“Eu ando de quarqué jeito, de butina ou de chinela Na roça si a fome aperta, vou apertano a fivela Mas lá no meu ranchinho, a mulher e os filhinhos Tem franguinho na panela (...)” (Franguinho na panela, música composta por Moacyr dos Santos e Paraíso)
Final de setembro de 1932. Chegava a primavera no Vale, época de arar a terra e semear para aproveitar a época das águas. Mas naquele ano de 1932, especificamente naquele ano, as terras de todo o Vale do Paraíba já haviam sido lavradas por trincheiras. Plantações de capacetes de aço, caules fardados de cor cáqui, de cujo punho brotam fuzis. Rumorosas e sangrentas eram aquelas lavouras adubadas à pólvora… Grande sofrimento para as mães dos soldados que não voltaram, grande sofrimento para o povo do lugar sem poder plantar… O mundo tinha virado de pernas para o ar.
Não só a estação havia mudado, mas a sorte e o ânimo dos paulistas. Já se delineava o resultado do embate, apontando a vitória das tropas da ditadura. Em menor número e sem munição, os paulistas recuavam em direção à sua capital.
Foi no dia 15 de setembro o recuo mais dramático da guerra perdida, quando abandonaram a cidade de Lorena. Os paulistas, constitucionalistas, vendo o cerco se fechar, adotaram como tática a “terra arrasada”, para retardar e enfraquecer as linhas outubristas. Dos gêneros e víveres que para tropa inimiga poderia ser comida, nada restou. Não sabiam os combatentes que com essa ação insensata, recairia a carestia muito mais sobre o valente povo paulista do que sobre os soldados da ditadura. Do pouco que ainda tinham, foram forçados a ceder às tropas famintas de pão e sangue, que invadiam sem pedir licença, fiéis representantes que eram do regime do arbítrio. Para nosso desgosto, a linha de defesa se contraiu, atingindo a estação ferroviária de Engenheiro Neiva, na velha cidade de Guaratinguetá. Essas novas trincheiras, cavadas na iminência da derrota, foram a “musa” de Guilherme de Almeida, no épico “Oração ante a Última Trincheira”.
E foi no alvoroço desses acontecimentos e contratempos, que Laura de Azevedo Fontes, uma moça de 14 anos na época, recebeu – com a bravura que é própria das mulheres paulistas – um contingente grande de incômodos visitantes, ameaçando o saque, exigindo a boia ou o fogo grassaria pela Fazenda do Sertão, em Cachoeira Paulista, onde ela e a família estavam refugiados naqueles dias de setembro. Sacando o que tinha na dispensa (leite talhado) e o que restava no terreiro (galinhas velhas), na base do improviso e na boa mão que Deus lhe para os temperos, nasceu um prato novo para acalmar o estômago das tropas: um frango frito à moda da Revolução. A receita agradou paladares e amansou o ânimo dos soldados. Cessado os embates, abaixada a poeira, a receita foi sendo repassada e replicada, geração após geração, até chegar até nós. Revoluções findam-se; a gula, nunca.
Frango à Revolução 1 frango caipira (ou de granja) grande, cortado em pedaços 2 colheres (sopa) de suco de limão 3 dentes de alho amassados 1 folha de louro picada Sal e pimenta a gosto 4 colheres (sopa) de óleo de urucum (ver receita abaixo) 2 cebolas grandes, cortadas em rodelas 3 xícaras (chá) de coalhada 4 colheres (sopa) de cheiro-verde picado Modo de preparo: Em uma tigela, tempere o frango picado com o suco de limão, o alho, o louro, o sal e a pimenta a gosto. Cubra e deixe descansar por 3 horas ou de um dia para o outro, para o frango pegar melhor o tempero. Aqueça o olho de urucum em panela, em fogo alto. Junte o frango e deixe dourar. Acrescente a cebola e refogue até ficar macia. Adicione a coalhada, misture, tampe e deixe ferver. Reduze o fogo e cozinhe, mexendo de vez em quando, até o frango ficar macio. Acrescente o cheiro-verde e misture. Prove o tempero e, se for necessário, junte mais uma pitada de sal e pimenta a gosto. Tire do fogo, passe para uma travessa e sirva. Rendimento: 6 porções. Como temperar o óleo com urucum: 5 colheres (sopa) de sementes de urucum 2 xícaras (chá) de óleo Ponha o óleo em uma panela e misture as sementes de urucum. Mexa e aqueça em fogo alto até o óleo ficar bem vermelho. Tire do fogo, deixe esfriar e coe, para retirar as sementes do óleo. Reserve o óleo temperado para utilizar em outras preparações.
O urucum e a coalhada dão cor e sabor ao frango à Revolução. Um delicioso prato histórico!
Fonte:
FERNANDES, C. A Culinária Tradicional Paulista nos hotéis SENAC São Paulo. São Paulo: Editora SENAC, 1998. pp. 74-75.