O terremoto de Cunha – 22 de março de 1967

O outono tinha acabado de começar. Um dos verões mais chuvosos da história foi aquele da temporada de 1966/1967, no Sudeste Brasileiro. A cidade de Caraguatatuba foi uma das atingidas por tanta precipitação, com deslizamentos que provocaram a morte de 450 pessoas, devastando a cidade do litoral norte paulista. Cunha, muito embora não tenha sofrido, também viveu uma temporada chuvosa. O Paraíba do Sul extravasava, inundando as cidades do seu Vale.

Tudo começou com um estrondo. Trovão? Impossível, o tempo estava bom naquele 22 de março de 1967. Em seguida, o tremor. Panelas areadas e penduradas tilintando. Quadros caindo. Paredes trincando. A água na bacia de banho começou a se mexer. Não durou mais que 3 segundos, mas o susto foi grande. Como disseram: “parecia uma vertigem, uma tontura”. Não, não era vertigem. Era a crosta terrestre se acomodando. Passava das 21h30 da noite de uma quarta-feira e as famílias de Cunha já se preparavam para ir deitar-se. Muitos foram dormir com medo e sem entender nada.

Exceto na cidade. Relata o jornalista da Folha de São Paulo: “Em Cunha repetiu-se a história [de outras cidades do Vale]: o estouro, que ninguém sabe explicar, o tremor e depois a cidade em pânico”. A Polícia Militar teve que intervir para garantir “a ordem” e botar o povo, com medo, para dentro de casa.

Intensidade

Manchete do jornal Folha de São Paulo noticiando o ocorrido, 23 mar. 1967. Fonte: Acervo Folha.

No dia seguinte, pela manhã, o rádio anunciou: “a terra tremeu no Vale do Paraíba”. O epicentro foi em Cunha. Os sismógrafos da USP mediram o sismo e foi aferida uma magnitude de 4,1 na escala Richter. Em aspectos gerais, um tremor ligeiro, de baixa intensidade; mas para os padrões brasileiros, cuja estrutura se assenta no interior da placa tectônica Sulamericana, é muito. Na Escala de Mercalli-Sieberg, o sismo de Cunha foi classificado na intensidade VII, ou seja, “Muito forte”, com os seguintes efeitos perceptíveis: “Caem muitas chaminés. Há estragos limitados em edifícios de boa construção, mas importantes e generalizados nas construções mais frágeis. Facilmente perceptível pelos condutores de veículos automóveis em trânsito. Desencadeia pânico geral nas populações”.

O sismógrafo do Observatório Nacional, localizado na cidade do Rio de Janeiro, registrou o tremor às 21h13, com uma duração de 80 segundos. A população carioca também sentiu o abalo.

O abalo foi sentido em outras cidades: Caraguatatuba, Ubatuba, Aparecida, Guaratinguetá, Lorena, Lagoinha, Paraibuna, São Luiz do Paraitinga, Paraty, São Sebastião, Ilhabela, Angra dos Reis, Barra Mansa e até na cidade do Rio de Janeiro (de forma menos intensa), como mencionado acima. A população das cidades atingidas pelo abalo ficou apavorada e saiu pelas ruas, principalmente em São Luiz do Paraitinga, Ubatuba e Caraguatatuba, a ponto da polícia precisar intervir para acalmar os ânimos. Coube ao professor de Geologia da USP Viktor Leinz explicar o fenômeno e afastar o temor e o possível nexo entre a chuvarada e o tremor. Explicou que esses fenômenos são raros no Brasil e, quando ocorrem, são de baixa intensidade, causando estragos pequenos. E que são frutos da ação de agentes internos, de forças que agem no interior da Terra, sem relação com a atmosfera e a precipitação elevada do verão de 1967. Em seu livro “Geologia Geral”, ele explica que o estrondo ouvido antes do terremoto se deve a uma refração da onda sísmica, que acontece em terra, no ar, propagando assim uma onda na atmosfera em um comprimento perceptível à audição humana.

Causa

Perfil Geológico da Rodovia Paulo Virgínio – SP -171, mostrando as zonas de cisalhamento entre Guaratinguetá e Cunha. Fonte: Dissertação “O complexo embu no leste do estado de São Paulo: contribuição ao conhecimento da litoestratigrafia e da evolução estrutural e metamórfica”, de Amélia João Fernandes, USP, 1991.

O geólogo e professor do Departamento de Geologia, Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE), da Unesp em Rio Claro, José Alexandre Perinotto, explica que os terremotos, também conhecidos como abalos sísmicos, podem ser ocasionados por atividade vulcânica, falhas geológicas ou pelo encontro de placas tectônicas. No caso do tremor de terra que teve seu epicentro em Cunha, a causa foi falha geológica (fratura na crosta terrestre). Onde há falha, é possível ocorrer novas quebras, dependendo de fatores como o peso, distensão e compressão exercido sobre ela.

O município de Cunha, segundo a geofísica Amélia João Fernandes, é atravessado por três zonas de cisalhamento de falhas geológicas: “Alto da Fartura”, “Santa Rita” e a megafalha “Cubatão”. Perinotto explica que “zonas de cisalhamento são regiões da crosta terrestre nas quais existem um acúmulo de falhas geológicas. São zonas que podem sofrer esse movimento de cisalhar, ou seja, um bloco se deslocar em relação ao outro. Então, essas zonas de cisalhamento têm tudo a ver com os terremotos. Isso porque é ao longo do deslocamento dos planos de falhas que há o dispêndio da energia e, consequentemente, causa-se a vibração, que é o abalo sísmico. Nós chamamos de zona de rifts cenozóicos do sudeste brasileiro. Essa zona é bastante propícia para causar esse abalo e vai continuar causando outros em diferentes magnitudes e intensidades.”

Parte do Mapa Geológico esquemático da Rodovia Paulo Virgínio – SP -171, com destaque (acrescentado) para as zonas de cisalhamento entre Guaratinguetá e e para a cidade de Cunha. Fonte: Dissertação “O complexo embu no leste do estado de São Paulo: contribuição ao conhecimento da litoestratigrafia e da evolução estrutural e metamórfica”, de Amélia João Fernandes, USP, 1991.


Consequências
Além do pânico generalizado na cidade, o abalo sísmico causou muitos estragos, porém, nenhuma vítima fatal ou ferido.

Tanto na zona rural quanto na zona urbana rachaduras apareceram nas paredes das casas e quadros foram derrubados. A região mais atingida pelo terremoto foi o eixo Cunha-Guaratinguetá. No local denominado “Descanso do Machado”, uma árvore de 15 metros foi arrancada do solo. Uma fenda de cerca de 40 centímetros abriu-se no chão. Portão, cercas e varais foram arrancados.


Pela intensidade incomum, lembra Jesus Berrocal, geofísico do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), o sismo de Cunha serviu de referência para a construção da usina nuclear Angra I, em Angra dos Reis (RJ). Em operação desde 1982, a usina é resistente a um tremor da magnitude daquele que teve seu epicentro Cunha, em 1967, e desliga-se automaticamente, caso o sismo ultrapasse a margem de segurança do projeto (4,1 na escala Richter).

Conclusão
“Não existem locais estáveis. Tudo está se movendo”, diz pesquisador Alloua Saadi, responsável pelo primeiro mapa neotectônico do Brasil, identificando as 48 falhas mestras (principais) que cortam o solo do país. Quem pensa que o Brasil está livre dos terremotos está enganado. Ainda mais o município de Cunha, que é cortado por 3 falhas geológicas. Entretanto, não há razão para alarme. Se acontecer de novo um abalo sísmico em Cunha, vamos levar mais susto do que prejuízo.

Referências:
Geologia Geral, Viktor Leinz e Sérgio E. do Amaral (2003)
O Complexo Embu no leste do estado de São Paulo, Dissertação de Mestrado (USP), Amélia J. O. Fernandes (1991)
O Estado de S. Paulo (1967)
Folha de São Paulo (1967)
Correio da Manhã (1967)
Serviço Geológico do Brasil – CPRM (2014)
Jornal da UNESP (2023)

Censo 2022 aponta crescimento da população de Cunha

Contrariando as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos últimos anos, a população de Cunha voltou a crescer. Foram recenseados 22.125 habitantes em todo o município em 2022, durante a realização do Censo. Esse dado foi divulgado pelo IBGE no dia 28 de dezembro de 2022. Trata-se de uma prévia da população de todos os municípios com base nos dados coletados pelo Censo Demográfico 2022 até o dia 25 de dezembro do ano de 2022. A divulgação tem como objetivo cumprir a lei que determina que cabe ao IBGE fornecer ao Tribunal de Contas da União (TCU), anualmente, o cálculo da população de cada um dos 5.570 municípios do país. Seguindo um modelo estatístico, o IBGE entregou um resultado prévio do ano de 2022, tendo em vista que o Censo 2022 ainda não está concluído em muitos municípios. Entretanto, em Cunha já está 100% concluído, com os 74 setores censitários apurados. Portanto, o resultado apresentado já é definitivo.

