Entrevista com o professor Victor Amato dos Santos

Montagem sobre foto de Chayeni Fiorelli.

O professor Victor Amato dos Santos é figura conhecida e querida no cenário cultural cunhense. Uns o conhecem por ser o maestro da União Musical Cunhense, a banda de Cunha, que sempre se faz presente nas nossas festas cívicas e religiosas. Outros recordam dele na Banda Furiosa, com as marchinhas que alegravam os foliões nas tardes de Carnaval. E tem aqueles que acompanham as suas postagens no grupo “Memória Cunhense”, no Facebook. Ele está sempre publicando um texto ou nota sobre algum cunhense inolvidável, sobre alguma tradição da nossa gente ou algum dobrado ou samba de sua autoria. O Victor é professor de Língua Portuguesa na Escola Estadual Paulo Virgínio. Trabalha diariamente com a escrita. E foi assim, escrevendo, que ele nos presenteou com dois livros: “A História do Carnaval de Cunha”, em 2012, e a “A História da Música em Cunha”, em 2014. São obras que vêm do seu interesse por história e são frutos do seu amor por Cunha. Por isso, estamos no aguardo da terceira. Será que sai? Para responder essa e outras perguntas, pedi que nos concedesse uma entrevista. Ele é incentivador antigo do Jacuhy, quando ainda estávamos no ninho. E ele, prontamente e gentilmente, nos atendeu.

Jacuhy: Primeiramente, Victor, eu agradeço a sua boa vontade em conceder esta entrevista, tirando um tempinho das suas merecidas férias.  É sempre uma honra contar com o seu apoio e parceria, pois você é uma referência para todos nós que amamos, lutamos e defendemos a História e as Tradições de Cunha. E é sobre isso que gostaria de começar a nossa conversa. Em 1971, o antropólogo estadunidense Robert W. Shirley lançou o livro “O fim de uma tradição” (depois, em 1977, traduzido para o português pelo professor João Veloso), fruto das pesquisas de campo realizadas por ele em Cunha, na década de 1960. A conclusão a que ele chegou foi de que o fim das tradições de Cunha era iminente, em virtude do êxodo rural, do avanço da industrialização e do fim do isolamento de Cunha, rompido pela popularização da mídia eletrônica, pelas ligações rodoviárias e pelos projetos estatais de integração. Você, como agente cultural e estudioso do assunto, olhando em 2023 para a conclusão do antropólogo Shirley, como a enxerga? Acertou? Equivocou-se? E ainda sobre o assunto, qual é a situação dos grupos tradicionais e folclóricos de Cunha atualmente?

Victor: Primeiramente, agradeço as suas considerações a meu respeito. Seu empenho no sentido de aprofundamento sobre as pesquisas já realizadas sobre Cunha é admirável!

Sobre a questão levantada, graças a Deus Shirley se equivocou em relação às previsões de desaparecimento da cultura cunhense, apresentadas em “O Fim de uma Tradição”.

Cunha, como poucos lugares, soube receber as novidades do mundo atual, mas sem deixar para trás as suas raízes mais profundas dos antigos costumes, muitos ainda dos tempos da formação da Povoação oficial e da Fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Facão. Estão aí as festas de São José da Boa Vista, de São Benedito, do Divino e da Padroeira; o carnaval de rua; a tradicional Semana Santa; o boneco do Judas; as folias de Reis (da cidade e da zona rural) e do Divino Espírito Santo; as congadas (moçambiques); os violeiros; o jongo; a banda de música – que já tem quase dois séculos de existência –; os benzedores; os artesãos e ceramistas; dentre outras manifestações de cultura e de religiosidade popular de não menor importância que as citadas. Vivíssimas no presente, comprovam em plenitude o que afirmo aqui. Esses elementos são aquilo que verdadeiramente atrai o turista para o nosso Município, aliados à paisagem natural exuberante de que dispomos e da qual, responsavelmente, temos o prazer de desfrutar.

