejas locais. Willems estava em Cunha, exilado da Alemanha, durante o início da década de 1940. Quando tratava com os metodistas, era sempre interpelado sobre a situação da Segunda Guerra Mundial. Nas roças de Cunha a maioria do povo nem sabia que estava havendo guerra. Muito menos mundial. E nem queriam saber. Assunto aleatório e irrelevante para o cotidiano marcado pelo ciclo das plantações. Jamais os caipiras “de fato” perguntariam sobre isso… Os metodistas não só perguntavam, mas estavam informados sobre e queriam saber mais. Para os cientistas sociais, essa característica indicava um forte indício de ruptura, não só religiosa, mas social, psicológica e cultural com universo caipira. Era o fim de uma tradição?

Metodistas reunidos na frente do templo para foto com os pastores Rev. Sérgio Marcos Leite e Rev. Omir Andrade. Foto: Sérgio M. Leite. Data: década de 1990.

A forte coesão dos metodistas, segundo Willems e Shirley, provinha de algumas peculiaridades: culto doméstico, ênfase na educação e trabalho árduo, integração do núcleo familiar, leitura da Bíblia e periódicos etc. Saber ler, condição essencial para o culto protestante, foi um verdadeiro obstáculo! Nenhuma montanha ou caminho de tropa foi barreira maior para os missionários metodistas que a leitura. O analfabetismo imperava e a escolarização era uma ideia estranha para aquela sociedade agrária, onde os filhos, desde muito cedo, ingressavam na agricultura familiar. A escola parecia desnecessária aos pais. Assim, boa parte dos recursos humanos e financeiros dos metodistas cunhenses foram investidos na criação de escolas paroquiais. A do Cume e a do Jericó foram as primeiras de suas regiões. Por elas passaram gerações de metodistas. E de católicos. Apesar de confessional, essas escolinhas rurais atendiam a toda a comunidade, independente da crença dos pais. Posteriormente, foram incorporadas pela rede estadual, se tornando públicas de fato.

Metodistas do Jericó participam do Encontro Distrital de Jovens, na Igreja Metodista do Cume, Cunha (SP), junto com o seu pastor Rev. Felinto R. dos Santos Macedo. Foto: Salete Toledo. Data: 2002.

Todas essas características, estranhas ao universo caipira e rural, eram valores de uma vida urbana. E muitas famílias metodistas partiram para as urbes, para “estudar os filhos”. É o êxodo. Não o que se passa em Sinai, mas o rural, que impactou de sobremaneira o Brasil moderno. Outro fator que contribuiu para essa diáspora foram as mudanças no meio agrícola, relacionadas com o sistema de trabalho e o uso da terra. Nos anos de 1960, Cunha estava vivenciando a transição da agricultura familiar para a pecuária de leite e corte. As plantações davam lugar às pastagens, que eliminavam as roçadas e eram permanentes. O retiro suprimia a lavoura, o pousio e os mutirões. Era o fim de um ciclo. As igrejas rurais entram em declínio. Os bairros rurais perdem população. Outros ficam desabitados completamente, existindo apenas na memória dos mais antigos.

Hoje, a Igreja Metodista Central em Cunha, apesar de mais recente, é muito maior em número de membros do que as igrejas rurais, que são mais antigas e de quem foi filial. Mas os cultos em Jericó não cessaram. Não contam mais com mesma quantidade de gente, é verdade, que havia no passado. Nem há mais a cocheira ao lado do templo, onde os metodistas amarravam o seu cavalo para participar do culto dominical. Muitas famílias se mudaram para Cunha ou para outras cidades. Tantos já faleceram… Mas os cultos continuam a ocorrer e os hinos do Hinário Evangélico ainda são ouvidos, domingo após domingo, naquele aquele lugar que abrigou a fé dos pioneiros. Porque a fé permanece firme, intacta, como aquelas pedras que enfeitam os outeiros do lugar .

Igreja Metodista do Jericó. Foto: Renate Esslinger. Data: 2016.

A Igreja Metodista levou o bairro do Jericó ao crescimento: escola, templo novo e amplo, cooperativa, eletricidade e água corrente etc. E os jericoenses levaram o Metodismo para outras terras, expandindo a fé para outros pousos.

E o futuro? “A minha Graça te basta”, palavra do SENHOR.

O porco nosso de cada dia

Manada de porcos sendo transportada tocada. Foto: acervo de Francisco de C. D. Andrade. Década de 1930. Local: Paraibuna (SP).

Grande foi a importância dos rebanhos suínos para História e desenvolvimento regional, sobretudo para Cunha. O porco era comum em toda Ibéria, como uma forma de despeito aos mouros e judeus, que o tem – por preceitos religiosos – como “animal imundo”. Não existe carne mais cristã do que ele, pensavam os cruzados da Reconquista. Aporta no Brasil junto com os portugueses e acompanha a marcha colonizadora (DÓRIA; BASTOS, 2018, p. 110). Era um animal fundamental na vida do sítio. Dele, tudo se aproveitava. Até o resto para se fazer sabão. No dia em que no sítio se matava um, havia ajuntamento da vizinhança, aprofundando os vínculos de sociabilidade e de partilha, já que cada vizinho ganhava um pedaço para levar casa e dessas reuniões davam ocasião a muitos casamentos e compadrios. Em Cunha o ritual de sacrifício começava recolhendo a palha de pinheiro no campo, porque o porco, após ser morto, era sapecado para facilitar a retirada de sua pele. Hoje essa etapa é executada com maçarico… “O tempora! O mores!”, exclamaria Cícero, se caipira fosse.

Cunha era durante o século XIX foi o maior produtor de toucinho da Província de São Paulo (MÜLLER, 1978, p. 124), com produção em torno de 9 mil arrobas em 1836/1837, o que significava mais de 68% de toda a produção provincial. A carne de porco, junto com a quirera de milho, que para nós, de Cunha, é uma iguaria, foi de fundamental importância para alimentação das populações do centro-sul brasileiro, antes do advento do século XX e suas modernidades (DÓRIA; BASTOS, 2018, p. 191). Apesar de MÜLLER (1978) não especificar a quantidade de porcos que havia em Cunha no seu levantamento estatístico, nas características gerais das vilas, ele assim descreve Cunha: “N’este districto se planta muito mantimento, assim como algum tabaco: criam-se muitos porcos, e algum gado vaccum, e cavallar. Não tem terrenos devolutos.” (MÜLLER, 1978, p. 41). Fica claro que o lapso estatístico ao mencionar a produção agrícola de Cunha se deve à falta de dados precisos ou ao fato do porco daqui virar toucinho. Outros produtos agrícolas também são dignos de nota: a produção de milho e feijão, tradicionalíssimas da Paulistânia, a produção de azeite de amendoim, que apesar de ser pequena (127 medidas), era uma das maiores da província, e, por fim, o fumo. Este merece algumas considerações. A produção era modesta, de 649 arrobas, mas bastante significativa (mais de 5% de toda produção provincial). Seguia, transportado por tropas até o porto de Paraty. De lá, ia para o Rio de Janeiro, a Corte. Por isso, o fumo era o segundo produto mais taxado na Barreira do Taboão, atrás apenas do café (MÜLLER, 1978). No bairro Monjolo se produziu tabaco do tipo “Kentucky” até década de 1950. Segundo os moradores mais antigos, a produção foi abandonada devido às constantes chuvas de granizo, que arrasavam a plantação, causando grandes prejuízos. Isso é um dos motivos, o maior, sem dúvida é a concorrência desleal com lavoura comercial. A indústria do cigarro venceu a de fumo de corda.

Em ofício à Assembleia Provincial solicitando recursos financeiros para o município, a Câmara de Cunha de 1882 ao apresentar os predicados do lugar, assim descreve a suinocultura daqui: “O genero suino é objecto das attenções de innumeros creadores, que possuem grandes manadas. Os porcos desenvolvem-se muito bem e quando são sujeitos a céva, alguns chegam a produzir pezo superior a 12 arrobas só em toucinho.” Como se lê, o valor do animal estava na banha que fornecia, porque não havia outra gordura tão popular no Brasil para ser usada na preparação das refeições diárias (DÓRIA; BASTOS, 2018). O toucinho era um item de primeira necessidade e os poucos, mas já em franca expansão, núcleos urbanos precisavam das fazendas para obtê-lo. Aliás, conforme a estatística do próprio MÜLLER (1978), acompanhando os registros portuários, S. Paulo exportava toucinho para outras províncias. Muitas arrobas partiam de Cunha, certamente. Era um alimento mercantilizável e nosso município liderava a sua produção, já que era um dos núcleos especializados na produção de víveres e alimentos básicos, a ponto do capitão-general António José de Franca e Horta, então governador da Capitania de São Paulo, requisitar, em 1808, com urgência “porcos vivos, toucinho, carne de porco salgada, milho e feijão, de Cunha e São Luís (hoje do Paraitinga).” (DÓRIA; BASTOS, 2018, p. 90), porque o príncipe regente estava a caminho da capital e precisava ser bem tratado. Embora sua história esteja ligada (com razão) ao Tropeirismo e Bandeirantismo, como repasto rústico e do sertão, era consumido por todos, em todos os lugares do Brasil colonial, inclusive na Corte e pela nobreza.