Observando as projeções populacionais do IBGE de 2019, 2020 e 2021 para Cunha, nota-se que indicavam sucessivas quedas na população municipal. Como essas projeções se baseiam em tendências, é provável que consideraram a redução da população que ocorreu entre os censos de 2000 e 2010. Naquele Censo foram contados 23.062 habitantes; neste, 21.866 habitantes. Assim, ano após ano, o IBGE foi apontando um tênue recuo da população cunhense.

Todavia, em 2022 apurou-se o contrário: houve a interrupção dos sucessivos recuos, registrando um ínfimo crescimento (1,2%). Se isso será uma tendência para as próximas décadas, tendo em vista que a atividade turística vem se fortalecendo nos últimos anos, só o tempo dirá. A estabilidade ou crescimento de uma população depende, entre outros fatores, de uma resposta econômica. Não tem como a população de Cunha crescer sem a economia local oferecer, por exemplo, emprego aos jovens.

Após essa divulgação protocolar, espera-se agora a divulgação completa do Censo 2022, em que outros aspectos da realidade local possam ser conhecidos e analisados. Aguardamos os dados referentes às taxas de população rural e urbana, à pirâmide e composição etária, à renda média, à escolarização, à religião etc. Com esses dados, é possível comparar com os recenseamentos anteriores e indicar mudanças e permanências no tecido social local.

Vista aérea da cidade de Cunha. Imagem: Guará Vídeo Drone (YouTube). Data: junho de 2022.

A população da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) chegou a 2,5 milhões de habitantes. Em relação ao Censo de 2010, a RMVPLN teve um acréscimo de 295.134 habitantes, o que corresponde a um aumento de 13% de sua população. A RMVPLN é composta por 39 municípios. Cunha foi o segundo município da região que menos cresceu, não acompanhando o patamar de crescimento regional. Ainda assim situação melhor do que nos 11 municípios da região (Cruzeiro, Campos do Jordão, Aparecida, Santa Branca, Piquete, São Luiz do Paraitinga, Bananal, Queluz, Redenção da Serra, Areias e Arapeí) que viram a sua população reduzir na última década.

O Jacuhy retornará à análise da população regional, quando o IBGE apresentar os resultados definitivos. Em alguns municípios da RMVPLN, o Censo 2022 ainda está inconcluso.

Referências:
BEAUJEU-GARNIER, Jacqueline. Geografia de população. Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1980.
BROEK, Jan O. M. Iniciação ao estudo da geografia. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
DAMIANI, Amélia L. População e geografia. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2022: acompanhe a coleta nas UFs e municípios. Disponível em: < https://censo2022.ibge.gov.br/acompanhamento-de-coleta.html?cod=3513603 >. Acesso em 11 jan. 2023.
______. Censo 2022: Tabelas – Prévia da População dos Municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 coletados até 25/12/2022. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/22827-censo-demografico-2022.html?edicao=35938&t=resultados >. Acesso em 11 jan. 2023.
______. Censo 2022: Municípios: prévia da população calculada com base nos resultados do Censo Demográfico 2022 até 25 de dezembro de 2022. Disponível em: < https://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2022/Previa_da_Populacao/POP2022_Municipios.pdf >. Acesso em 11 jan. 2023.

PIB de Cunha cresce 11% em 2020

Setorização do PIB cunhense – 2020. Arte: Jacuhy.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou no dia 16 de dezembro de 2022 o Produto Interno Bruto (PIB) referente ao ano de 2020 de todos os municípios do Brasil. O intuito da instituição é “fornecer estimativas do Produto Interno Bruto – PIB dos Municípios, a preços correntes, e do valor adicionado bruto da Agropecuária, da Indústria, dos Serviços e da Administração, saúde e educação públicas e seguridade social, a preços correntes, compatível com as metodologias das Contas Regionais e Nacionais do Brasil, sendo as estimativas obtidas comparáveis entre si”; sendo portanto, um dado econômico relevante para o planejamento estatal, que permite verificar regiões e pontos com o avanços ou retrocessos econômicos no conjunto territorial do país. Ron Johnston (2009, p. 320) afirma que as estimativas do PIB são usadas para comparar o volume da atividade econômica ao longo do tempo e do espaço – seja em agregado ou per capita – mas para evitar complicações introduzidas pela inflação e flutuações da taxa de câmbio, elas devem ser convertidas em uma base comum.

A divulgação dos dados referentes ao PIB dos municípios em 2020 era aguardada, pois foi um ano atípico, marcado pelo alastramento do COVID-19 e a consequente paralização de diversas atividades econômicas, em virtude da emergência sanitária. O tamanho do impacto da pandemia sobre a economia tem sido objeto de debate entre os economistas. À medida em que os dados vêm sendo divulgados, foi possível perceber que os setores mais impactados pela pandemia foram o de alojamento e alimentação; serviços domésticos; transporte, armazenamento e correio; artes, cultura, esporte e recreação e outras atividades de serviços. Segundo o IBGE, “os resultados de 2020 evidenciam que os efeitos da pandemia de COVID-19 sobre as economias municipais variaram de acordo com a importância das suas atividades de Serviços, sobretudo as presenciais. Isto porque estes serviços agregam as atividades com as maiores quedas de participação no País entre 2019 e 2020, sendo as mais afetadas pelas medidas restritivas de isolamento e precaução de contágio por parte das famílias adotadas durante o ano.”. Todavia, os economistas e técnicos de planejamento têm alertado para a interpretação econômica do PIB dos municípios em 2020 e pedido cautela, pois foi um “ano em que a crise sanitária provocada pela Covid-19 trouxe grandes desafios para a mensuração da atividade econômica”, conforme consta na “Nota técnica – PIB 2020”, emitida pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), órgão do Governo de São Paulo.

A região do Vale do Paraíba Paulista foi diretamente impactada pela pandemia e viu seu PIB regredir em relação a 2019. O PIB regional recuou de 131,6 bilhões de reais em 2019 para 122,6 bilhões de reais em 2020. Uma variação negativa de 6,87% no volume. Os grandes centros econômicos de nossa região, São José dos Campos e Taubaté, ficaram entre os municípios que mais perderam participação PIB do Brasil em 2020, o que demonstra o grave impacto causado pela pandemia sobre a economia regional. O PIB do estado de São Paulo avançou 0,4% no mesmo período. Cunha não sofreu o mesmo impacto econômico.

O PIB de Cunha avançou de 267,7 milhões de reais em 2019 para 297,3 milhões de reais em 2020, agregando assim quase 30 milhões de reais de um ano para o outro, uma variação de volume de 11,05%. Desde que o IBGE começou a mensurar os PIB dos municípios, em 2002, na metodologia que utiliza até agora, Cunha nunca registrou decréscimo. Com esse resultado, a taxa participação econômica do município no PIB estadual teve um pequeno aumento. Era de 0,0114% em 2019 e foi para 0,0125% em 2020. No ranking estadual, Cunha é apenas 365ª maior economia.

Evolução do PIB de Cunha (2002-2020). Fonte: IBGE, 2022.

Ao se fazer um recorte setorial no PIB de Cunha, percebe-se que o setor que alavancou esse crescimento, mesmo diante do cenário de crise econômica, foi o primário. A agropecuária cunhense teve uma variação positiva de 54%, passando a responder por 12,9% do PIB cunhense (era 9,3% em 2019). Cunha é o maior produtor de leite de São Paulo e possui o maior rebanho bovino do Vale do Paraíba Paulista.

O setor hoteleiro e de alimentação foi duramente atingido pelas restrições sanitárias e de circulação implementadas para deter o avanço do COVID-19. Em Cunha não foi diferente. Medidas restritivas foram tomadas pela Municipalidade para preservar a saúde da população e tentar frear o avanço das infecções por coronavírus. Eventos foram cancelados. Pousadas foram temporariamente fechadas e restaurantes só puderam funcionar com entregas em domicílio. O turismo, hoje uma importante atividade econômica de Cunha, foi o mais impactado pela pandemia. Por outro lado, muitas pessoas deixaram a Região Metropolitana de São Paulo e se refugiaram em suas casas de veraneio e sítios na zona rural cunhense, na esperança de não serem infectados. Essa migração sanitária, esse êxodo urbano temporário, certamente aqueceu o comércio local e o setor de serviços, compensando as perdas do setor turístico. Por essa razão, mesmo com a crise, o setor terciário de Cunha variou positivamente.