Aliás, como um dos que trabalham dentro desse círculo das tradições cunhenses, ainda não vi acontecer qualquer trabalho de resgate de manifestações culturais do nosso município, mas sim um grande empenho de todos os líderes e membros de cada respectivo agrupamento cultural em mantê-los em pleno vigor – só deve ser resgatado aquilo que foi perdido; e, graças a Deus novamente, não tivemos perdas nesse sentido por aqui!

A banda União Musical Cunhense no topo da Pedra Marcela, em 2013, na gravação da música “Aqui é o meu lugar”, tema da TV Vanguarda. Foto: Bethânia Fochi.

Jacuhy: Em novembro de 2021, você surpreendeu a todos anunciando o fim da participação da Banda Furiosa, que alegrava os foliões com suas marchinhas, no carnaval de Cunha. Sua decisão, segundo o que escreveu, foi motivada pelo cumprimento do papel educativo que Banda Furiosa buscava exercer nos 15 anos que participou do carnaval, formando, nas suas palavras, uma “geração que soubesse brincar o carnaval sem os excessos que o caracterizam (…) dar espaço para o encontro saudável entre gerações (crianças, pais, avós e bisavós), que só demonstraram Educação, alegria inocente, satisfação e afins para compartilhar.”. Acrescentou, ainda, que seus problemas de saúde dificultavam muito o seu serviço à frente da Banda. Esse foi um adeus definitivo ou temporário do carnaval? A Banda Furiosa vai continuar abrilhantando as festividades cívicas e religiosas do município? Quais são os desafios que a Banda Furiosa enfrenta para manter-se viva e atuante, como tem sido desde sua formação?

Victor: Há de se diferenciar, primeiro, a banda de música da cidade – que já é quase bicentenária – do conjunto Banda Furiosa, criado por mim em 2005 para realizar as matinês no carnaval cunhense.

Se o conjunto carnavalesco encerrou suas atividades por ter, como expliquei, atingido o propósito para o qual foi criado, a banda de música tradicional – hoje União Musical Cunhense — encontra-se em pleno funcionamento, e espero que assim continue por muitos e muitos anos.

Não posso deixar de mencionar que todos os que nos dedicamos aos trabalhos à frente de cada grupo da tradição e da cultura de Cunha nos vemos, frequentemente, diante e nas mãos de pessoas que têm tudo para nos dar o devido apoio; mas, em incontáveis vezes, elas se deixam levar pelo orgulho, pela vaidade, pela inveja e pela ganância, o que nos traz desmotivação pelos desgastes desnecessários pelos quais nos vemos obrigados a passar. Com a Banda Furiosa não foi diferente. Foi também por isso que decidi encerrar suas atividades no carnaval de Cunha.

Na União Musical Cunhense, que atualmente tem participado mais e de forma gratuita das festividades da Igreja Católica local, enquanto eu fizer parte da mesma e tiver condições para tanto, estarei a ensinar os princípios da Arte Musical para crianças e jovens, com a intenção de realizar a necessária reposição de elementos, para a preservação deste que é o grupo musical mais antigo de Cunha. Sou o nono maestro nesses quase duzentos anos de existência da nossa banda de música, e já formei inúmeros músicos, com a colaboração do meu amigo Tonico Capítulo, nesses meus já 35 anos de atuação como multi-instrumentista, professor de Música e maestro. Deus continue a me conceder a saúde e a orientação necessárias para continuar esses trabalhos.

Marchinha da Banda Furiosa, de autoria de Victor Amato dos Santos. Vídeo cedido pelo entrevistado.

Jacuhy: Depois de muitos anos trabalhando nas secretarias das escolas por onde passou, você retornou para sala de aula, atuando com professor de Língua Portuguesa. Essa volta quase que coincidiu com um momento importante para a rede estadual aqui em Cunha, que foi a adesão de todas as escolas ao programa de tempo integral. Como você vê esse programa? Quais são suas expectativas em relação a ele?