Mais do que isso, a suinocultura possibilitou:

  • o comércio inter-regional, integrando cidade menores às maiores, produtores rurais aos consumidores urbanos, as zonas auríferas de Minas às zonas cerealíferas da Alta Mantiqueira e Serra do Mar;
  • uma alternativa econômica para as zonas em decadência, após o surto do café (no caso da nossa região). E como alimento durante o seu apogeu;
  • a utilização da banha do porco, tanto na gastronomia cotidiana quanto como conservante para alimentos;
  • o processamento da carne de porco em toucinho, facilitando a conservação do alimento, que, com vencimento adiado, tinha sua zona de abastecimento ampliada, integrando cada vez mais cidades e vilas às atividades comerciais;
  • a comercialização e escoamento da safra de milho de forma mais rápida e fácil, já que este cereal era usado quase que em sua totalidade na engorda dos rebanhos. Conforme percebe sagazmente Carlos Borges Schmidt, “o porco é o milho que anda”;
  • a contratação de mão de obra (após a abolição da escravidão) para transportar as varas de porcos pelas serras e caminhos afora.

Em Cunha, bem como em todo Alto Vale do Paraíba, tinha mais porco do que gente. Antes da expansão da fronteira agrícola brasileira para o Centro-Oeste, consumindo o Cerrado, boa parte dos gêneros alimentícios que provia nossas cidades vinha de regiões montanhosas e isoladas, similares ao nosso Alto Vale do Paraíba. E o transporte de varas pelos antigos caminhos do Ouro com destino aos mercados regionais (Guaratinguetá, Taubaté e Lorena) era bastante comum, tal como ilustra a foto. E assim foi até o início do século XX.

Atualmente há em Cunha 5.642 cabeças de porco e o município, apesar do seu enorme número de propriedades rurais, está muito longe de ser o maior produtor do estado. Em 484 estabelecimentos agropecuários há criação de suínos, o que representa apenas 21% do total de propriedades agrícolas locais. Bem distante daquilo que fomos no passado, cuja onipresença do porco era um fato distintivo do sítio caipira. Há diversas razões para essa decadência.

Já nas primeiras décadas do século XX começaram a se fixar em nossa região famílias mineiras, que foram introduzindo, pouco a pouco, a pecuária de leite e corte, de método extensivo (pastagens), a fabricação do queijo etc. Por outro lado, a suinocultura comercial, as exigências sanitárias, o automóvel e as estradas modernas puseram fim a essa época. O que era Economia virou História. Mas a deliciosa quirera com carne de porco resistiu ao tempo, porque o sabor, a suculência e a gostosura são atemporais. Ainda bem.

Referências:

ANDRADE, F. de C. D. A presença dos moinhos hidráulicos no Brasil. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, v. 23, n.1, São Paulo, jan./jun., 2015.

DÓRIA, C. A.; BASTOS, M. C. A culinária caipira da Paulistânia: a história e as receitas de um modo antigo de comer. São Paulo: Três Estrelas, 2018.

INSTITUTO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Agropecuário 2017 – Resultados definitivos. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/cunha/pesquisa/24/76693 >. Acesso em: 30 mai. 2021.

MÜLLER, D. P. Ensaio d’um quadro estatístico da província de São Paulo: ordenado pelas leis provinciais de 11 de abril de 1836 e 10 de março de 1837. 3. ed. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978.

OFÍCIOS da Câmara Municipal da Cidade de Cunha do ano de 1882.

SCHMIDT, C. B. O milho e o monjolo: aspectos da civilização do milho, técnicas, utensílios e maquinaria tradicionais. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1967.

VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha: Freguesia do Facão, A Rota de Exploração das Minas e Abastecimento de Tropas. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.

29 de maio – Dia do Geógrafo

Três grandes geógrafos brasileiros.

A data foi instituída em 29 de maio de 1936, por ocasião da criação do Instituto Nacional de Estatística – atual Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A profissão de geógrafo foi oficialmente estabelecida no Brasil pela Lei nº 6664/79, visando definir os requisitos para sua execução e áreas de atuação direta. Além do papel de lecionar, cabe ao geógrafo: “reconhecimentos, levantamentos, estudos e pesquisas de caráter físico-geográfico, biogeográfico, antropogeográfico e geoeconômico e as realizadas nos campos gerais e especiais da Geografia, que se fizerem necessárias”.

Órgãos de pesquisa em Geografia: Além dos departamentos de Geografia das universidades brasileira, há o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados), o IGC (Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo) e o IG (Instituto Geológico) em São Paulo, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) etc. Todos são órgãos que fomentam a pesquisa e representam a Geografia no Brasil.

“A Geografia não é outra coisa que a História no Espaço, assim como a História é a Geografia no Tempo.”

Elisée Reclus (1805 – 1930)

Nossa homenagem a:

Milton Almeida dos Santos (Brotas de Macaúbas -BA, 3 de maio de 1926 – São Paulo, 24 de junho de 2001). Considerado um dos grandes intelectuais do Brasil no século XX. Destacou-se por seus trabalhos nos vários ramos da Geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo, nos apontamentos teóricos sobre o conceito de espaço, nas discussões sobre o processo de globalização e nos impactos da tecnologia sobre o território. Com o advento das novas tecnologias, o espaço geográfico adquiriu novas características para se tornar um “conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações”. Tomando o “meio técnico-científico-informacional” como critério, propôs uma nova divisão regional para o Brasil, em 2001. Recebeu em 1994 o prêmio Vautrin Lud, maior honraria na área de Geografia.

Aziz Nacib Ab’Saber (São Luís do Paraitinga, 24 de outubro de 1924 — Cotia, 16 de março de 2012). Referência em Geografia Física e nos estudos dos impactos ambientais decorrentes das atividades humanas. Durante sua vida publicou dezenas de livros e centenas de artigos científicos. Além de propor uma nova classificação do relevo brasileiro, criou o conceito de domínios morfoclimáticos, unidades paisagísticas que caracterizam o território brasileiro. Estudou os ecossistemas continentais sul-americanos e fez a reconstituição de paleoclimas, sendo um dos elaboradores da controversa Teoria dos Refúgios Florestais. Conciliando o campo da Geografia Humana com a Física, realizou estudos de planejamento urbano e regional, pesquisas de geomorfologia climática sul-americana entre outras áreas de interesse. Sempre se posicionou politicamente frente aos problemas sociais e ambientais que estavam em pauta, com um clínico, crítico e de especialista, de grande geógrafo e figura humana que foi.

Aroldo Edgard de Azevedo (Lorena, 3 de março de 1910 — São Paulo, 4 de outubro de 1974), o primeiro a nos dar um mapa do relevo brasileiro, além de ter contribuído de forma decisiva para consolidação da geografia escolar, popularizando o saber e produzindo mais de 30 livros didáticos em sua vida. Foi também o criador dos “fichamentos” como método de estudo.

Livro: “Cerâmica em Cunha: 40 anos do forno noborigama no Brasil”

Mais uma obra comemorativa e publicitária sobre os ceramistas de Cunha. Produzida em 2015 e publicada em 2016 pelo Instituto Cultural da Cerâmica de Cunha (ICCC), em conjunto com a Secretaria de Turismo de Cunha, a obra segue as pegadas da publicação anterior sobre os ceramistas de Cunha, fazendo um documentário histórico, biográfico e artístico, no mesmo estilo da publicação feita na década anterior.

Capa do livro “Cerâmica em Cunha”, com textos de Liliana de Morais e fotos de Johnny Mazzilli.

Sob a coordenação artística de Laurentino Gonçalves Dias Júnior, com pesquisa e textos de Liliana Granja Pereira de Morais e belíssimas fotografias de Johnny Mazzilli, saiu mais uma obra do forno sobre a cerâmica de Cunha.

A publicação segue a mesma senda da anterior. No princípio, apresenta o testemunho de Alberto Cidraes, testemunha ocular da história em primeira pessoa, pois está entre no grupo de pioneiros. No seu relato ele deixa claro: escolheram Cunha porque ficava no eixo Rio-São Paulo e isso facilitava a comercialização das suas obras. Além do mais, foram bem recebidos pelas autoridades cunhenses: receberam um espaço para criar um ateliê coletivo. Um antigo e abandonado matadouro. Pensando bem, um “presente de grego“. Mas que no fim das contas acabou dando certo. Nenhum cavalo de Troia é suficiente para derrotar o talento.

A obra segue apontando as especificidades da cerâmica moldada e queimada em Cunha, o fogo do forno Noborigama, um estrangeiro que se adaptou bem aos trópicos, encaipirando-se por completo no coração da Paulistânia. Delineia os principais fatos históricos relacionados ao grupo de pioneiros e o contexto local. Apresenta o processo de estabelecimento dos primeiros ateliês individuais, as estratégias de comercialização artística adotadas pelos ceramistas, a necessidade de alavancar o turismo em Cunha, feito em que foram bem-sucedidos. Trata do Noborigama, o ícone, e expõe os processos criativos de uma peça cerâmica, da retirada da argila até a queima.

Há, como na obra anterior, breves biografias dos ceramistas de Cunha, com foto deles e de suas criações. Uma forma de mostrar a pluralidade de concepções artísticas que apresenta a cerâmica de Cunha atualmente e também de apresentar muitos filhos da terra, jovens que ingressaram na cerâmica e hoje já produzem e expõem suas peças. Eis o legado da cerâmica, eis o legado o Instituto Cultural de Cerâmica de Cunha (ICCC)

A novidade nessa obra é mesmo o ICCC , um instituto pedagógico que teve o instinto de perceber a importância de formar uma nova leva de ceramistas locais, focando nos mais jovens, nos estudantes, para aqueles que Cunha oferece tão poucas oportunidades. A criação desse instituto demonstra a responsabilidade social dos ceramistas e amor que nutrem pela nossa terra; terra em um sentido muito mais amplo do que fonte de argila. Terra como torrão, como chão, como lar, como pátria. O legado para Cunha será mais riquíssimo porque já está sendo e dando resultados. O epílogo é uma esperança, um sonho. E tudo se fecha em um glossário.