Plantação no bairro da Vargem Grande. Data: 2014. Foto: Facebook Bairro da Vargem Grande – Cunha – SP.

A outra parte do setor terciário, aquela ligada à administração pública, foi fundamental para estabilidade econômica do município, uma vez que esse funcionalismo não sofreu cortes no salário nem enfrentou demissões por causa da crise econômica desencadeada pela pandemia. Uma parte considerável dos cunhenses que possuem remuneração registrada são aposentados ou funcionários públicos municipais, estaduais e federais. A Prefeitura de Cunha, por exemplo, emprega diretamente mais de 600 pessoas.

O setor secundário de Cunha corresponde a apenas 5,3% do PIB municipal e é composto por pequenas indústrias alimentícias. Não sofreu queda, mas também não evoluiu economicamente no período. Já a agropecuária cunhense, marcada por sua característica familiar, sempre foi resiliente. Como não foi um setor atingido diretamente pelos impactos negativos pandemia, registrou um grande crescimento. Ou seria apenas uma consequência do aumento da fiscalização e do registro de produção?

Plantação de hortaliças em sistema hidropônico, na zona rural cunhense. Data: 2022.

O PIB per capita do município saltou de R$ 12.349 em 2019 para R$ 13.857,47 em 2020. Mesmo assim, caiu no ranking estadual. Ocupava a 631ª posição em 2019; em 2020, está na 634ª posição. De acordo com esse dado econômico, Cunha figura entre os municípios mais pobres do estado. São Paulo tem 645 municípios. Na média brasileira, o PIB per capita foi R$ 35.935,74; bem acima, portanto, do nosso PIB per capita municipal. Por fim, alerta o geógrafo britânico Ron Johnston (2009, p. 320) que “o PIB não é necessariamente uma medida válida de ‘saúde econômica’, uma vez que as consequências prejudiciais (por exemplo, sobre o meio ambiente) não são levadas em consideração. E sua melhoria nem sempre é sinal de crescimento real; por exemplo: o aumento dos gastos com policiamento poderia estimular o crescimento do PIB, mas não é nada mais que uma resposta a um aumento da criminalidade.”. E o PIB per capita é limitado como indicador econômico porque não considera uma condição básica da economia capitalista: a brutal desigualdade de renda que existe entre as classes sociais.

Referências:
FUNDAÇÃO SEADE. PIB paulista cresceu 0,4% em 2020, 10 mar. 2021. Disponível em: < https://informa.seade.gov.br/analise_pdf/pib-paulista-cresceu-2020/ >. Acesso em: 18 dez. 2022.
______. Nota técnica – PIB 2020. São Paulo: Fundação SEADE, 2022. Disponível em: < https://repositorio.seade.gov.br/dataset/1bd90672-72a8-47cb-a34d-ab9eb703735d/resource/c1b5063b-d6b9-4832-a8ee-9caad7ee2c85/download/nota-tecnica_pib_do_esp_2020.pdf >. Acesso em: 18 dez. 2022.
______. PIB por municípios do Estado de São Paulo – 2020. São Paulo: Fundação SEADE, 2022. Disponível em: < https://repositorio.seade.gov.br/dataset/1bd90672-72a8-47cb-a34d-ab9eb703735d/resource/13af6a0f-e731-4fc7-8664-73e57de8f465/download/pib-municipios-2020.xlsx >. Acesso em: 18 dez. 2022.
______. PIB para os municípios de São Paulo – 2019. São Paulo: Fundação SEADE, 2021. Disponível em: < https://repositorio.seade.gov.br/dataset/1bd90672-72a8-47cb-a34d-ab9eb703735d/resource/7a58161d-f687-4c15-8edf-0787a6b03245/download/pib-municipios-2019.xlsx >. Acesso em: 18 dez. 2022.
GREGORY, Derek et al. Dictionary of Human Geography. 5. ed. West Sussex (Reino Unido): Wiley-Blackwell, 2009.
IBGE. Produto Interno Bruto dos Municípios: Cunha. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.html?t=pib-por-municipio&c=3513603 >. Acesso em: 18 dez. 2022.
______. Produto interno bruto dos municípios 2020. Rio de Janeiro: IBGE / Coordenação de Contas Nacionais, 2022. Disponível em: < https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101990_informativo.pdf >. Acesso em: 18 dez. 2022.

Cunha no ano da Independência do Brasil

Os relatos de viagem do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) trazem um valioso contingente de informes sobre a mais importante região brasileira a que se estende entre as duas maiores cidades do país: o Vale do Paraíba.

Em 1822 realizou sua segunda viagem pela Província de São Paulo e nos legou diversos relatos sobre um tempo que já se foi… Nessa segunda viagem saiu do Rio de Janeiro e foi em direção a Minas. De lá, desceu a Mantiqueira, passou por Cachoeira Paulista e Guaratinguetá. Tomou rumo para Taubaté, Jacareí, Mogi das Cruzes e, finalmente, São Paulo. Na volta, retornou a Mogi das Cruzes, passou por Nossa Senhora da Escada, Jacareí, Taubaté. De Taubaté partiu em direção à capital do Brasil, passando por Aparecida, Guaratinguetá, Areias, Bananal, São João Marcos, Itaguaí e Santa Cruz.

Praça da Matriz de Cunha, por volta de 1900. Foto: Museu Municipal. Digitalização e coloração: Giorgio Cerutti.

Muito embora não tenha passado pela então Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha, Saint-Hilaire (2002, p. 118) não deixou de registrar informações sobre o nosso município. Pernoitando em um rancho de tropeiros, antes de chegar a Bananal, junto com seus dois criados – Firmino e Laruotte –, dois índios montados e um tropeiro, se deparou com dois soldados que iriam assumir guarda em uma barreira criada na estrada entre Cunha e Paraty e deles extraiu as seguintes informações, alguns meses antes da Independência do Brasil:

Rancho de Pedro Louco, 24 de abril, 4 léguas – No rancho sob o qual passamos a última noite, estavam dois homens da Vila de Cunha que vão assumir a guarda de uma barreira recém-criada nesta estrada. Segundo o que me informaram fica a cidade de Cunha situada perto da grande cordilheira, a nove léguas de Guaratinguetá, a quatorze do pequeno porto de Parati e cinco das nascentes do Paraíba. Como se acha em terreno baixo, o açúcar e o café não progridem em suas redondezas, que contudo produzem em abundância o milho e outros gêneros dos quais parte embarca em Parati para o Rio de Janeiro. De Guaratinguetá enviam também gêneros a Parati, fazendo-os passar pela Vila de Cunha.”

Saint-Hilaire, 24 de abril de 1822

Há outras impressões mais ou menos do mesmo período. Ficaremos, devido a sua precisão, com a do geógrafo e sacerdote português padre Manuel Aires de Casal (1945, p. 241-242), no seu “Corografia Brasílica”, lançado em 1817:

Cunha, em outro tempo Facão. Villa ainda pequena, e que com facilidade pôde ser considerável, situada na vizinhança do Rio Jacuhy sobre a serra, oito léguas ao Norte de Paraty, ornada com a Igreja Matriz, de que he Padroeira N. S. da Conceição. O clima he sadio, as noites de Junho, e Julho frias. He o lugar da Zona Torrida, onde ategora tem prosperado melhor as flores, e arvores frutiferas oriundas da Europa. Nos seus contornos ha extensos pinheiraes; e seus habitantes cultivam mantimentos do paiz, recolhem abundancia de milho, e criam em grande quantidade gallinhas, e porcos, sua riqueza. O caminho, que communica esta Villa com a do Paraty, he péssimo. Quando os recoveiros transitarem por elle com a mesma facilidade, e segurança, que os do Cubatão entre S. Paulo, e Santos, então uma terá florescimento, outra maior commercio.”

Padre Manuel Aires de Casal, 1817
Parte de uma carta da Província de S. Paulo, do início do século XIX, mostrando a localização de Cunha, os rios e os caminhos para o mar. Fonte: Acervo digital da Biblioteca Nacional.