Victor: Sabe, nunca trabalhei especificamente em secretaria de escola nesse período em que tive de, contrariado, me afastar, por questões de saúde, das atividades em sala de aula: organizei ricos acervos de multimídia; pintei faixas divisórias de vagas em estacionamento interno de escola; tendo a devida formação para tanto, fiz diversos trabalhos de encanador e de eletricista; desentupi redes sanitárias; montei salas de leitura; ajudei em secretaria e em cozinha (manutenção de equipamentos e de instalações, com o devido conhecimento técnico); e, principalmente, atendi ao professor João Veloso em suas atividades histórico-culturais e às Redes Pública (Municipal e Estadual) e Particular de Educação em nosso Município. Isso sem deixar a nossa banda de música para trás, e também atendendo a muitos pedidos das Secretarias Municipais de Educação e de Turismo e Cultura.

Por isso é que tenho me sentido bastante cansado, física e mentalmente.

Quanto ao PEI (Programa de Ensino Integral), este continua a ser observado por mim. Não tenho ainda opinião formada sobre os resultados que ele poderá trazer à população cunhense. É preciso que eu trabalhe, como professor de Língua Portuguesa, mais este ano de 2023 nesse projeto do Estado de São Paulo, para que as devidas observações sejam feitas e, desse modo especificamente, eu possa continuar o meu aprimoramento como profissional da Educação.

Capas dos livros de história de Cunha lançados pelo professor Victor Amato dos Santos.

Jacuhy: Em 2017, você esteve coordenou o movimento que buscava retificar a data de aniversário de Cunha, estabelecendo o dia 19 de março de 1724 como data de fundação do município. Tanto o Legislativo quanto o Executivo Municipal acolheram a mudança proposta, visto que foi amplamente embasada em fontes históricas e corroborada pelo livro “A História de Cunha: 1600 – 2010” e pelo próprio autor, o professor João Veloso. Algumas pessoas na época não gostaram e protestaram pelas redes sociais, dizendo que era uma questão irrelevante. Por que você insistiu para que ocorresse essa retificação? O que Cunha ganhou com essa mudança?

Victor: Foi um esforço sobre-humano o que fiz para que fosse aprovada, pelo Legislativo e pelo Executivo Municipais, a necessária retificação da data histórica da Fundação de Cunha e as consequentes adaptações, com base na tese mais que coerente do Professor João Veloso, publicada em 2010 sob o título “A História de Cunha – 1600-2010 – A Rota de Exploração das Minas e Abastecimento das Tropas”.

A saúde frágil do nosso historiador João Veloso já dava sinais de que ele não estaria mais por muito tempo entre nós; daí ser necessária, para que ele fosse reconhecido oficialmente em vida pelo seu trabalho, uma ação urgente, que foi respaldada pelo então prefeito Rolien Garcia e pela maioria dos vereadores daquele período – como você sabe, houve quem votasse contra a retificação… –; além do auxílio de colaboradores da causa, como você mesmo, o Joás Ferreira de Oliveira, a maioria dos colegas de trabalho das escolas públicas e particulares do nosso Município e, principalmente, da maioria da população cunhense.

Isso agregou maior valor histórico, cultural, social e antropológico a Cunha, o que se reflete nitidamente nos aspectos que dão embasamento ao movimento em torno do turismo, ao qual Cunha tem se dedicado com afinco nessas últimas três décadas.

Enfim, tudo foi posto no devido lugar, para que, com o respaldo das pesquisas do Professor João Veloso, pudesse ser devidamente preservado.

Em família: Victor e os integrantes da Banda Furiosa, sempre alegrando as tardes do Carnaval de Cunha.

Jacuhy: Com a retificação e o estabelecimento do ano de 1724 como data de fundação, aproximou-se de todos nós a comemoração dos 300 anos de fundação de Cunha, afinal, 2024 é ano que vem. O que você espera, em termos de eventos, em relação a essa comemoração? Qual seria o maior presente para Cunha nesse tricentenário?