O livro pode ser lido on-line.

Livro “30 anos de cerâmica em Cunha”

Livro comemorativo sobre os 30 anos da chegada dos primeiros ceramistas a Cunha, produzido pelos protagonistas Mieko Ukeseki e Alberto Cidraes e com o apoio da CunhaTur e da Prefeitura de Cunha. A obra saiu em 2005, “Ano da Cerâmica em Cunha“, comemorado em função das três décadas passadas desde a instalação do primeiro forno Noborigama na Estância Climática.

Capa do livro editado e produzido sob a coordenação da ceramista Mieko Ukeseki.

O livro é um documentário sobre a cerâmica de alta temperatura desenvolvida em Cunha. Traz um relato histórico, com fotos e detalhes da chegada do primeiro grupo ceramistas, a introdução do forno oriental Noborigama (icônico) as razões de terem vindo parar aqui, uma das “cidades mortas” do Vale do Paraíba e a instalação do primeiro ateliê coletivo, no antigo e decrépito Matadouro Municipal, espaço cedido ao grupo de nômades (em processo de sedentarização) pelo ex-prefeito Zelão. Os progressos artísticos e experimentais de cada ceramista, culminando na conquista de novos espaços, com as aberturas de fornada, gérmen do turismo cunhense.

Há também uma breve biografia dos vários ceramistas instalados em Cunha no ano de 2005, apresentando juntamente algumas fotografias de peças artísticas produzidas pelas mãos, imaginação e sensibilidade talentosa de cada um. E não se esqueceram das paneleiras de Cunha. Mulheres hábeis no trato da argila, produtoras de peças utilitárias, cujo saber, transmitido de forma hereditária, remonta à ancestralidade dos povos originários.

Enfim, um interessante e necessário documentário, demonstrando como a “cidade morta” e barroca, perdida entre três cordilheiras, se transforma no maior polo da América do Sul de cerâmica de autor.

O livro pode ser lido on-line.

A chegada dos primeiros ceramistas a Cunha

Foto: Toshiyuki Ukeseki. Na foto: Mieko, Vicco e Cidraes a caminho de Cunha, no morro do Sapé, na Rodovia SP-171, 1975.

No dia 20 de abril de 1.975 chegava a Cunha um grupo de ceramistas formado por Mieko e Toshiyuki Ukeseki (japoneses), Alberto Cidraes (português) e os irmãos Vicente Cordeiro (Vicco) e Antônio Cordeiro (Toninho). No domingo em que encontraram Cunha, isolada entre três serras, comemorava-se o aniversário da cidade, naquele tempo celebrado no dia 20 de abril. O grupo, estranho ao jeito cunhense, logo atraiu a atenção dos moradores; entre eles, a da senhora Maria, que foi conversar com eles. Inquirindo-os, descobriu que procuravam um lugar tranquilo para se instalar e produzir cerâmica. Na condição de irmã do ex-prefeito Zelão (José Elias Abdalla), o enérgico político que buscava a todo custo promover o desenvolvimento turístico de Cunha, dona Maria levou-os até sua cunhada Maria Aparecida Núbile Abdalla (dona Cida), esposa do político, que mesmo no meio de autoridades que visitavam à cidade por ocasião de seu aniversário, conseguiu chamar a atenção do marido, que prometeu no dia seguinte arrumar um lugar para os forasteiros que tinham acabado de chegar. A Prefeitura não contava com muitas instalações disponíveis na época, e o único lugar que dona Cida cogitou, o antigo Matadouro Municipal, completamente abandonado e sujo, parecia inviável. Por sorte ou falta de opção, o grupo aceitou. A História de Cunha começaria a mudar…

Com muita dificuldade e muito improviso na base da experiência que já haviam adquirido, o grupo lutava e trabalhava para tornar o lugar habitável e para construir o forno para queima das peças. O tipo de forno escolhido, que até hoje caracteriza a cerâmica de Cunha, foi o Noborigama (“forno que sobe a montanha”, tudo a ver com a geografia cunhense), forma sofisticada do forno a lenha arcaico do Extremo Oriente, que chega a 1.400 graus centígrados e que é construído em aclives, aproveitando a inclinação do terreno. Matéria-prima havia em abundância: argila, eucalipto (para lenha), feldspato e caulim (para esmaltar as peças). A primeira fornada do antigo Matadouro saiu em dezembro de 1.975. Os ceramistas trabalharam juntos e queimaram no mesmo forno, levando as cerâmicas para fora da cidade para vendê-las. Os anos difíceis foram ficando para trás, mais ceramistas foram chegando, outros partiram, o turismo em Cunha foi crescendo, gente daqui começou a fazer cerâmica de alta temperatura… Hoje, no lugar do antigo Matadouro, a Prefeitura construiu a nova Casa do Artesão, um prédio amplo e bonito e que não guarda nenhuma relação com passado dos pioneiros da cerâmica de autor em Cunha.

Convém lembrar que em Cunha já havia ceramistas, no caso as “paneleiras” (como as famosas Nhá Núncia e dona Dita Paneleira), que faziam peças utilitárias, voltadas ao cotidiano dos moradores locais, cuja técnica remonta ao nosso passado indígena. Os ceramistas que chegaram sempre fizeram questão de respeitar e reverenciar essas mulheres que, assim como eles, aprenderam a moldar e solidificar a argila.

A concessão feita pela Prefeitura aos ceramistas-forasteiros se mostrou acertada. Já no final da década de 1980, o ateliê de Gilberto Jardineiro e Kimiko Suenaga inovou com a realização da “abertura de fornada”, evento organizado no espaço do próprio ateliê, que visava suprimir a relação do ceramista com o atravessador, trazendo o consumidor de cerâmica para dentro do espaço de produção, aumentando assim os preços das peças. Essa novidade, sempre muito concorrida, ajudou não só os ateliês da cidade, como também acabaria por servir de chamariz para Cunha, uma cidade ainda desconhecida do público da Grande São Paulo. Os frequentadores dos ateliês acabavam se tornando frequentadores de Cunha. Muitos gostaram tanto que acabaram adquirindo sítios por aqui.

Portanto, não é nenhuma surpresa que, entre os entusiastas do primeiro Festival de Inverno “Acordes na Serra”, realizado em 1.993, estivesse muitos ceramistas da cidade. A realização dos festivais de inverno foram um marco definitivo na história de Cunha, pois foi através deles que o nosso município assumiu a sua identidade turística e buscou desenvolver eventos que fizessem jus ao seu título de “Estância Climática”.

Filme institucional da Associação dos Ceramistas de Cunha (SP).

Em janeiro de 2009, foi criado, pelos ceramistas locais e outros agentes culturais, o Instituto Cultural da Cerâmica de Cunha (ICCC), entidade que tem por objetivo ser a organização institucional do polo de cerâmica artística do município, promovendo o crescimento e a difusão da atividade cerâmica, ações educativas e culturais para a população local, enfim, uma instituição atuante e que está formando a próxima geração de ceramistas cunhenses. Atualmente está em tramitação no Senado Federal (Comissão de Educação, Cultura e Esporte) um Projeto de Lei (PL 7.772/2017), já aprovado pela Câmara dos Deputados, que confere o título de “Capital Nacional da Cerâmica de Alta Temperatura” à cidade de Cunha. O Projeto de Lei é de iniciativa da Deputada Federal Pollyana Gama (CIDADANIA/SP). Tendo em vista tudo o que representam para o turismo cunhense, a cerâmica, com o seu alto valor artístico, e os ceramistas, cientes do turismo como alternativa para uma economia agrícola decadente, mudaram a nossa História. Encerro com os dizeres da mulher que prontamente percebeu a importância daqueles artistas que pararam em Cunha naquele outono de 1.975, a visionária dona Cida (Maria Aparecida N. Abdalla), que em uma entrevista para o livro “30 anos de cerâmica em Cunha”, indagou: “Se não fosse por esses ceramistas, a história da cidade seria diferente. Como Cunha ia se tornar conhecida? E tem coisa mais bonita do que acontece aqui quando é dia de abertura de forno?”.

Referências:

ATELIÊ SUENAGA & JARDINEIRO. Cerâmica em Cunha. Disponível em: <http://www.ateliesj.com.br/&gt;, acesso em 19 abr. 2020.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. PROJETO DE LEI Nº 7.772, DE 2017. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposic…/prop_mostrarintegra…&gt;, acesso em 19 abr. 2020.

CERAMISTAS DE CUNHA / CUNHATUR. 30 anos de cerâmica em Cunha. Cunha (SP): JAC Gráfica e Editora, 2005. Disponível em: < https://issuu.com/joaomak/docs/livro&gt;, acesso em 19 abr. 2020.

JORNAL HOJE, ano II, n. 15, jul/ago. de 1998.

MEMORIAL DA CERÂMICA DE CUNHA. Disponível em: < http://www.mecc.art.br/memorial.html&gt;, acesso em 19 abr. 2020.

Reportagem sobre alguns ceramistas de Cunha (TV Band Vale): https://fb.watch/5NnPuKi7wM/

Primeira gravação de uma moda de viola caipira, 1.929

“Jorginho do Sertão” foi a primeira moda de viola gravada no Brasil. Isso em 1.929. Jorginho do Sertão faz parte do folclore paulista e foi adaptada por Cornélio Pires, grande incentivador da cultura caipira e folclorista, e interpretada por Caçula e Mariano, com gravação em disco de 78 rotações (ou rpm). Como sempre, as modas de viola contam uma história. Nesse “causo” tudo se passa em uma carpa de café, provavelmente no velho Oeste Paulista. O Jorginho lá do Sertão, rapazinho inteligente, queria casar-se com as filhas do patrão. E um dos meios de se conseguir isso era provar que conseguia sustentar uma família no “cabo da enxada”. Era preciso conquistar o pai da pretendente primeiro, demonstrando que era trabalhador. O patrão gostou do serviço do moço e resolveu oferecer suas filhas em casamento. As três filhas se apresentaram, cada uma com suas qualidades, mas o Jorginho, esperto como só, queria casar-se com as três de uma vez. Impedido de tal intento, o Jorginho montou no seu cavalo e foi-se embora: “Não posso casá cum as treis, eu num caso cum nenhuma”.