População

A população da Vila alcançava 2.818 almas em 1823. A economia prosperava, mas de forma modesta. O café ainda não tinha alcançado o seu auge na região. E Cunha, que possuía função complementar, aguardava ser alavancada junto, com o arranque econômico que atingiria o Vale. Predominava entre as atividades, conforme descrição da época, presente nos Maços de População, o seguinte: “tem hum sitio em q. fas sua plantação e seva capados”. A mão de obra era basicamente escrava, contingente que atingia cerca de 44% de toda a população do município. A maioria era formada por escravizados africanos, porém é de se supor que ainda havia entre eles indígenas, descendentes dos povos originários.

As barreiras de alfândega que existiam no caminho até o mar eram ocupadas por soldados, que fiscalizam e faziam cumprir a taxação, daí a razão de ser a militar a profissão de maior ocupação entre os cunhenses nesse tempo. Não é uma coincidência ter Saint-Hilaire se deparado com dois deles, que vinham assumir posto em Cunha, quando pernoitou no rancho de Pedro Louco.

Fonte: Arquivo Público do Estado de S. Paulo, Maços de População da Vila de Cunha, 1823.

Na década de 1830, a produção de café se torna dominante no Vale do Paraíba, superando o cultivo de cana-de-açúcar, com quem dividia o uso e ocupação do solo. De 1823 a 1836, a população cresce. Reflexo do avanço da cafeicultura na região e do lastro de desenvolvimento que provocava. Passa de 2.818 para 3.403 habitantes. Chega a 559 “fógos” (sinônimo de moradia, casa, habitação, residência). É um novo tempo não só na política, mas na economia e na demografia. Recebe a região grandes contingentes humanos: de brancos, aventureiros e escravizados de outras partes do Brasil. Do ponto de vista ambiental é um desastre: liquidação quase completa da Mata Atlântica, que reduzir-se-á aos sertões e as cordilheiras.

Tropeirismo

O surgimento de Cunha, outrora Facão, que remonta às primeiras doações de sesmarias nos fins do século XVII, está relacionado diretamente com os caminhos, antigos, que permeavam o planalto do Paraitinga e do Paraibuna. Ponto de parada entre Paraty, no litoral, e as cidades do sertão: Guaratinguetá e Taubaté. Portanto, aqui, mais que em outros lugares, floresceu o tropeirismo. O dinamismo dos fluxos de gentes, mercadorias e ideias animou os primeiros anos da Freguesia do Facão, que vingou na Serra do Mar. Os que foram se estabelecendo, margeando a Estrada Real, foram se nutrindo desse movimento das tropas e do rol de atividades adjuntas que dessa circulação vai-e-vem advém.

Um dia comum em uma cidade paulista no início do século XIX. “San Bernardo”, aquarela sobre papel. 1827.
Autor: Charles Landseer. Fotografia: Fernando Chaves. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural.

Por isso, a abertura de novas vias ou a modernização e retificação das antigas, sempre representava um duro golpe econômico e demográfico sobre o Facão. Essas decadências podem ser percebidas nos estudos genealógicos, como foi na pesquisa do historiador Carlos da Silveira (1938, p. 92): “As tropas, que eram a sua vida, começaram a se desviar para outras zonas e as velhas famílias, em fins do século XVIII e princípios do XIX, trataram de se ir localizando ao longo do caminho novo, de Lorena ao Rio. Numerosos habitantes, facãozenses puros, deslocaram-se da terra natal, povoando assim as margens da nova estrada, em territórios que vieram a constituir os municípios paulistas de Lorena até a fronteira fluminense, e, passando mesmo essa fronteira, estenderam-se até o Rio Piraí (…)”.

Mas Cunha sempre se reinventa. A natureza nos é generosa e disposição para o trabalho o cunhense sempre teve, desde sempre. Em 1836, chama a atenção o grande número de ferreiros entre as artes e ofícios de que se ocupavam os cunhenses. Havia 11 deles trabalhando em suas oficinas na Vila. Número bem acima dos municípios da região, inclusive daqueles que possuíam uma população ou um espaço urbano maior. Isso mostra que mesmo com a inauguração do caminho novo da Estrada Real ou do Caminho Novo da Piedade, os valeparaibanos não negligenciaram a antiga via de acesso ao litoral, que passava por Cunha e findava no porto de Paraty. Antes do café tomar conta, permaneceu essa via como rota de escoamento das riquezas do Vale.

Um tropeiro e a sua tropa, em aquarela de Jean Baptiste Debret. Carvão, 1822, aquarela. Fonte: Museus Castro Maya/IBRAM/MINC. Fotógrafo: Jaime Acioli

Por isso, Cunha não desapareceu do mapa. Além de sua produção agrícola, funcionava como entreposto comercial. Os ferradores de Cunha – produzindo estribos, esporas, ferraduras, cravos e pregos, fivelas, trempes, panelas e toda sorte de utensílios de ferro – davam assistência logística ao transporte de cargas e ao aparato das tropas. A nossa cidade, ainda que minúscula, ocupava uma função naquela rede urbana pretérita.

Economia

A vocação de Cunha para pecuária é antiga. O economista Francisco Vidal Luna (1998, p. 135), ao estudar os municípios paulistas entre os séculos XVIII e XIX, observou sobre essa atividade o que segue: “em 1804 sua importância maior ocorria no Vale do Paraíba, com 14,8% dos proprietários e 22,8% dos escravos, e no Caminho do Sul, com participações de 14,0% e 26,1%, respectivamente. No Vale do Paraíba destacavam-se Cunha e São Luís do Paraitinga (…)”. Todavia, naquele tempo predominava a suinocultura; e não a bovinocultura, como atualmente, com Cunha sendo a maior bacia leiteira do estado.

“Loja de carne de porco”, gravura de Jean B. Debret, representando o Rio de Janeiro do século XIX. Acervo do Museu Castro Maya.

Os dados estatísticos mais próximos, de 1836, apontavam que a Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha figurava entre as maiores produtoras de milho da Província de S. Paulo: com 87.988 alqueires, ocupando a 9ª posição. Além do cereal nativo da América, era destaque a produção de fumo com 649 arrobas, 2ª posição, atrás somente de Curitiba, que na época pertencia ao território paulista. Por ser um produto básico da culinária colonial, o toicinho era um produto comercializável e Cunha, com uma produção de 8.905 arrobas, ocupava naquela época a 1ª posição entre os municípios paulistas, correspondendo a 68,5% de toda produção provincial. Essa grande produção em nosso município indica o quanto a economia local estava ligada às culturas e criações que fugiam do sistema de plantation, ainda que a mão de obra fosse escrava em sua maioria. Junto com o cultivo de feijão, tabaco e milho e outros gêneros, criavam-se porcos e galinhas. Mais do que base da economia de subsistência, esses itens, para Cunha, destinavam-se à exportação e geração de receita. Seguiam para a Corte, via porto de Paraty, e para São Paulo e outras cidades do Vale, nas cangalhas.

Dos cultivos que prosperavam a província, Cunha em nada se destacava. Müller anota o que havia em nossas redondezas em termos de estabelecimentos agrícolas: “5 engenhos de assucar, em ponto pequeno, 2 fazendas de criar, 2 fazendas de café”. Número muito aquém dos municípios vizinhos. O motivo: o clima. A geomorfologia do nosso território, cercado por três serras, intensificava o frio característico do clima tropical de altitude. A geada, visita constante em nossos invernos, baldava as culturas tropicais nestas bandas. Entretanto, na descrição geral aparece a ressalva: “n’este districto se planta muito mantimento, assim como algum tabaco: criam-se muitos porcos, e algum gado vacum, e cavalar. Não tem terrenos devolutos.”. O café e o açúcar não fizeram a riqueza dos fazendeiros e sitiantes de Cunha, que de alguma forma, encontraram o seu nicho econômico como fornecedores de alimentos para região e para outras cidades maiores, envolvidas que eram em outras atividades agrícolas ou comerciais, mais rentáveis e tropicais.

Fazenda da Barreira, antes de ser demolida, no bairro do Taboão. Antiga alfândega para as mercadorias do Vale. Foto: Marcos Santilli. Data: década de 1980.

Após a Independência do Brasil, o Vale do Paraíba se tornará a região mais próspera do Império nascente. O café irá alavancar todas as localidades valeparaibanas. Até aquelas que não produziam café, como Cunha. No século XIX Cunha conhecerá o seu auge econômico e também viverá a sua decadência. Um século de muitas nuances, mudanças, e que merecerá, em breve, um texto só sobre esse período.