Victor: O movimento em torno das comemorações do Tricentenário de Fundação de Cunha já deveria estar acontecendo intensamente, com o envolvimento de todos os setores da sociedade local.

Para tanto, a Paróquia Nossa Senhora da Conceição, sob o comando do Padre Fábio Nogueira de Sá e com bastante auxílio de minha parte, já promoveu a restauração da imagem de Nossa Senhora da Conceição do Facão, e também   das imagens da Sagrada Família da Boa Vista; isso sem contar as restaurações de templos históricos como a Capela da Boa Vista (o “Berço” de Cunha), a matriz e a igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito.

Ainda em forma de lei municipal, há uma “receita” para serem desenvolvidos todos os atos necessários a uma comemoração à altura da data tão importante a todos nós. Espero que a legislação municipal correspondente seja cumprida plenamente, para que tudo saia como tão importante momento exige.

A banda União Musical Cunhense presente na Procissão das Bandeiras, na Festa do Divino Espírito Santo de Cunha, em 2018. Foto: Chayeni Fiorelli.

Jacuhy: Em seu livro “A História da Música em Cunha”, escrito junto com o professor João Veloso, lançado em 2014, você demonstra que existe uma tradição musical muito antiga – e rica – em Cunha. No início do século XXI, você participou e ajudou a implementar um projeto de educação musical na Escola Estadual Paulo Virgínio, que foi um sucesso e rendeu frutos. Alguns integrantes da Banda, por exemplo, foram formados no projeto. Sabendo da importância da formação musical para crianças e jovens para dar continuidade a essa tradição cunhense, existe a viabilidade de um projeto similar aquele que foi implantado há 20 anos ser implantado em alguma escola de Cunha? Quais contribuições o ensino de música pode trazer para aprendizagem dos alunos?

Victor: Depois do período a que você se refere – ano 2001 –, já houve formação de outros vários integrantes, mas na garagem da minha casa – que por certo tempo, foi usada como sala de ensaios e de aulas de Música –; e, a partir de 2011, na atual sede da banda (atrás do cinema).

A formação de novos músicos é um processo contínuo, que tem de ocorrer pelo menos a cada quinquênio; ou então a banda entra em decadência por falta de componentes e se encaminha para a extinção. Nunca cobrei um centavo sequer de quem aprendeu Música comigo nessas últimas três décadas em que me dedico à manutenção plena da nossa banda de música. E já está chegando a hora de eu formar uma nova turma de músicos, com o auxílio, na parte prática, dos membros mais antigos da banda. Talvez essa parte teórica inicial seja ministrada ainda este ano por mim na disciplina Eletivas, do PEI, mas ainda não estou certo disso.

Dobrado João Veloso, de autoria de Victor Amato dos Santos, tocado pela banda União Musical Cunhense. Homenagem feita ao professor João Veloso em 2017.

Jacuhy: Foi uma grande perda para Cunha o falecimento do professor e historiador João José de Oliveira Veloso, ocorrido em 30 de novembro de 2020. Ele foi um mestre para todos nós. Você, como amigo e admirador do professor João Veloso, foi a pessoa que mais lutou para que ele tivesse o merecido reconhecimento em vida, fazendo tudo o que estava em seu alcance. Qual é o principal legado deixado pelo professor João Veloso? O que o Centro de Cultura e Tradição de Cunha, o Museu Municipal Francisco Veloso e o COMPHACC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural de Cunha), entidades criadas por ele, podem fazer para tentar preencher a lacuna que a ausência do professor provocou, dando continuidade ao trabalho do João Veloso?

Victor: Acima dos resultados que o Professor João Veloso conseguiu atingir através das pesquisas que realizou durante aproximadamente 5 décadas, creio que o maior legado deixado por ele é o amor incondicional por Cunha.