A cultura paulista é riquíssima e ajuda a contar a história e costumes de nossa gente.

Letra: cantiga popular do folclore paulista
Adaptação: Cornélio Pires
Interpretação: Caçula & Mariano
Data: 1929
Gravadora: Columbia
Acervo: Discoteca Pública Municipal – Oneyda Alvarenga – Centro Cultural São Paulo

JORGINHO DO SERTÃO

O Jorginho do Sertão
Rapazinho de talento
Numa carpa de café
Enjeitô treis casamento
Logo veio o seu patrão
Cheio de contentamento
(tenho treis filhas "sorteira que
Ofereço em casamento)
Logo veio a mais nova
Vestidinho cheio de fita
Jorginho case comigo
Que das treis
Sô a mais bonita
Logo veio a do meio
Vestidinho cor de prata
Jorginho case comigo
Ou então você me mata
Logo veio a mais véia
Por ser mais interesseira
Jorginho case comigo
Sou a mais trabaiadeira
Jorginho pegou o cavalo
Ensilhô na mesma hora
Foi dizê pra morenada
Adeus que eu já vou me embora
Na hora da despedida,
Ai, ai, ai
É que a morenada chora
Ai, ai, ai
O Jorginho arresorveu
É melhor que eu mesmo suma
Não posso casá cum as treis, ai
Eu num caso cum nenhuma.

Domínio Morfoclimático dos Mares de Morros

Foto: Amanda Motta / Instagram. Local: Cunha – SP.

Cunha está dentro da área de “core” ou nuclear do Domínio Morfoclimático dos “Mares de Morros” Florestados, porque sua paisagem corresponde a uma área típica e contínua de relevo mamelonizado, em que uma sucessão de morros com cumes bem arredondados se estende até o horizonte, apresentando um formato de meias-laranjas, lembrando, assim, o aspecto de agitação das ondas marítimas. Uma área nuclear é aquela que melhor apresenta as características representativas de um respectivo domínio. O conceito de domínio morfoclimático foi desenvolvido pelo geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, natural aqui do Vale, de São Luís do Paraitinga, e já falecido, infelizmente. Ab’Saber estabeleceu uma classificação para os diversos ambientes macroecológicos existentes no território brasileiro, ajudando a entender melhor as paisagens de nosso imenso país. Os domínios morfoclimáticos são grandes conjuntos do espaço geográfico identificados através do resultado das inter-relações entre os elementos da paisagem, tais como: relevo, clima, solo e vegetação. A inter-relação desses quatro elementos, mais a ação antrópica (do homem) sobre o espaço, transformando as paisagens naturais constantemente, faz com que surja paisagens e sistemas ambientais diferentes por todo país.

Mapa mostrando a localização e distribuição dos domínios morfoclimáticos pelo Brasil.

O geógrafo luizense aponta que o Domínio dos Mares de Morros é a região brasileira sujeita aos mais fortes processos erosivos e aos mais intensos movimentos de massa, o que coloca esse domínio paisagístico como suspeito a ocorrer desastres naturais, daí a necessidade de todos os municípios inseridos dentro desse contexto geomorfológico de ter uma Defesa Civil atuante e preparada.

O domínio dos mares de morros é o meio físico mais complexo e difícil do país em relação às construções e ações humanas […] é difícil o encontro de sítios urbanizáveis […] como igualmente difícil é a abertura de estradas e sua conveniente conservação.

AB’SÁBER, 2003, p. 62

Florestados no passado, com Mata Atlântica e bosques de Araucárias (Campos do Jordão, Serra da Bocaina), trata-se, atualmente, de um ambiente bastante desflorestado e degradado. Salvo dentro das unidades de conservação, que felizmente surgiram no domínio a partir da década de 1970. Unidade paisagística situada entre os três maiores centros urbanos do país: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, esse meio físico foi intensamente ocupado, povoado e desgastado, seja pela cafeicultura, pela pecuária de corte e mais recentemente pela silvicultura de exportação.

Fonte:
AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

Cunha: composição étnica em 1.828

Cem anos após a sua fundação e logo após a Independência do Brasil, a Vila de Cunha somava 3.192 almas, espalhadas, sobretudo, pelo seu extenso território rural, já que a população urbana naquele tempo era insignificante. Nada de insignificante era a sua importância econômica para o Vale e para a Província de S. Paulo. Impossibilitada, devido ao clima frio, de produzir café e cana-de-açúcar na escala reclamada pelo mercado, o município, desde os primórdios, dedicou-se à produção de gêneros de primeira necessidade para a economia interna, como milho, carne de porco, toucinho e tabaco. Embora fosse pequena a sua população de 1.828, era muito mais significativa relativamente do que os 22 mil habitantes de hoje, em um Estado com 43,7 milhões de habitantes. Na época a Província contava com apenas 221.559 habitantes, portanto, Cunha concentrava cerca de 1,5% de toda a população da Província. Nas fazendas, as plantações e o árduo trabalho agrícola demandavam uma grande e eficiente mão de obra, obtida principalmente através da escravização dos negros, daí se observa a grande proporção de população negra em nosso município, como se observa no gráfico.

Em defesa da História de Cunha

Texto do professor e historiador João José de Oliveira Veloso (1945 – 2020), fundador do Centro de Cultura e Tradição de Cunha, do Museu Municipal “Francisco Veloso”, do COMPHACC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Cunha) e autor de diversas obras sobre a história de Cunha.

Remanescentes de Mata Atlântica em Cunha

Após três séculos de colonização e ocupação no município de Cunha, o mapa representa as áreas florestais e de campos de altitude que sobraram. Excluindo as áreas de proteção integral do Parque Estadual da Serra do Mar e do Parque Nacional da Serra da Bocaina, percebe-se que muito pouco restou. A agricultura rudimentar e a pecuária extensiva, atividades econômicas históricas de nosso município, foram as responsáveis pelo desmatamento e degradação do lugar chamado “berço das águas”, devido ao grande número de nascentes. A boa notícia é que na última década a Mata Atlântica mostrou recuperação, aumentando a área florestada do município. Consciência ambiental ou refuncionalização das propriedades rurais de Cunha, que estão deixando ser agrícolas?

Certamente a refuncionalização das propriedades rurais, seja pelo turismo em ascensão ou pelo aumento das casas de veraneio de “gente de fora”, tem um impacto considerável nessa boa notícia. A recuperação florestal ocorre em virtude desse novo caráter nas propriedades rurais de Cunha, pois na agropecuária o valor do terreno está na capacidade produtiva, o que acarreta na retirada da mata para formação de pastagem ou para aragem do solo. Já para os veranistas, o valor do terreno está na beleza paisagística ou ainda na quantidade de nascentes que possui. Descarto a ideia de que as “pessoas de fora” tenham mais consciência ecológica do que as pessoas da roça de Cunha, pois a relação com terra se dá de forma desigual, impossibilitando qualquer conclusão. Enquanto para o veranista paulistano ou de outra cidade grande o terreno é usado apenas um local de descanso e lazer, para o caipira cunhense é meio de subsistência, lugar de trabalho, onde retira o seu sustento e de sua família, daí muitas vezes a necessidade da exploração intensiva do terreno íngreme e do solo pouco fértil. Outras diferenças sociais, como grau de instrução, seguramente ajudam a entender sujeitos de “mundos” distintos e as relações que estabelecem com o meio ambiente.

A fiscalização feita pela Polícia Militar Ambiental está mais intensiva na região nos últimos anos. Mas como ela é muito pontual, sozinha não ajuda a entender o fenômeno, embora tenha lá a sua contribuição para diminuição do desmatamento.

Outras conclusões do Inventário Florestal:

  • O município com maior área (dentro da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul paulista) de vegetação remanescente é Cunha com 35.048 ha., correspondendo a 26,3% de sua superfície;
  • Constata-se que a vegetação remanescente está dividida em 2.723 fragmentos, sendo 2.122, com área de até 10 ha.; 350, com 10-20 ha.; 171, com 20-50 há.; 53, com 50-100 há.; 20, com 100-200 há. e 7 fragmentos com área superior a 200 ha.;
  • No município de Cunha também existem expressivas áreas protegidas por Unidades de Conservação – 11.041ha. (8,3%).

Assim, verifica-se a importância da preservação privada, aquela feita por cada proprietário de terra, na conjuntura municipal. Isso, por conseguinte, gera áreas preservadas fragmentadas e aponta para necessidade da criação de corredores ecológicos, a fim de que os pontilhados verdes possam ser conectados e a restituição do ecossistema original possa ser mais efetiva

Fontes:

  1. Folha Vitória. O papel das reservas particulares na proteção da Mata Atlântica. Disponível em: <https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/09/2019/o-papel-das-reservas-particulares-na-protecao-da-biodiversidade-da-mata-atlantica&gt;.
  2. G1 – São Paulo. Mapeamento mostra que tem mais Mata Atlântica em SP que se pensava. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/mapeamento-mostra-que-tem-mais-mata-atlantica-em-sp-que-se-pensava.html>
  3. SÃO PAULO / INSTITUTO FLORESTAL. Inventário florestal da vegetação natural do Estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente / Instituto Florestal: Imprensa Oficial, 2005.
  4. SILVA, R. F. B. et al. Land changes fostering Atlantic Forest transition in Brazil: Evidence from the Paraíba Valley. The Professional Geographer. 2016.
  5. SILVA, Ramon B. F. da. Floresta revigorada. Pesquisa Fapesp, n. 259, set. 2017. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/22/floresta-revigorada/&gt;.