Referências:
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ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (APESP). Maços de População – Vila de Cunha – 1823. Disponível em: < http://www.arquivoestado.sp.gov.br/web/digitalizado/textual/macos
_populacao >, acesso em 5 set. 2022.
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MÜLLER, Daniel P. Ensaio d’um quadro estatístico da província de São Paulo: ordenado pelas leis provinciais de 11 de abril de 1836 e 10 de março de 1837. 3 ed. São Paulo: Governo do Estado, 1978.
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SILVEIRA, Carlos da. Apontamentos para o estudo de uma grande família: os Lopes Figueira, do Facão. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. São Paulo, v. 35, p. 91-130, dez., 1938.
SOBRINHO, Alves M. A Civilização do Café (1820-1920). 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978.

O velho sobrado e o Duque de Caxias

Lenda ou fato? O patrono do Exército visitou mesmo Cunha? Podemos confiar na tradição oral dos cunhenses?

Datado da primeira metade do século XIX, provavelmente da década de 1830 (VELOSO, 2014, p. 56), período em que Cunha se beneficiou do desenvolvimento regional proporcionado pelo café, o sobrado da Praça Coronel João Olympio, número 52, esquina com a Rua Dom Lino,oficialmente “Casarão Osmar Felipe”, “é a construção particular mais imponente da cidade, com sacadas ornamentadas com abacaxis de ferro e entalhes na porta principal e janelas. Construído em taipa, na primeira metade do século dezenove, consta que nele se hospedou Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, em 1842, quando veio à Província para sufocar a insurreição liberal. É hoje a sede da Prefeitura Municipal, do Centro de Cultura e Tradição de Cunha e do Museu Municipal Francisco Veloso.” (IEV, 1993).Na época do inventário do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV), ainda era propriedade particular, pertencia à professora Dalva Raquel Coelho Nascimento, alugado à Prefeitura de Cunha. É vestígio da fastuosa civilização do café, que cobriu o vale de rubiáceas e riquezas, em meados do século XIX (VELOSO, 1995, p. 28). Essa riqueza, conforme apontou o historiador Francisco Sodero de Toledo (1977), se refletiu no crescimento das cidades e nos melhoramentos urbanos, em escala regional. O crescimento econômico do setor rural incrementava a urbanização, além do mais, as cidades, outrora ocupando um papel secundário, passam a ser o centro da vida política, devido à ação centralizadora do Segundo Reinado, a partir de 1840. Assim, a volumetria e os requintes arquitetônicos dos casarões e sobrados urbanos passaram a ser uma forma dos fazendeiros e líderes políticos locais expressar seu poder político e econômico (MAIA & MAIA, 1977; HERRMANN, 1948), a chamada “arquitetura do café”, além das já conhecidas insígnias: quantidade de escravos, extensão das propriedades, tamanho da sede da fazenda etc. Em prefácio para a obra “Vale do Paraíba: velhas cidades”, o acadêmico Mário Guimarães Ferri (1977, p. 3), resume bem as consequências do enriquecimento regional: “O café originou, no Vale do Paraíba, a aristocracia ‘dos Barões do Café’. ‘Com o café muita coisa mudou’. As casas de morada transferiram-se das fazendas para as cidades. As igrejas foram aformoseadas e as festas religiosas adquiriram maiores requintes; muitos hábitos franceses foram importados; construíram-se santas casas e teatros. Palácio e palacetes abrigaram famílias patriarcais. (…)”. Símbolo de ostentação econômica e política das elites agrárias do passado, há na arquitetura urbana do período uma ânsia para parecer mais importante do é, sobretudo aos olhos dos visitantes, fazendo das vilas e cidades vitrines, muitas vezes bravateando uma glória que não tinham. Não passou desapercebida aos olhos do jornalista viajante Emilio Zaluar (1976, p. 50) essa forma peculiar de demonstrar grandeza no Vale do Paraíba: “Todas as cidades e vilas querem ser cortes, ainda que seus habitantes só tenham por ponto de reunião a casa onde se joga o dominó, e todas as portas se fechem antes do toque de recolher!”. Desse modo, o embelezamento urbano por que passa a então recente cidade de Cunha, elevada a essa categoria em 20 de abril de 1858, era uma forma da elite local, escravocrata, com riqueza advinda de saciar o mercado regional com cereais e toucinho e do trânsito das tropas por cá, demonstrar o seu poder econômico e político.

Desenho de Tom Maia, realçando os traços arquitetônicos do Sobrado, razão pela qual se sobressai entre os demais casarões e sobrados da cidade de Cunha. Data: 1976. Fonte: Inventário do IEV, 1993.

Muitos casarões de Cunha não resistiram ao tempo: ruíram-se ou foram demolidos. Por isso, nossos olhares se voltam para o sobrado da praça Coronel João Olympio, um dos poucos que restaram e que nos remetem ao passado imperial de Cunha. Sua importância histórica e pedagógica, com o passar do tempo, ganha relevo, pois “suas paredes abrigaram, nesses já quase duzentos anos de existência, além das famílias que nele residiram: Fórum, Coletoria, agência da Caixa Econômica, Prefeitura, Câmara Municipal, Delegacia de Polícia e Museu. Funcionaram nele ainda clube recreativo e pensão” (SANTOS; VELOSO, 2019). Atualmente encontra-se fechado para reformas (alegação oficial). Como não há reforma alguma por lá, jaz abandonado. Trata-se da construção particular mais importante da cidade, com sacadas ornamentadas com abacaxis de ferro e entalhes na porta principal e janelas (IEV, 1993). Construção de taipa de pilão, técnica de construção civil proscrita. Atualmente, pertence à Prefeitura e foi denominado “Casarão Osmar Felipe”, homenagem ao ex-prefeito de Cunha de vários mandatos. Depois de muito tempo abandonado, foi reformado e chegou a sediar a Prefeitura de Cunha por um brevíssimo período (entre 2010-2011), mas logo apresentou infiltrações e problemas em sua estrutura e foi fechado novamente. E assim permanece até hoje.

No mesmo texto, o professor Victor ressalta um importante fato, que os cunhenses mais antigos sempre comentam, quando se referem ao sobrado: “Em 1842, veio o Duque de Caxias do Rio de Janeiro, via Paraty, com a finalidade de apaziguar revoltas liberais em Sorocaba e em Silveiras. Esse fato histórico é o mais importante ligado a esse prédio, por conta do pernoite do Patrono do Exército em Cunha, abrigado sob o teto desse patrimônio arquitetônico.” Entretanto, por ser uma informação repassada pela tradição oral, alguns suspeitavam ser uma lenda. O próprio professor João Veloso me disse certa vez que não era possível confirmar a veracidade desse relato oral, muito embora, por sua consistência e persistência entre os mais antigos, não tivesse a história característica de um “causo” ou coisa fictícia.  

Desenho de Tom Maia. Entrada do Sobrado da Praça Coronel João Olympio. Destaque para os detalhes da porta e sacadas. Data: 1976. Fonte: Inventário do IEV, de 1993.

Mas novos documentos e relatos vêm surgindo, trazendo a lume situações e lembranças que ajudam a elucidar se o pernoite de fato houve ou se foi fruto da imaginação de alguém. O Arquivo Público do Estado de São Paulo divulgou em sua página no Facebook, em 7 de maio de 2020, um ofício de informação de campanha militar, redigido por Luís Alves de Lima e Silva, barão de Caxias (futuro duque de Caxias), quando estava na Vila de Guaratinguetá, datado de 20/07/1842, endereçado a José da Costa Carvalho (Barão de Monte Alegre), presidente da Província de São Paulo na época, por meio do qual informa que partirá no mesmo dia para a Vila de Paraty, tendo em vista que o movimento liberal já havia sido sufocado em Silveiras e que tinha recebido ordem de regresso à Corte, pelo Governo Imperial. Também informa que deslocou um batalhão para a Província de Minas Gerais, onde a revolta resistia nas vilas de Aiuruoca e São João del-Rei, conforme transcrição (APESP, 2019): “Hoje parto para a Villa de Parati, e logo depois seguirei para a Côrte em virtude das ordens que recebi do Governo Imperial: e no momento em que vou deixar o territorio d’esta Provincia tenho o praser de assegurar a Vossa Excelência á vista das ultimas participações recebidas dos Commandantes de Forças em operaçoẽs no Norte d’esta Provincia, que os ultimos grupos de rebeldes armados forão destroçados na Freguesia dos Silveiras, e suas immediações; e que portanto está pacificada esta Provincia, restando unicamente agora que as auctoridades locáes com prudencia e energia completem esse grande triumpho que obtive, com a poderosa e prompta coadjuvação que me prestou Vossa Excelência.” Considerando que o caminho entre as vilas de Guaratinguetá e Paraty não podia ser feito sem passar pela Vila Cunha, não há dúvida que o futuro Duque de Caxias passou por aqui. Veio pelo antigo caminho aberto pelo capitão Domingos Velho Cabral e depois seguiu pelo Peabiru, aberto pelos Guaianás, que ligava o planalto ao litoral de Paraty, por onde houve a penetração colonizadora pioneira dos portugueses na região.