Sua ausência física deixou incontestavelmente uma lacuna muito difícil de ser preenchida, uma vez que esse preenchimento exige não só habilidades intelectuais, mas também uma paixão sadia por esse nosso “Mar de Morros”, tal qual a que ele sempre soube cultivar e preservar intacta dentro de si.

Vê-lo reconhecido em vida e tão emocionado com tal atitude, esse foi um dos maiores presentes que os meus olhos já puderam contemplar. Sou muito feliz e grato a Deus por isso.

Quanto aos trabalhos do Museu Francisco Veloso e do Centro de Tradição e Cultura de Cunha, tive de me afastar temporariamente dos mesmos, por conta das minhas atividades profissionais, que se intensificaram com a chegada do PEI à EE Paulo Virgínio, onde trabalho. Mas creio que tudo esteja correndo bem por lá. Estão em boas mãos, principalmente nas das funcionárias, sempre tão dedicadas e muito bem formadas pela convivência de décadas com o Professor João Veloso.

João Veloso, Victor e integrantes da banda União Musical Cunhense no lançamento do livro “A História da Música em Cunha”. Data: 2014. Foto: Geraldo Magela Tannus.

Jacuhy: Victor, você já publicou dois livros sobre a História de Cunha (“A História do Carnaval de Cunha”, 2012; “A História da Música em Cunha”, 2014) e contribuiu com um de poemas (“Poetas de Cunha”, 2007, organizado pelo saudoso professor Ernesto Veloso dos Santos). Tem sido um colaborador assíduo do grupo “Memória Cunhense”, no Facebook, sempre trazendo biografias de cunhenses inesquecíveis. Nós, seus leitores e admiradores, podemos esperar mais um trabalho seu? Se sim, pretende escrever um trabalho de cunho memorialista/biográfico ou publicar os seus poemas?

Victor: Tenho mais materiais que, com o tempo, eu gostaria de transformar em livros para publicá-los. Mas meu tempo tem sido muito restrito a outras obrigações que me prendem de certa forma. E ainda existe a questão do alto valor monetário exigido para se fazer essas edições. Ou seja: é preciso tempo e dinheiro suficientes, para que sejam produzidos trabalhos de qualidade. Nesse sentido, nunca fiz nada que fosse descartável em minha vida. Tudo o que produzi é permanente, visando ao bem-estar de gerações e gerações. Então, se tudo der certo nesse sentido de novas publicações, é desse modo que deverá acontecer.

Jacuhy: Muito obrigado por sua entrevista e colaboração com a nossa página e blog.

Data da entrevista: 28 de janeiro de 2023.

Censo 2022 aponta crescimento da população de Cunha

Contrariando as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos últimos anos, a população de Cunha voltou a crescer. Foram recenseados 22.125 habitantes em todo o município em 2022, durante a realização do Censo. Esse dado foi divulgado pelo IBGE no dia 28 de dezembro de 2022. Trata-se de uma prévia da população de todos os municípios com base nos dados coletados pelo Censo Demográfico 2022 até o dia 25 de dezembro do ano de 2022. A divulgação tem como objetivo cumprir a lei que determina que cabe ao IBGE fornecer ao Tribunal de Contas da União (TCU), anualmente, o cálculo da população de cada um dos 5.570 municípios do país. Seguindo um modelo estatístico, o IBGE entregou um resultado prévio do ano de 2022, tendo em vista que o Censo 2022 ainda não está concluído em muitos municípios. Entretanto, em Cunha já está 100% concluído, com os 74 setores censitários apurados. Portanto, o resultado apresentado já é definitivo.

Observando as projeções populacionais do IBGE de 2019, 2020 e 2021 para Cunha, nota-se que indicavam sucessivas quedas na população municipal. Como essas projeções se baseiam em tendências, é provável que consideraram a redução da população que ocorreu entre os censos de 2000 e 2010. Naquele Censo foram contados 23.062 habitantes; neste, 21.866 habitantes. Assim, ano após ano, o IBGE foi apontando um tênue recuo da população cunhense.