26 de maio de 1.901 – Fundação da Igreja Metodista do Jericó

Um lugar aprazível em meio ao “mar de morros”. Uma estradinha de terra, daquelas que achamos que o destino está na próxima curva, vai coleando montanha acima. Devagar e sempre, por questão de prudência, o protetor de cárter não pode ser deixado em alguma pedra do caminho, você vai subindo quando, de repente, uma toada. É uma belíssima cachoeira que descortina abaixo da estrada. Toda espumante, formada pelo encontro do riacho descente com um lajedo. Afloramento rochoso, idêntico ao dos cumes dos outeiros que circundam os vales de lá. Nem sempre vistos, nos fins de tarde, os topos dos morros costumam ficar encobertos por um nevoeiro frio, típico da Serra do Mar, que sopra do litoral em direção ao continente. O verde claro e brilhoso das pastagens de braquiária, entremeadas por capões mais verdes ainda de Mata Atlântica, não deixam dúvidas quanto à atividade econômica: pecuária de leite e corte. Nem sempre foi assim, já houve época em que os morros íngremes e férteis eram dominados por lavouras consorciadas de milho, feijão, abóbora, fava. Ainda é possível observar velhos casarões de taipa, no fundo dos vales, dessa primitiva zona de povoamento cunhense, do tempo em que as unidades agrícolas iam brotando sertão adentro, após a outorga das sesmarias. Estamos no Jericó! Um dos muitos (estima-se em mais de 200) bairros da zona rural cunhense. Para quem prossegue na escalada, na estrada que segue, depara-se com belo e nada modesto templo, com uma torre central pontiaguda apontando para as nuvens. Chama a atenção.  É o elemento que mais se destaca na paisagem e pode pregar uma peça nos mais desavisados. Não é dedicado a nenhum padroeiro, contrastando com os demais bairros rurais do universo cultural paulista, que conforme aponta QUEIROZ (1973, p. 4), os povoados têm na capela católica o seu núcleo central e no seu padroeiro o fator distintivo no aspecto religioso, ganhando assim identidade própria em seu contexto, peculiaridade. Mas no bairro do Jericó a igreja não é católica romana. Atualmente existe na frente do templo o símbolo da “cruz e da chama” e uma placa indicando que é um local de culto metodista, movimento religioso protestante que teve origem no século XVIII, na Inglaterra. Trata-se da Igreja Metodista do Jericó, entidade que garante singularidade religiosa a essa comunidade rural cunhense, cuja história centenária iremos tratar neste artigo.

Para se entender o estabelecimento bem-sucedido de uma igreja protestante em um sertão do católico Vale do Paraíba é preciso, primeiramente, se fazer a contextualização histórica do período da fundação da igreja, a saber, o final do século XIX. E, no caso, devemos destacar dois fatores: um de ordem política e outro de ordem econômica. Na questão política, o final do século XIX no Brasil é marcado pela mudança de regime, deixando o país de ser uma monarquia constitucional sui generis (com um quarto poder, o Moderador) e passando a ser uma república, nos moldes preconizados pelo Positivismo, movimento político e filosófico que aguçou setores golpistas do Exército a proclamarem a “Republica dos Estados Unidos do Brazil”, em 15 de novembro de 1.889. Fruto do novo regime, a Constituição de 1.891 estabeleceu a separação entre a Igreja Católica Apostólica Romana e do Estado brasileiro, garantiu a liberdade de culto e estabeleceu os cartórios de registro civil, serviço até então sob responsabilidade do clero local. Muito embora o status oficial gozado pela Igreja Católica no Império não fosse um fator que impedisse o proselitismo protestante, considerado ilegal pela Constituição de 1.824, é indubitável que o resguardo jurídico dado pela nova carta magna renovou o ânimo e deu mais dinamismo às atividades missionárias evangélicas, desencorajando ações persecutórias dos católicos ou do clero contra os protestantes a partir de então. No tocante à questão econômica, há dois fatos relevantes no recorte regional: a falência da já cambaleante cultura cafeeira valeparaibana, seja pelo esgotamento dos solos ou pelo fim do regime escravagista em 1.888, este desferindo um golpe fatal à fastigiosa atividade econômica que abarrotou os cofres do Império em outros tempos (HOLANDA, 1996, p. 282). Outro fato apontado pelo historiador Sérgio Buarque de HOLANDA (1996, p. 276) como crucial para o desenvolvimento regional é a interligação da Estrada de Ferro do Norte com a Estrada de Ferro Central do Brasil. Essa junção conectou por ferrovia as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, servindo assim como um meio de transporte moderno e mecanizado para as cidades do Médio Vale do Paraíba. “A inauguração oficial do encontro entre as duas ferrovias se deu em 8 de julho de 1.877, com festas. Porém, tanto a São Paulo Railway, quanto a Estrada de Ferro D. Pedro II, utilizavam bitola larga (1,60m), o que exigia baldeação de composições para poder seguir até Santos ou até o Rio de Janeiro.” (ESTRADA, 2018). Apesar das dificuldades operacionais para o pleno funcionamento início, essa nova linha de comunicação levará à decadência as cidades do Alto Vale, como Cunha, pois irão perder suas funções de entrepostos de escoamento da produção do Médio Vale até os portos do litoral.

No entanto, no Alto Vale, as atividades tropeiras continuaram a existir e a servir à logística da distribuição da produção, pois era o único meio de transporte capaz de vencer os péssimos caminhos e trilhas vicinais que existiam. Ademais, conforme observou STRANFORINI (2001, p. 34-35), o tropeirismo resistiu até meados do século XX, com o advento do modal rodoviário, pois a rede ferroviária brasileira era pouco abrangente, tímida e seu funcionamento apresentava sérias deficiências estruturais. O tropeiro era o mediador entre o mundo urbano e o bairro rural, este quase sempre isolado e alheio às exterioridades. Por isso, “os tropeiros serviram de elemento integrador. Por onde passavam, eram os festeiros, tocadores de viola e sanfona, emissários oficiais, transmissores de notícias, recados e receitas.” (CARPEGEANI; REZENDE FILHO, 2009). Em Cunha e em outros municípios da região o tropeirismo resistiu. Eram indispensáveis, dadas as conjunturas geográficas e econômicas. O débâcle da economia cafeeira valeparaibana somada à inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil resultaram na perda de função histórica que esses municípios exerceram desde o século XVII. Acarretou a estagnação econômica dessas cidades serranas, mas a economia agrícola de subsistência resistiu e permaneceu ante à nova configuração econômica. Assim, a venda do excedente da produção agrícola passou a ser o meio de subsistência dessas “cidades mortas”. E essa atividade produtiva nunca declinou. A suinocultura voltada à produção de toucinho foi a salvação de muitas fazendas. Houve ainda tentativas esporádicas de diversificação da produção, entre as tais podemos citar a introdução da vinicultura, como no caso do município de Cunha (VELOSO, 2010, p. 426-428). Apesar do relativo sucesso, foram efêmeras demais para produzir um impacto econômico positivo. Toda a produção excedente das regiões serranas continuou a escoar, abastecer e alimentar o Médio Vale e litoral. E para quase tudo se usava as tropas. Não havia outro meio de transporte disponível. Agentes das novidades que eram, serão os tropeiros que trariam o Metodismo para Cunha. A nova fé trilharia os antigos caminhos e pousos, em um tempo que o acesso era difícil, as lonjuras imperavam e a comunicação era na base do grito ou da fumaça.

Uma das vias de comunicação entre o litoral e o sertão, que foram imprescindíveis para interiorização do povoamento, era a rota que ligava Paraty, porto do litoral fluminense, com Taubaté, cidade do Vale do Paraíba. A então vila de Taubaté foi o principal centro do bandeirantismo regional (MARIOTTO, 2009). Essa rota, apesar de ser um caminho muito antigo, que remonta ao século XVII, ainda era utilizada pelos tropeiros cunhenses, luizenses, paratienses etc.  no final do século XIX. Os bairros rurais da porção oeste e sudoeste de Cunha utilizavam com muita frequência essa rota, para escoar parte da produção para centros urbanos maiores e mercados regionais. E será por esse caminho colonial que os pregadores itinerantes metodistas chegarão a Jericó (SANTOS, 2013, p. 56). A exemplo do cavaleiro e missionário John Wesley, o diácono José Celestino de Andrade, natural do Pará, e o pastor Justiniano Rebelo de Carvalho, de origem portuguesa, porém radicado em Belém do Pará, também cavalgaram serras e lugarejos para levar as boas-novas de salvação. Eram os “bandeirantes de Cristo”, que vão percorrendo os sertões do Vale do Paraíba em busca das “dracmas perdidas”, um circuito de pregação e provação por terrenos íngremes, trilhas sinuosas e comunidades nem sempre amistosas à pregação protestante.