O “Casarão Osmar Felipe“, em foto capturada no dia 11 ago. 2019, por Jacuhy.

Sobre o caminho Guaratinguetá-Cunha, hoje Rodovia Paulo Virginio (SP-171), é importante tecer alguns comentários. Foi aberto pelo capitão Domingos Velho Cabral, morador da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, recebeu ainda sesmarias nas terras do Facão, no final do século XVII. Sobre esse antigo sesmeiro, diz o genealogista Helvécio Coelho (2001, p. 214): “Antes de 1650, foi o ‘descobridor’ de um caminho para o mar ‘com excessivo trabalho’ e obteve uma sesmaria principiando do ribeiro ‘Jacuimiri’, nas bordas das primeiras campinas, com uma légua de testada, meia légua para cada lado do dito caminho, correndo o sertão até a Boa Vista pelo caminho, ao rumo do mar.” Sobre o percurso, relata Oracy Nogueira (1992, p. 67), que de Guaratinguetá a Cunha se levava, no ano de 1.878, 2 dias de viagem, com um pernoite em bairros intermediários (Rocinha, Cedro ou Paraitinga). De Cunha a Paraty, talvez mais 2 dias, já que Cunha está exatamente no meio do caminho entre Guaratinguetá e Paraty. Ainda que a pressa, muitas vezes imposta por necessidades militares, tenha encurtado esse tempo, é improvável demais, pela dificuldade que impõe o terreno montanhoso, que o pernoite em Cunha não tenha acontecido. Convém ressaltar, a título de esclarecimento, que a atual Rodovia SP-171 não segue integralmente o traçado do caminho antigo, aberto pelo capitão Domingos Velho Cabral.

O sobrado, em foto de 1965, quando era pensão familiar. Foto: R. W. Shirley. Acervo do Museu Municipal de Cunha.

Voltando ao trajeto do Duque, o coronel Daróz (2014) informa que Caxias partiu para Corte em 23 de julho, certamente pelo porto de Paraty. Desse modo, é presumível que o futuro Duque de Caxias tenha pernoitado em Cunha, quando regressava para a cidade do Rio. É deveras impensável que uma autoridade imperial, ao deparar-se com uma vila, tenha recusado o conforto de uma casa coberta, com cama, janta e convivas, para dormir ao relento, junto aos seus soldados, após campanha militar vitoriosa. E como era costume naquele tempo, quando uma autoridade visitava uma vila, preparavam-lhe as melhores acomodações, na melhor casa da cidade. E havia casarão melhor e mais belo em Cunha naquele tempo, do que o da praça Coronel João Olympio, que até hoje nos enche os olhos? Era uma honra para um proprietário acomodar em sua casa os nobres do Império. E poderia ser vantajoso também, fazendo-lhe uma solicitação nas alcovas: algum favor, algum cargo público para um parente… Aliás, receber bem e com festança autoridades eclesiásticas, políticas e militares era hábito das vilas e cidades do Vale de antigamente. Narrando experiência similar na Vila de Pindamonhangaba, Motta Sobrinho (1967, p. 100) ressalta que a vila – no dia de visita de “gente graúda” – tinha a seguinte atmosfera: “(…) o ambiente era festivo e adrede preparado: arcos floridos, bandeiras, flâmulas, foguetórios. (…)”. Cunha, dada a competição atávica entre vilas e cidades que havia na região, não fez por menos à visita do ilustre comandante.

Corrobora a ocorrência do pernoite o depoimento da senhora Maria Amelia Calazans que, ao completar cem anos de idade, recebeu destaque na coluna social do jornal “O Estado de S. Paulo”, em 24 de abril de 1936. Residindo na Fazenda da Barra, no município de Paraibuna, neste estado, D. Maria Amelia rememorou os fatos mais importantes de sua longeva vida. Nascida em 24 de abril de 1836, na cidade de Cunha, foi batizada na Igreja Matriz desta cidade pelo cônego Manuel Rodrigues da Silva. Era filha de Antonio Moreira da Silva e Rita Constancia do Espírito Santo Moreira. Casou-se na mesma Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em 1859, com José Calazans, mudando-se para Paraibuna desde então, onde, junto com seu esposo, adquiriu a Fazenda da Barra. Entre os fatos históricos vivenciados por ela, é relatado: “Conheceu o barão de Caxias, que foi hospedado por sua mãe, em Cunha, quando o illustre general veio a São Paulo apaziguar a revolta de 1842. E rememora até hoje esse facto historiando com todos os pormenores a chegada de Caxias a então florescente cidade de Cunha.” (O ESTADO DE S. PAULO, p. 2, 1936). Infelizmente, dada a exiguidade das notas sociais, os pormenores da estadia do Duque em Cunha não são dados. Uma pena. Todavia, essa nota vem confirmar de forma definitiva o pernoite do Duque de Caxias em Cunha. Não é lenda e nem “causo”. O patrono do Exército Brasileiro dormiu mesmo no velho sobrado.

O Barão de Caxias, circa 1841, em desenho de François-René Moreaux. Fonte: Wikimedia Commons.

O pernoite ficou na História e na memória dos cunhenses. Formalidades como essa, por serem raras, não podiam “passar em branco” nas pequenas vilas do Império. A Câmara de Cunha deve ter preparado uma festa e agitado a pacata vila serrana. Discursos, saudações, repique de sinos na Matriz, missa, pessoas curiosas na rua, olhando ressabiadas os soldados que acompanhavam a comitiva militar do ainda Barão… O isolamento trazia ar de novidade a coisas banais, bastava que destoassem da realidade cotidiana. E convivas, claro. Mas para a elite, para os políticos. A única parte que difere a tradição oral nos repassada dos documentos oficiais é a direção tomada pelo chefe militar. Os documentos oficiais relatam que o Barão chegou à Província de São Paulo pelo mar, via porto de Santos, onde alcançou o planalto de Piratininga e, posteriormente, Sorocaba. E no ofício mencionado, consta textualmente que ele estava de retorno à Corte, após obter sucesso na campanha militar, quando pernoitou na Vila de Cunha. Portanto, ele não passou por aqui quando estava chegando para “pacificar” a Província, mas estava de partida, quando pernoitou. Mero detalhe.

Sobre a Revolta Liberal, tratava-se mais uma briga entre os dois principais grupos políticos do Segundo Reinado: os conservadores e os liberais. Nas eleições legislativas de 1840, os políticos liberais pagaram capangas para espancar adversários, roubar urnas e modificar resultados. Assim, obtiveram a vitória no pleito. Mas o uso de violência, fizeram essa eleição passar para História como “eleições do cacete” e ganharam um irônico lema: “para os amigos pão, para os inimigos pau”. O Conselho de Ministros, formado na maioria por políticos conservadores, apelou a D. Pedro II que exercesse seu Poder Moderador (uma invenção da Constituição de 1.824, para descaracterizar o sistema tripartite de poder) e anulasse os votos da eleição. Anulada as eleições em 1842, os conservadores novamente retomaram o poder. E os liberais resolveram ir às armas para assegurar o resultado (fraudado). Em S. Paulo, segundo Daróz (2014) “A revolta liberal eclodiu na manhã de 17 de maio de 1842, na cidade paulista de Sorocaba – cuja câmara aprovou, por aclamação, o nome de Tobias de Aguiar como Presidente da Província –, agitação que se estendeu às cidades de Taubaté, Pindamonhangaba, Silveiras e Lorena. Os rebeldes conseguiram também o apoio do padre Diogo Feijó e de Nicolau Vergueiro – senadores e ex-regentes do Império – além da população de algumas vilas, entre elas Itapetininga, Itu, Porto Feliz e Capivari.” A Revolta começou a ganhar contornos separatistas, e o Império agiu rápido, enviando o 2º Regimento de Artilharia e um batalhão de caçadores, sob a liderança do Barão de Caxias, para sufocar o movimento. Coronel Dároz (2014) assinala: “preocupado com a possibilidade de separatismo, o governo imperial adotou medidas para debelar a rebelião e, para tal, designou o Brigadeiro Luís Alves de Lima e Silva, Barão de Caxias, que havia pacificado a Balaiada na província do Maranhão.” Em julho, a Revolta foi sufocada em São Paulo. Em Minas Gerais, duraria até agosto. Dom Pedro II, com sua política de apaziguamento de ânimos, concedeu, em 14 de março de 1844, anistia aos envolvidos. Um ministério liberal foi constituído neste ano. Para Caxias, a vitória resultou em promoção a Marechal-de-Campo.