Todavia, em 2022 apurou-se o contrário: houve a interrupção dos sucessivos recuos, registrando um ínfimo crescimento (1,2%). Se isso será uma tendência para as próximas décadas, tendo em vista que a atividade turística vem se fortalecendo nos últimos anos, só o tempo dirá. A estabilidade ou crescimento de uma população depende, entre outros fatores, de uma resposta econômica. Não tem como a população de Cunha crescer sem a economia local oferecer, por exemplo, emprego aos jovens.

Após essa divulgação protocolar, espera-se agora a divulgação completa do Censo 2022, em que outros aspectos da realidade local possam ser conhecidos e analisados. Aguardamos os dados referentes às taxas de população rural e urbana, à pirâmide e composição etária, à renda média, à escolarização, à religião etc. Com esses dados, é possível comparar com os recenseamentos anteriores e indicar mudanças e permanências no tecido social local.

Vista aérea da cidade de Cunha. Imagem: Guará Vídeo Drone (YouTube). Data: junho de 2022.

A população da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) chegou a 2,5 milhões de habitantes. Em relação ao Censo de 2010, a RMVPLN teve um acréscimo de 295.134 habitantes, o que corresponde a um aumento de 13% de sua população. A RMVPLN é composta por 39 municípios. Cunha foi o segundo município da região que menos cresceu, não acompanhando o patamar de crescimento regional. Ainda assim situação melhor do que nos 11 municípios da região (Cruzeiro, Campos do Jordão, Aparecida, Santa Branca, Piquete, São Luiz do Paraitinga, Bananal, Queluz, Redenção da Serra, Areias e Arapeí) que viram a sua população reduzir na última década.

O Jacuhy retornará à análise da população regional, quando o IBGE apresentar os resultados definitivos. Em alguns municípios da RMVPLN, o Censo 2022 ainda está inconcluso.

Referências:
BEAUJEU-GARNIER, Jacqueline. Geografia de população. Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980.
BROEK, Jan O. M. Iniciação ao estudo da geografia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
DAMIANI, Amélia L. População e geografia. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2022: acompanhe a coleta nas UFs e municípios. Disponível em: < https://censo2022.ibge.gov.br/acompanhamento-de-coleta.html?cod=3513603 >. Acesso em 11 jan. 2023.
______. Censo 2022: Tabelas – Prévia da População dos Municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 coletados até 25/12/2022. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-demografico-2022.html?edicao=35938&t=resultados >. Acesso em 11 jan. 2023.
______. Censo 2022: Municípios: prévia da população calculada com base nos resultados do Censo Demográfico 2022 até 25 de dezembro de 2022. Disponível em: < https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2022/Previa_da_Populacao/POP2022_Municipios.pdf >. Acesso em 11 jan. 2023.

Cunha, transporte e desenvolvimento

Rodovia Vice-prefeito Salvador Pacetti (SP-171), quando atravessa o bairro do Taboão. Foto: site Viagens e Caminhos. Data: 2010.

Antes mesmo de Cunha ser Cunha, os caminhos já faziam parte da história deste lugar. A antiga trilha dos Guaianases, o “caminho do Facão”, foi um dos primeiros pontos de entrada para o sertão. Um peabiru que foi amplamente utilizado pelos colonizadores. Aliás, é bem provável que o nosso antigo topônimo “Facan/Facão” seja em razão da condição desse antigo caminho, que vencia a Serra do Mar, mas era dos mais perigosos e precários.

Dizem os antigos cronistas e aventureiros que os Guaianases, primeiros a pisar neste chão, estavam sediados na Ilha Grande. Quando chegava o verão, migravam do litoral rumo ao sertão, embrenhando-se na mata, que, de tanto ser varada, acabou virando a trilha desse povo originário.