A brochura comemorativa do 105º aniversário da Igreja Metodista do Jericó (LEITE; ALMEIDA, 2006) traz em sua 5ª página uma descrição sobre a implantação do Metodismo na região, no final do século XIX. Três famílias tropeiras são apontadas como as precursoras: Eufrásio, Almeida e Monteiro de Campos. Elas costumavam viajar muito para Taubaté, a fim de fazer seus negócios e pousavam no bairro do Boqueirão (entre Lagoinha e Taubaté), um dos locais onde já havia um ponto de pregação metodista (SANTOS, 2013, p. 57). Conta-se que Benedito José de Almeida, tendo ouvido a mensagem evangélica, se entusiasmou e convidou os missionários J. C. de Andrade e J. R. de Carvalho para pregarem a Palavra na casa de seu irmão Lethargino José Almeida, morador do bairro da Mandinga. O primeiro culto evangélico no município de Cunha ocorreu em 18 de março de 1.899, conforme relatou ao Expositor Cristão o pregador J. R. de Carvalho (BARBOSA, 2005, p. 270). Uma manhã de sábado, em que, nos dizeres do missionário, “pela primeira desde que há mundo, foi o Evangelho ouvido em Mandinga”. Esse relato confere com as notas de KENNEDY (1928, p. 111), em que consta que no ano da fundação da igreja, já havia transcorrido dois anos desde o início da atividade missionária na região. Os cultos e visitas pastorais foram ganhando regularidade. Cada vez mais e mais a vizinhança se achegava para ouvir as pregações. As casas dos primeiros metodistas se transformaram em pontos missionários. Devido à grande quantidade de crianças, logo se organizou a primeira escola dominical, voltada à educação religiosa e doutrinária. Muitos foram abraçando a nova fé e, com a seara em expansão, o Rev. J. R. de Carvalho foi incumbido de visitar a comunidade trimestralmente, para pregar o Evangelho, ministrar a eucaristia, realizar batismo e fazer profissões de fé. Entre os primeiros membros recebidos à comunhão da Igreja Metodista estão: Lethargino José de Almeida, José Artilino e José Monteiro de Campos (“Juca Tomás”), que doaria “um quarto de terras” (pouco mais de 6 mil metros quadrados) para construção do futuro templo, já que a adesão de novos fiéis à congregação prosseguia. Os números eram animadores: havia cultos com a participação de 300 pessoas e Escola Dominical com mais de 60 pessoas (BARBOSA, 2005 apud SANTOS, 2013, p. 57). A “pérola de grande preço” havia chegado a Cunha. E chegado para ficar.

Com o trabalho missionário em expansão, logo houve a necessidade de se fundar uma nova igreja local, para organizar melhor as atividades eclesiais. Além disso, mesmo sendo apenas uma congregação, com alguns pontos de pregação, já era, em números de membros, a maior comunidade metodista do Brasil. Assim, a fundação da Igreja Metodista do Jericó ocorreu em 26 de maio de 1.901. Entende-se por fundação, na organização eclesial metodista, a independência de uma congregação em relação à igreja matriz. Jericó foi uma congregação da Igreja Metodista de Taubaté, sua matriz, até conseguir a autonomia, constituindo-se, desde então, em uma igreja autônoma e responsável por sua administração política, pastoral e econômica. Em suas notas sobre o ano de 1.901, assim escreve KENNEDY (1928, p. 109 e 111): “A 26 do mesmo mez foi organizada a Egreja de Cunha, Estado de S. Paulo, com 69 membros, pelo rev. Wolling. Havia já dois annos que o sr. J. R. de Carvalho tinha sido convidado para ahi pregar o Evangelho nos logares chamados Abóboras e Mandiga. Desde então o trabalho foi se desenvolvendo, sendo visitado de 3 em 3 mezes pelo sr. Carvalho, dando como resultado, ou fruto do seu ministério, uma egreja de 69 membros.” A construção do templo não foi imediata, por isso, informa KENNEDY (1928, p. 121), que o lançamento da pedra fundamental do templo ocorreu em 30 de maio de 1.904. Esse templo primitivo era bem rústico, uma capela de pau-a-pique coberta com sapé (LEITE; ALMEIDA, 2008, p.2). No dia 4 de agosto de 1.907 é organizada a “Sociedade Auxiliadora de Senhoras na Egreja de Cunha com 18 sócias”, mais uma informação dada por KENNEDY (1928, p. 132). A Sociedade de Senhoras, organização feminina adulta e interna da Igreja Metodista, se constitui em um verdadeiro esteio da atividade pastoral da igreja, sendo a responsável pela ação social e caritativa no âmbito local. É curioso que notícias de organização de Sociedade de Senhoras em Jericó irão se repetir: em julho de 1.920 e em maio de 1.926, só que nessa última aparece Sociedade Missionária de Senhoras. Teriam sido refundações? KENNEDY (1928, p. 275 e 315) não fornece maiores detalhes. Já em 1.909, durante a 24ª Sessão da Conferência Anual Brasileira, em Piracicaba (SP), um dos assuntos tratados pelos ministros e delegados presentes é a reconstrução do templo de Cunha (KENNEDY, 1928, p. 138), que seria o 2º templo, substituindo a capelinha de tapera dos primeiros anos, e foi utilizado até 1.957. Existe até hoje e foi restaurado, servindo como salão social, e fica na parte de trás do templo maior e com torre (3º templo construído desde a fundação). O bonito e amplo local de culto que a igreja conta atualmente foi inaugurado em novembro de 1.957, em uma grande celebração religiosa, que contou com mais de 800 pessoas presentes e foi dirigida pelos Rev. Aristides Fernandes da Silva (pastor local) e Rev. João Ignácio da Silva (superintendente distrital e ex-pastor do Jericó, entre os anos de 1.949 e 1.952). A inauguração do novo (atual) templo foi um dos momentos inesquecíveis na história do povo do bairro do Jericó, relembrado por todos que viveram aquele momento solene e emocionante, onde centenas de metodistas deixaram a antiga capela para adentrar no novo espaço cúltico, entoando o hino de nº 401 do Hinário Evangélico, “Avante Ó Crentes!” (LEITE; ALMEIDA, 2008, p. 5).

Com relação ao nome do bairro, embora não exista nenhum registro oficial, parece mesmo que foi mudado pelos metodistas (LEITE; ALMEIDA, 2006, p. 3). Afinal, nas citações mais antigas do ponto de pregação e do que viria ser a futura igreja, não consta o nome de “Jericó”. Geralmente se refere ao local como “Abóboras”, “Mandinga” ou mesmo “templo/igreja de Cunha”. No livro do pastor e historiador metodista KENNEDY (1928), o termo “Jericó” só vai aparecer em 1.922. Todas as menções anteriores a essa data, se referindo à igreja, consta como “Cunha”; “Mandinga” e “Abóboras” (somente na primeira menção). No excelente trabalho de pesquisa do teólogo SANTOS (2013, p. 56), que consultou as Atas da Igreja Metodista de Taubaté e antigos exemplares do jornal oficial da Igreja Metodista do Brasil “Expositor Cristão”, os lugares onde havia antigos pontos de pregação protestante eram: “Boqueirão da Lagoinha”, “Sítio Paiol”, “Mandinga”, “Abóboras”, “Baracéia”. O termo “Jericó” não é mencionado, mesmo sendo um termo bíblico e que se refere à primeira cidade da Terra Prometida conquistada pelo povo hebreu, conforme a narrativa do livro de Josué. O conhecimento bíblico está no cerne da fé protestante, ocupando um lugar elevado na vida devocional e no sistema de crenças do fiel, se comparado com o Catolicismo, tanto o Romano quanto o Ortodoxo. Desse modo, fica a pergunta: seria uma possível alusão ao pioneirismo de Jericó na implantação do Metodismo nestas paragens? Ou foi o nome dado ao templo metodista? Embora não seja tão comum no Brasil, na América do Norte muitos templos metodistas recebem um nome específico, além do tradicional nome da denominação mais a localidade. É não é incomum utilizarem nomes de cidades e locais bíblicos que tiveram alguma importância na história da salvação, tais como: Belém, Betel, Jerusalém, Betânia, Monte Moriá, Monte Hermon etc. Ou seja, não teria sido o bairro ser denominado em função do nome do templo, já que essa região rural de Cunha se tornou majoritariamente metodista? Fato é que nos “Maços de População”, antigos recenseamentos de Cunha, não aparece o nome de “Jericó”, porém “Abóboras”, sim. Aliás, o bairro das Abóboras existe até hoje com essa denominação, ficando atualmente em um vale logo abaixo do bairro do Jericó. Já o bairro da Mandinga parece ter realmente desaparecido na geografia rural cunhense. Poucos fazem se referem a ele e sua denominação apresenta uma conotação religiosa que poderia ter motivado os metodistas a trocarem o nome, por considerá-la contrária à sua fé. Eis a razão: segundo o HOUAISS (2009), a definição do vocábulo “mandinga” é: “ato ou efeito de mandingar; feitiço, feitiçaria”. Ainda de acordo com o mesmo dicionário, a origem etimológica da palavra é africana e toponímica, se referindo a “Manding (Guiné-Bissau), conhecido por designar ‘terra de feiticeiros’.” Certamente que os metodistas não gostariam que o nome de seu bairro fosse associado à feitiçaria. Está aí um motivo muito forte para ocasionar a mudança do nome original, recebido, muito provavelmente, dos negros escravizados que trabalharam nas fazendas daquela região pioneira no desbravamento do antigo Facão.