O “Casarão Osmar Felipe” em 1993, então sede da Prefeitura de Cunha. Foto: Prefeitura Municipal de Cunha.

Com quase 200 anos, o casarão resiste no centro de Cunha. É tombado tanto pelo COMPHACC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Cunha), órgão municipal, através do Decreto Municipal nº. 014/2008, de 18 de abril de 2008 (Rerratificado pelo Decreto Municipal nº. 046/2009), que o colocou no primeiro grupo de proteção: “GP1 – Proteção integral das fachadas, volumetria e interior da edificação”; quanto pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), conforme Resolução SC-12, de 26-2-2018, que “dispõe sobre o tombamento de conjunto de imóveis localizados no município de Cunha”. Uma testemunha ocular das coisas acontecidas e findas, parafraseando os dizeres do historiador Paulo Prado, “última testemunha presente das lutas, ambições e glórias do passado.”.Mas até quando? O professor Victor, sempre dedicado às causas mais nobres e culturais desta terra, já fez o alerta: “Urge, desse modo, que todo o empenho e todas as ações possíveis para sua preservação sejam buscados e conquistados, para que a História, a Cultura e a Memória continuem a se fazer presentes e vivas no centro histórico da Estância Climática e Turística de Cunha – SP, visto que, se soubermos de onde viemos, saberemos para onde vamos.”.

Desejoso que essas ações sejam iniciadas o quanto antes, espero ver esse patrimônio restaurado em breve. E funcionando. Quantos equipamentos culturais não podem ser instalados ali? Do contrário, se o abandono persistir, só nos restará compartilhar do mesmo lamento e indignação de Cora Coralina, ao ver as ruínas de um sobrado em sua Goiás Velho:

“(…) Fechado. Largado.
O velho sobrado colonial
de cinco sacadas,
de ferro forjado,
cede.
Bem que podia ser conservado,
bem que devia ser retocado,
tão alto, tão nobre-senhorial.
(…)
Quem se lembra?
Quem se esquece?
(…)”

Não esqueci e não vou deixar que esqueçam. Queremos o sobrado de pé. E aberto a todos.

Referências:
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (APESP), Fundo José da Costa Carvalho. Notação [BR SPAPESP JCC 125.1.1.14]. Ofício de informação de campanha militar enviado por Luís Alves de Lima e Silva, barão de Caxias (duque de Caxias) a José da Costa Carvalho, barão de Monte Alegre e presidente da província de São Paulo, comunicando sua partida para a vila de Parati e, em seguida para a Côrte, em virtude de ordens recebidas do Governo Imperial; relata a pacificação da província e a partida do 1º Batalhão Provisório de 1ª linha para abater os rebeldes de Minas e ocupar São João Del Rey, remete a Ordem do Dia de despedida do exército Pacificador. Guaratinguetá, 20/07/1842. Disponível em: < https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=3063377987034356&id=182206948484822&__tn__=-R >. Acesso em: 7 mai. 2020.
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HERRMANN, Lucila. Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos. Revista de Administração, Ano II, Números 5 – 6, mar. / jun., 1948, p. 3 – 326.
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ZALUAR, Augusto-Emílio. Peregrinação pela Província de S. Paulo (1860-1861). São Paulo: Livraria Martins Editora, 1976.

Campos Novos se torna Distrito de Paz

Arte feita para a série #HojeNaHistóriaDeCunha, da página Jacuhy, no Facebook.

Foram os antigos caminhos que cortavam a região a causa do povoamento. Havia o “Caminho das Boiadas” ou “Estrada da Bocaina”. Surgiu para não destruir o Caminho do Ouro oficial, pela Serra do Facão, pois o gado, em seu transitar, vai socavando com suas patas e destruindo a estrada. Assim, o gado era tocado por outro caminho. O Caminho das Boiadas saía de Guaratinguetá ou Lorena, passava pelos campos da Bocaina e alcançava o porto de Mambucaba ou Angra dos Reis, dependendo do rumo que tomava. Posteriormente (séc. XIX), esse caminho seria utilizado e calçado para o transporte do café. Mais que uma conexão entre o planalto e o litoral, foram esses caminhos vetores de ocupação e colonização.

No final do século XVIII, algumas famílias paulistas e fluminenses conseguiram sesmarias no vale do Paraitinga e nos contrafortes da Bocaina. Eram os Fialho, os Galvão dos Santos (Carmo), os Gomes Siqueira, os Ayres dos Reis, os Vaz da Silva, os França Mota, os Rodrigues da Silva, os Mariano Rodrigues, os Santos Pinto, os Pinto dos Santos, os Pinto Leite, os Cardoso de Miranda, os Marques, os Galvão Freire, os Almeida, os Pereira, os Moraes, os Lopes dos Santos, os Siqueira França, os Albano da Silva, os Müller etc. Terra boa, ainda ínvia. Vão povoando e abrindo passagem. De vez em quando ainda viam, esses pioneiros, os Puris cortando, apressadamente, aquelas florestas intactas. Caminhos foram se abrindo, novas famílias chegando e desmatando. A mata caía onde novos sítios eram erguidos. Por volta de 1.820 já se registra 400 almas, entre brancos e escravos. Denominava-se “Bocaina”, apenas. Em 1.859, Manoel Lopes dos Santos (D’Assunção) edifica a primeira capela da redondeza, orago de Nossa Senhora dos Remédios. Por esse tempo, ganha notoriedade a Fazenda da Serra, no bairro da Guabiroba. Era propriedade de Maria do Carmo dos Santos, viúva do Alferes José Gomes dos Santos Pinto e casada em segundas núpcias com Luiz Pereira Paes de Almeida. Latifundiária e rica, bancou boa parte da edificação da capela. Como centro religioso da redondeza, em torno da capela brota um povoado: Campos Novos. Povoado é um termo que significava à época “pequeno aglomerado rural ou urbano, sem autonomia administrativa; lugar ou sítio no qual já se formou uma pequena população ou um pequeno núcleo de habitantes.” (SEADE, 1995).

Croqui da vila de Campos de Cunha, distrito do município de Cunha. Atentar para o diminuto arruamento. Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo (IGC). Data: maio de 1940.

Vivia a região um enorme crescimento econômico proporcionado pela riqueza do café, que ia modificando a paisagem. Respingo da pujança econômica do médio Vale do Paraíba no planalto. “Campos”, devido aos campos de altitude da Serra da Bocaina, e “Novos”, porque a ocupação do Distrito era mais recente do que o restante do município. Campos Novos vingou à margem de um (Lorena – Mambucaba) das dezenas de caminhos que conectavam o vale produtor aos portos de exportação. Por isso, pulsou no ritmo regional: viveu o apogeu e a decadência da cafeicultura valeparaibana. Depois veio a fonte de água mineral (na década de 1910), depois a pecuária leiteira (década de 1940) … O turismo ainda é uma promessa, pois o potencial de Campos de Cunha é grande demais para seguir ainda inexplorado.

A região passa por um rápido crescimento econômico e populacional. Até que em 8 de março de 1.872, o povoado de Nossa Senhora dos Remédios de Campos Novos de Cunha se torna um Distrito de Paz, pela Lei Municipal nº. 5. Assim, passa a contar com uma autoridade administrativa nomeada pela Vila de Cunha especialmente para o lugar. Um Distrito era uma “divisão territorial e administrativa em que certa autoridade administrativa, judicial ou fiscal exerce sua jurisdição” (SEADE, 1995).

Em 11/09/1873, a capela passa a ser paróquia, com vigário próprio nomeado. Dessa forma, torna-se de fato Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios de Campos Novos de Cunha, pois só se tornava freguesia se fosse paróquia, isto é, tivesse um padre regular atuando na igreja. O primeiro que chegou a Campos Novos para a missão foi o padre italiano Nicolau Polito Derosa (“Padre Derosa”). O termo “freguesia” se refere a: “circunscrição eclesiástica que forma a paróquia; sede de uma igreja paroquial, que servia também, para a administração civil; categoria oficial institucionalmente reconhecida a que era elevado um povoado quando nele houvesse uma capela curada ou paróquia na qual pudesse manter um padre à custa destes paroquianos, pagando a ele a côngrua anual (…)” (SEADE, 1995).