Em distância absoluta, a cidade mais próxima de Cunha é Lagoinha (vide Mapa Concêntrico de Cunha abaixo). Dista 23,6 Km. No passado, já chegou a ser distrito de Cunha. Mas somente agora estão a asfaltar a ligação entre elas, via bairro do Jaguarão. A segunda cidade mais próxima, Paraty (RJ), a 30 Km, só foi conectada decentemente a Cunha em 2016, depois de mais um século de reivindicação para o seu calçamento.

É muito pouco para uma cidade que surgiu, justamente, em função dos caminhos.

Está sob a ponte aérea Rio – São Paulo, principal fluxo aeroviário brasileiro. Movimento bem perceptível à noite, com pontos luminosos transitando no céu no sentido Leste-Oeste.

Está conectada por menos de 50 Km, via SP-171, à BR-116, principal rodovia do Brasil.

Mapa Concêntrico em Cunha (SP), apresentando algumas cidades selecionadas como referência. A equidistância entre os círculos em destaque é de 50 Km. O objetivo é mostrar a posição de Cunha entre os dois maiores conglomerados urbanos do Brasil. Além da distância entre as cidades, foram respeitadas as angulações azimutais.Data: 2022. Cartografia: Jacuhy.

Portanto, percebe-se que Cunha não está mal localizada – como sugerem certas pessoas ao tentar justificar o subdesenvolvimento municipal –, já que seu sítio urbano fica entre as duas maiores metrópoles do país; mas é mal servida pela rede rodoviária, modal de transporte predominante no Brasil. E o problema nem é a densidade dessa rede, porque só de estradas rurais o seu território é cortado por mais de 2 mil quilômetros, e, sim, a condição dessas vias. Trata-se de estradas vicinais de terra batida, com manutenção esporádica, inapropriadas ao tráfego nos dias chuvosos.

Até 2016, quando a Estrada Parque Comendador Antonio Conti (RJ-165) foi concluída, a única ligação asfaltada que o município possuía com outro lugar era com Guaratinguetá, pela Rodovia Paulo Virgínio (SP-171), inaugurada em 1967 até a cidade de Cunha. O trecho até a divisa com o estado do Rio de Janeiro foi concluído em 1984.

Sem estradas transitáveis, não há turismo nem escoamento da produção agrícola.

Cidade com clima de montanha, porém bem perto do litoral. Localização privilegiada, isso sim. Só que sem estradas, é mais uma das “cidades mortas” do velho Vale, a espera de uma via transitável que possa ressuscitá-la.

Pelé

Por Armando Nogueira*

O corpo no espaço, em aceleração maravilhosa, inventa gestos que os poetas assinariam.

Lá vai Pelé, com a bola que Deus lhe deu… Os pés em faca, incisivos, cortando o tempo, cortando o caminho, cortando os beques. Inúteis as pernas que tentam aterrá-lo em plena corrida. Ele é uma força da natureza que avança intangível, a recortar no campo a sombra vertiginosa de suas falsas hesitações.

Quem te deu semelhante equilíbrio, rapaz? De que mistério vem a inteligência de teus músculos, que tudo pressentem na geometria de teus dribles? Os anjos que sobrevoam este campo me juram que tu vieste ao mundo para reescrever a bíblia do futebol. Assim seja.

Lá vai Pelé. pintando e bordando, tocando a bola e com ela trocando mil confidências, que os parceiros de jogo não adivinham jamais… Grama, graminha amiga, teu sorriso não me engana! Pelé passou por aqui, deixando na meia-lua um sopro de poesia.

Ouro sobre azul na pequena área. Gol de Pelé!

* Armando Nogueira (1927 – 2010) foi um jornalista e cronista esportivo brasileiro. Pioneiro do telejornalismo, foi responsável pela implantação do jornalismo na Rede Globo (1966 a 1990), com destaque para a criação do “Jornal Nacional”, primeiro jornal com transmissão em rede e ao vivo da história da televisão brasileira. Esse texto foi escrito em outubro de 1977, quando Pelé encerrou sua carreira dentro dos gramados, especialmente para ser lido na homenagem que o “Jornal Nacional” rendeu ao rei do futebol.