Estabelecida a Igreja, com o templo construído e estabilizado o número de membros, os líderes metodistas viram a necessidade da instalação de uma escola rural mista em sua paróquia. Na Conferência Distrital ocorrida na Igreja Metodista do Brás, em São Paulo, capital, em fevereiro de 1.922, a construção da unidade escolar de Jericó é tratada. KENNEDY (1928, p. 284) registra: “nessa Conferencia tratou-se da fundação de escolas parochiaes em Jericó (Cunha) e Palmeiras. Foram constituídas duas commissões para tratar desse assumpto: W. B. Lee, M. M. Moraes e o presidente da Junta de Economos de Jericó, para a primeira, e W. B. Lee, Luiz Martins e o presidente da Junta de Economos de Palmeiras, para a segunda.” Mais que uma atividade filantrópica, a instalação dessas escolas paroquiais fazia parte, conforme observou MENDONÇA (1984, p. 98), de uma estratégia missionária, voltada à propaganda religiosa, pois a carência de instrução se constitui em um notável empecilho para assimilação da doutrina protestante, inteiramente calcada na leitura das Escrituras. Participar de um culto em a prédica (discurso) é o ponto central e a leitura de trechos bíblicos e de hinos é requerida dos fiéis, precisa-se ser alfabetizado, caso contrário estará excluído, ficando sem entender nada. Assim, tanto no Jericó como no Cume, funcionaram escolas paroquiais metodistas, além da Escola Dominical que ocorria aos domingos. Foram essas escolas metodistas as pioneiras em seus bairros e adjacências. As arrecadações para construção da escola paroquial do Jericó começaram por volta de 1.926 e a unidade deve ter sido concluída por volta de 1.930 (ATAS, 1926-1929), tendo à frente o Rev. William B. Lee e os senhores Augusto Lethargino de Oliveira, Crispim Mariano Leite e Luiz Mariano Leite, encarregados da arrecadação e membros da comissão de construção.

A introdução do Protestantismo em Cunha se diferiu das demais partes do Brasil, pois aqui uma parte considerável da elite agrária (SHIRLEY, 1977, p. 280), dos grandes fazendeiros aderiram à nova religião, enquanto em outros lugares as pessoas que mudavam de religião eram, geralmente da classe inferior. Isso foi um dos fatos mais destacados pelos cientistas sociais que estudaram Cunha no século passado. Essa peculiaridade se deve ao capitão Joaquim Mariano de Toledo, um dos maiores fazendeiros de Cunha no século XIX, cuja descendência se tornou metodista. O historiador VELOSO (2010, p. 249) ressalta que, embora o capitão Joaquim Mariano de Toledo (“Quim Mariano” ou “Quim Caçapava”) tenha permanecido católico até sua morte, não se opôs à implantação da nova religião na região que estava sob sua influência direta (Abóboras, Mandinga, Limão, Pêros etc.). Tanto é que, embora seus doze filhos tenham sido batizados na Igreja Católica, nove deles aderiram ao Metodismo posteriormente, fazendo sua pública profissão de fé, com destaque para o 4º deles, Luís Mariano Leite e sua mulher Maria Cesarina de Jesus (“Dona Cotinha”), que exerceram importante liderança dentro da Igreja Metodista do Jericó. O antropólogo SHIRLEY (1977, p. 270), que estudou o município de Cunha em meados da década de 1.960, também reconhece o apoio do capitão Quim Mariano como vital para o estabelecimento do Metodismo em Cunha. SHIRLEY (1977, p. 272) aponta que as atividades proselitistas dos metodistas no Jericó se encerraram na década de 1.920, com a conversão dos membros da família Mariano Leite que impuseram mais resistência à nova fé.  Porém, convém ressaltar que os metodistas do Jericó abriram um novo campo missionário em meados da década de 1.920, com pregações e cultos nos bairros da Palmeira, Cume e Desterro. Essa atividade missionária, feita no lombo dos cavalos, resultaria na criação da Igreja Metodista do Cume, em 1.928, a qual passaria a agregar em suas fileiras membros das famílias Leite, Oliveira, Toledo, Monteiro, Alves da Silva e Martins de Castro. Já no final da década de 1.940, a despeito da hostilidade de alguns católicos e do pároco local, começariam um trabalho missionário na cidade, na praça Dr. Prudente Guimarães, que culminaria na fundação da Igreja Metodista Central de Cunha, em agosto de 1.953. O antropólogo SHIRLEY (1977, p. 273) afirma que isso só foi possível graças ao juiz de direito da Comarca de Cunha na época, que também era protestante, e dava suporte legal às práticas religiosas dos protestantes, evocando a liberdade de culto, e exigia, quando necessário, a proteção policial aos crentes, se fossem vítimas de atos de intolerância. E soma-se a isso, o fato do prefeito daquele período, que era simpático aos metodistas, visando, claro, receber o apoio político dos fazendeiros e das famílias evangélicas.

Outra coisa interessante é que a implantação do Metodismo encontrou pouco resistência católica e não há, nas primeiras décadas, graves relatos de intolerância religiosa, conforme pesquisou WILLEMS (1947, p. 68). As querelas e as hostilidades dos católicos para com os metodistas só vão ocorrer quando a Igreja Metodista tenta se instalar na zona urbana, onde a influência e o controle da Igreja Católica eram infinitamente maiores. O fato dos metodistas contarem em suas fileiras com fazendeiros, do bairro do Jericó estar isolado da zona urbana, da região possuir uma ligação muito grande com o Taubaté, impossibilitando qualquer boicote econômico, e dos comerciantes urbanos católicos precisarem negociar com os fazendeiros metodistas são fatores apontados pelos estudos sociais como mitigadores da tensão religiosa (SHIRLEY, 1977, p. 272). A rápida expansão metodista se deve, em parte, pela escassez de sacerdotes católicos, que deixavam os seus fiéis desassistidos espiritualmente, o que facilitava à adesão ao Protestantismo, que a despeito das inúmeras diferenças doutrinais, comunga com o Catolicismo a crença no mesmo Deus, o mesmo livro sagrado e a mesma fé na salvação dos pecadores. As pregações em português que ocorriam nos cultos, quando as missas eram celebradas em latim, também pode ser considerado um fator que contribuiu para engrossar as fileiras metodistas. O estudo sociológico conduzido por WILLEMS (1947, p. 131) identificou a introdução do Metodismo no universo rural cunhense como um fator de ruptura na homogeneidade da sociedade agrária tradicional, pois a fé protestante tende a rejeitar as crenças mágicas e sobrenaturais, comuns em uma sociedade de folk. Sendo assim, para Willems a presença protestante era um indício de transição na sociedade cunhense, por contribuir com a secularização da cultura local e racionalização das experiências/atividades cotidianas.

Atualmente, o município de Cunha conta 3 igrejas metodistas independentes: Jericó (igreja-mãe), Cume e cidade de Cunha (chamada de “Central”), além de diversas congregações espalhadas pelos bairros rurais e urbanos. Por ter sido até pouco tempo uma igreja eminentemente rural aqui em Cunha (SHIRLEY, 1977, p. 280), o número de fiéis metodistas foi fortemente impactado pelo êxodo rural. Muitas famílias metodistas partiram para outras cidades em busca de melhores condições de vida e trabalho, mas conservaram a fé. Contribuiu para essa situação a expansão da pecuária leiteira e de corte em Cunha, que exerce fator de repulsão na mão de obra rural, conforme estudo de SHIRLEY (1977, p. 273). Em quase todas as igrejas do Vale e até em cidades da Grande São Paulo, a comunidade de cunhenses e descendentes entre os congregantes é numerosa. Assim, se por um lado o êxodo rural contribui para o esvaziamento das igrejas metodistas da roça, acabou reforçando o contingente de membros e a atividade missionária de outras igrejas metodistas da região. Das diversas igrejas evangélicas instaladas em Cunha, quase todas foram formadas ou contaram em seu início com ex-metodistas. Os eventos e associações que reúnem os evangélicos de Cunha (“Cruzada Evangelística Cunha para Cristo”, COPEC – Conselho de Pastores Evangélicos de Cunha) sempre tiveram a Igreja Metodista como participante pioneira e incentivadora.

Mais de 100 anos depois da instalação da primeira igreja protestante em Cunha, os metodistas ainda continuam a ser o maior grupo desse segmento religioso no município, contabilizando 5,7% da população total (IBGE, 2010). Um fato raro para uma denominação protestante histórica, tendo em vista o acelerado crescimento das denominações neopentecostais nas últimas décadas em nosso país. Não é por acaso que as lideranças metodistas no estado de São Paulo costumam se referir a Cunha como “celeiro de metodistas”. Em termos proporcionais, Cunha é o segundo com mais metodistas no estado, ficando atrás apenas de Emilianópolis, na região de Presidente Prudente. Junto à sociedade cunhense, a Igreja Metodista goza de grande reconhecimento público, seja por sua presença centenária ou pela participação ativa dos seus membros na comunidade cunhense. É respeitada tanto pelas autoridades políticas como pelas pessoas que professam outros credos.

A história dos metodistas em Cunha e das outras denominações evangélicas, como a Assembleia de Deus, que é muito numerosa em Campos de Cunha, ainda está para ser contada.

Referências:

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HOLANDA, Sérgio B. de. Vale do Paraíba – Velhas Fazendas. In: ______. Livro dos Prefácios. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 240 – 282.

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WILLEMS, Emílio. Cunha: tradição e transição em uma cultura rural do Brasil. São Paulo: Secretaria da Agricultura do Estado de S. Paulo/Diretoria de Publicidade Agrícola, 1947.

Foto: postada pelo Sr. Jorge Prudente no grupo Memória Cunhense. Na foto é possível observar os fiéis metodistas à frente e o antigo templo ao fundo. Este edíficio religioso foi restaurado e serve atualmente como salão social para igreja local, recebendo a denominação “Reverendo William Bowman Lee”, homenagem ao dinâmico pastor e missionário estadunidense, que atuou por muitos anos nos bairros do Jericó e do Cume. Data: provavelmente década de 1.940.

Obs.: Agradeço ao Rev. Flávio Moraes de Almeida, que já pastoreou a Igreja Metodista Central em Cunha, pelo envio de material e pelas dicas valiosas.

Florestas nativas crescem mais de 80% no Vale do Paraíba paulista

Mapeamentos feitos a partir de imagens de satélite revelaram que entre 1985 e 2015 as áreas de floresta passaram de 250 mil para 455 mil hectares, o que representa um acréscimo de 83% em floresta nativa na porção paulista do Vale do Paraíba, região localizada ao longo do curso do Rio Paraíba do Sul, leste do Estado de São Paulo e sul do Rio de Janeiro, cortada pelo eixo viário que conecta os dois maiores centros urbanos do País. O estudo foi conduzido pela Embrapa Monitoramento por Satélite (SP) e mostrou que a alteração ocorreu principalmente em porções antes ocupadas por pastagens. Atualmente, a cobertura florestal nativa representa 33% da bacia do Rio Paraíba do Sul, no seu trecho paulista, ante 18% registrado em 1985.

O aumento das áreas de florestas na região não ocorre por meio do plantio de novas árvores, mas pela regeneração da vegetação em áreas onde a agricultura e a pecuária não são competitivas, principalmente sobre terrenos declivosos. Segundo o pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite Carlos Cesar Ronquim, os fatores que contribuem para esse crescimento são diversos e estão interligados. “A característica do relevo da região é um ponto importante. O Vale do Paraíba está situado entre duas formações montanhosas, a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar. Mais de 50% de sua área total, calculada em quase 1,4 milhão de hectares, é dominada por terrenos com grau de declividade acima de 20%, um relevo acidentado que dificulta a ocupação por culturas agrícolas e o uso de mecanização e irrigação”, afirma.

A região mostra-se adaptada preferencialmente para o cultivo de pastagens extensivas, responsáveis pela produção de carne e de leite. Mas até mesmo a pecuária enfrenta problemas com a rentabilidade da produção e tem dificuldades para manter a atividade e competir com outras regiões mais aptas. “O menor investimento dos proprietários contribui para a diminuição do manejo em áreas menos adequadas ao pastoreio pelos animais, como os topos de morros e as encostas mais íngremes. As leis ambientais em vigor também impõem restrições que dificultam o corte ou a queima da ‘capoeira’ que se forma nessas porções sem manejo. O abandono dessas áreas acaba favorecendo a volta da vegetação nativa”, explica o pesquisador.

Sequestro de Carbono

Em 30 anos, a recuperação de 205 mil hectares de florestas nativas do bioma Mata Atlântica, registrada na região do Vale do Paraíba paulista, representou um sequestro de 35,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono – isso sem contar os valores acumulados nas raízes, no solo e na serapilheira, camada de matéria orgânica que fica na superfície do solo. A quantidade de carbono sequestrado por hectare foi obtido a partir da revisão de estudos sobre florestas nativas primárias e secundárias do Sudeste brasileiro.

Ronquim explica ainda que a vegetação desta região da bacia do Rio Paraíba do Sul está contribuindo positivamente para a diminuição da concentração de CO2 na atmosfera, e, consequentemente, os impactos negativos do efeito estufa. “Se considerarmos toda a área de floresta nativa do Vale do Paraíba paulista, calcula-se um sequestro 129,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono”, afirma o pesquisador. Somada às áreas com plantios de eucalipto, que contribuem com 16,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono, a quantidade sequestrada pelo componente florestal da região alcança 145,6 milhões de toneladas. Estes e outros resultados foram apresentados em setembro no simpósio internacional SPIE 2016 Remote Sensing and Security + Defence, realizado em Edimburgo, na Escócia, e estarão descritos no artigo científico publicado neste mês.

De acordo com dados do Observatório do Clima, o Brasil lançou na atmosfera, em 2014, cerca de 1,6 bilhão de toneladas de dióxido de carbono. A mudança de uso da terra, relacionada principalmente a desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, é o maior responsável pelas emissões, contribuindo com 472,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Para o pesquisador Carlos Cesar Ronquim, o Vale do Paraíba paulista apresenta um fenômeno inverso ao que ocorre no Brasil. “A região está contribuindo para o aumento no sequestro do carbono da atmosfera justamente por meio da mudança de uso da terra – só que ao invés da perda de florestas para as pastagens, consequência de desmatamentos, está ocorrendo o crescimento de florestas nativas sobre áreas antes ocupadas por pastos”, explica.

Ele ressalta que o pagamento por serviços ambientais e outras vantagens econômicas, como o mecanismo de Redução de Emissões pelo Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), podem ser alternativas promissoras de compensação para o produtor rural que preserva suas florestas e protege a biodiversidade em sua propriedade. Além de contribuir para o sequestro do carbono, a recuperação florestal traz ainda outros benefícios, como a regulação da temperatura e da umidade do ar, o aumento da infiltração da água no solo e o suprimento dos lençóis freáticos, a redução da erosão e a formação de barreiras naturais contra pragas e doenças da agricultura.

Floresta, pasto e eucalipto

Os dados levantados pela Embrapa Monitoramento por Satélite são resultados do projeto de pesquisa GeoVale. O objetivo do estudo foi mapear as principais mudanças no uso e cobertura das terras da região ocorridas entre 1985 e 2015, com foco nas áreas de floresta nativa, pastagens e reflorestamentos de eucalipto. As pastagens, voltadas para a produção de carne e leite, ainda representam a maior cobertura, com 651 mil hectares. Porém, nos últimos 30 anos essa área regrediu 32% e quase metade do pasto que ainda existe na região, cerca de 40%, apresenta distintos estágios de regeneração da vegetação nativa – o chamado “pasto sujo”, que não é mais manejado e ao longo dos anos poderá formar novas florestas.

Nesses 30 anos, as pastagens cederam espaço também para os reflorestamentos de eucalipto, que atualmente ocupam 114 mil hectares e representam 8,1% da área do Vale do Paraíba paulista. A silvicultura, com base na eucaliptocultura, foi o setor da economia agroindustrial que mais se desenvolveu econômica e tecnologicamente. Ronquim explica que dentro do plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), do governo federal, as florestas plantadas representam uma das estratégias que permitem conciliar a produção de madeira e bioenergia com a redução da emissão dos gases de efeito estufa.

A pecuária permanece como a principal geradora de renda agrícola na região. Apesar da redução das áreas de pastagem, a produção de carne e de leite aumentou entre 1985 e 2015 – a produção de carne passou de 731 mil para 2,9 milhões de arrobas e a produção leiteira saltou de 187 mil para 206 mil litros, mesmo com um rebanho menor. Índice que mede o desempenho econômico das principais atividades agrícolas, o Valor da Produção Agropecuária (VPA) da carne vem crescendo desde a década de 1990 e atualmente é a atividade que mais contribui para a renda na região. A produção de leite, por outro lado, vem diminuindo sua participação no VPA e atualmente compete com a eucaliptocultura pelo posto de segundo maior contribuinte para a geração da renda agrícola no Vale do Paraíba paulista.

Arroz

O arroz ainda é a principal cultura agrícola da bacia, que detém perto de 85% da produção do Estado de São Paulo. Entretanto, de acordo com os dados levantados pela Embrapa, as áreas cultivadas também vêm diminuindo. Em 1985, a atividade ocupava uma área de 23,4 mil hectares. Já em 2015 a produção ocorreu em apenas 11,8 mil hectares. O baixo preço de mercado e a diminuição na oferta de mão de obra estão entre as principais dificuldades enfrentadas pelo produtor, mas a escassez de água também aparece como fator limitante.

O cultivo de arroz no Vale do Paraíba ocorre por meio de inundação, principalmente na várzea do Rio Paraíba do Sul, e a água vem direto da Serra da Mantiqueira. O baixo volume que os produtores conseguem captar, devido às frequentes secas e à restrição imposta pelos órgãos reguladores estatais, está sendo insuficiente para produzir adequadamente e manter a qualidade do cereal”, explica Ronquim. Na competição por área, ele cita ainda a expansão da urbanização e a atividade de extração de areia. “A área ocupada para extração de areia, na região, já é superior a 2,3 mil hectares”.

Fonte: Graziella Galinari – Embrapa Monitoramento por Satélite
Link: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/17162859/florestas-nativas-crescem-mais-de-80-no-vale-do-paraiba-paulista

Glossário de História Luso-Brasileira

O Glossário de História Luso-Brasileiro é um projeto do Arquivo Nacional, que nasceu das pesquisas em documentos dos séculos XVI às primeiras décadas do XIX, a partir de levantamentos feitos no próprio acervo da instituição. “Das cartas régias, alvarás, da correspondência e legislação em geral, destacaram-se termos que geraram verbetes a partir da própria escrita, das expressões empregadas, de um léxico que em si mesmo é fato histórico.”.

Muitas expressões de época, conceitos, ideias e pensamentos não se encontram em dicionários convencionais e precisam um léxico histórico próprio para que possam ser decodificados e esclarecidos, a fim de clarificar documentos nem sempre inteligíveis à pessoa do século XXI.

“Além de temas importantes como por exemplo, o café, o açúcar, a escravidão, estão presentes também os bandos, capitulações, corvetas, celamins, ‘devoradores de trono’, entre outros termos carregados de historicidade e que muitas vezes não fazem mais parte do repertório linguístico atual, mas que estão presentes no nosso vocabulário histórico.”

Arquivo Nacional

O Glossário da História Luso-Brasileira reúne cerca 2000 verbetes explicativo, que auxiliam o entendimento da terminologia encontrada nos documentos que estão no acervo do Arquivo Nacional e ajudam a compreender melhor a História do Brasil.

Para acessar o GLOSSÁRIO LUSO-BRASILEIRO, clique AQUI.