Na divisão administrativa referente ao ano de 1911 já consta o Distrito de “Campos Novos de Cunha” como pertencente à Comarca de Cunha. Esse topônimo foi simplificado para “Campos de Cunha” apenas, na lei de divisão administrativa de 1938, permanecendo assim até os dias atuais. Mas para o cunhense ainda é “Campos Novos”.

Em 1912, o Barão da Bocaina compra a fazenda onde estava as fontes de águas minerais, conhecidas desde o século XIX. Seu projeto era construir uma nova cidade no local, uma estância hidromineral seguindo o exemplo de Campos do Jordão, que fora um projeto seu. E bem-sucedido. Com a morte do Barão, os planos são abandonados. Na década de 1970, a fazenda é comprada pelo italiano Ghisleni Giulio. Seu projeto era criar um loteamento, seguindo, modestamente, os planos do Barão. Não consegue vender os lotes, então decide envasar e vender a água mineral. A qualidade das “Águas Virtuosas Santa Rosa” conquista o mercado regional, mas na década de 1990 o envasamento é suspenso. Em 2021, a água mineral volta a ser vendida com o nome de “Serras de Cunha”, uma marca da Águas Prata Ltda.

Entre as décadas de 1920-1950, muitas famílias mineiras (os Fagundes, os Gonçalves etc.) migram para o município de Cunha, inclusive Campos de Cunha, atraídas pelo baixo preço das terras. Aqui desenvolvem a pecuária leiteira e, posteriormente, a pecuária de corte. Hoje, Cunha é a maior produtora de leite do estado. Então, Campos de Cunha se torna famoso pela qualidade de seus queijos e por sua produção de leite. Até pouco tempo, o Distrito contava com 2 grandes laticínios e outros artesanais espalhados pela zona rural, as fabriquetas.

Antiga fotografia capturada na vila de Campos de Cunha, possivelmente da década de 1940, postada no grupo “Memória Cunhense” (Facebook).

Nos anos de 1970-1980, devido ao abandono do Distrito pelas administrações municipais, cresce entre os moradores o desejo de emancipar-se de Cunha. Ademais, Campos de Cunha sempre manteve mais ligação com Lorena e Silveiras do que com a sede municipal. O pleito dos moradores é levantado pela SADICAC (Sociedade de Amigos do Distrito de Campos de Cunha) e recebe apoio dos deputados da região. Em 1991 é aprovado a realização de um plebiscito pela Assembleia Legislativa de São Paulo para votar a emancipação do Distrito de Campos da Cunha. Todavia, mudanças nas normas estaduais para emancipação de municípios, concernente à autossuficiência econômica, adia o sonho de Campos de Cunha.

É uma longa história, bem resumida pelo poeta e cantor Celso Galvão “…mas o lugar cresceu/ o tempo passou/ as porteiras se abriram / o progresso chegou/ Uma estrada novinha/ e a freguesia no meio da serra aflorou (…) uma gente que sonha e constrói para o futuro uma linda cidade/ na certeza de que/ a união e a fé/ é o caminho e verdade…”. Hoje, Campos de Cunha celebra 150 anos de elevação a Distrito. Parabéns a todos os moradores: da vila, da Bocaina e de todos os bairros rurais. Felicitação que estendo aos que se encontram dispersos por outras paragens.

Campos de Cunha em dois tempos: na década de 1980, na foto superior; na inferior, em 2016. Crescimento da mancha e adensamento urbano. Fotos: Página “Lá em Campos Novos” (Facebook).

Referências:
CUNHA, M. W. V. da. O Povoamento no Município de Cunha. Anais do IX Congresso Brasileiro de Geografia, v. II, p. 641-49, Florianópolis (SC), 1944.
FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS (SEADE). Memória das estatísticas demográficas: definições. Disponível em: < http://produtos.seade.gov.br/produtos/500anos/index.php?tip=defi >. Acesso em 8 mar. 2022.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades: Cunha (SP): História e fotos. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/cunha/historico >. Acesso em 8 mar. 2022.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha – 1600 – 2010 – Freguesia do Facão: A rota da exploração das minas e abastecimento de tropas. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.

Música homenageando Campos de Cunha, composta e interpretada por Celso Galvão.

O trecho paulista da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul

Rio Paraíba do Sul, quando cruza o município de Cruzeiro (SP), com a Serra da Mantiqueira ao fundo. Fonte: Wikipédia. Data: 2014.

A porção paulista do rio Paraíba do Sul (também chamada de Alto Paraíba do Sul) ocupa uma área de drenagem de 14.444 Km², onde vivem 2,1 milhões de pessoas, abrangendo 34 municípios de nossa região. A bacia de drenagem de um rio, segundo Teixeira et al. (2009, p. 308), inclui todos os afluentes que deságuam na drenagem principal e eventuais lagos associados a esse sistema, ela é separada das bacias de drenagem vizinhas por divisores de água (elevações topográficas), como as serras do Mar, da Bocaina, Mantiqueira e Quebra-Cangalha, por exemplo

Dentro dessa região hidrográfica há 16 unidades de conservação, com destaque para os núcleos do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) e o Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB), recentemente tombado como Patrimônio da Humanidade. Ambas as unidades são de proteção integral. Todas essas unidades de conservação visam preservar as seguintes vegetações: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Ombrófila Mista Alto Montana, Campos de Altitude e Floresta Ombrófila Mista. A área ocupada com vegetação natural remanescente corresponde a 3.846 Km², o que equivale a 26,5% da área de drenagem da bacia.

Mapa mostrando o trecho paulista da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul. Fonte: Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Data: 2015.

O rio Paraíba do Sul é formado pela confluência dos rios do Paraibuna, que nasce no município de Cunha (SP), no bairro da Aparição; e do Paraitinga, que nasce no topo da Serra da Bocaina, no município de Areias (SP). A junção dos cursos d’água ocorre onde hoje é a área alagada da Usina Hidrelétrica de Paraibuna, pertencente à Companhia Energética de São Paulo (CESP), localizada entre os municípios paulistas de Natividade da Serra, Paraibuna e Redenção da Serra. Da nascente na Serra da Bocaina até a foz em Atafona, município de São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, o Paraíba do Sul realiza um percurso de 1.137 km de extensão, até alcançar o Oceano Atlântico. Seus principais afluentes no trecho paulista são: Paraibuna, Paraitinga e Jacuí (formadores); Jaguari, Uma, Buquira, Ferrão, Embaú, Piquete, Bocaina, Pitangueiras e Itagaçaba (tributários).

Imagem de satélite da foz do Paraíba do Sul, mostrando o seu delta assimétrico dominado por ondas, formado pelo acúmulo de sedimentos ao longo de milhares de anos. Imagem: Divisão de Sensoriamento Remoto – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Data: 2019. Fonte: Flickr.

As principais atividades econômicas desenvolvidas são a agropecuária (rizicultura, pecuária leiteira e de corte, milho etc.), indústria e pesquisa tecnológica (automobilística e aeroespacial), química e alimentícia (laticínios, principalmente), o turismo (religioso, ecológico, de montanha, cultural etc.), comércio e serviços e mineração de areia. A maioria dos municípios que estão inseridos dentro da bacia hidrográfica é pobre e vulnerável socioeconomicamente, com a exceção de São José dos Campos, Guararema, Jacareí e Aparecida (SEADE, 2018), que foram classificados e. Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) como dinâmicos, isto é, municípios com índice elevado de riqueza e bons níveis nos indicadores sociais (longevidade e escolaridade médio /alto). Os municípios que são cortados pela Serra do Mar e da Bocaina apresentam os piores indicadores sociais da região, como é o caso de Cunha.

Outros indicadores ambientais: 99,7% dos resíduos sólidos são destinados a aterros sanitários adequados; 91,1% do esgoto urbano é coletado, porém, apenas 63,9% é tratado; a redução da carga orgânica poluidora do esgoto doméstico foi de apenas 40,2%; a demanda total (superficial e subterrânea) corresponde a apenas 10,7% da vazão do rio Paraíba do Sul, no trecho paulista, o que mostra uma baixa pressão sobre os recursos hídricos disponíveis; dos 21 pontos de coleta de água de rios da bacia para análise, 4 foram qualificados como ótimos, 18 como bons e apenas 1 como regular, o que favorece a proteção da vida aquática.

Rio Paraíba do Sul na proximidade de sua nascente, na Serra da Bocaina. Imagem: Marco Cruz. Data: 2011. Fonte: YouTube.

Por estar localizado entre as duas maiores metrópoles do país, o rio Paraíba do Sul sofre com a poluição de suas águas, seja pelo esgoto doméstico ou pelo industrial. Além disso, boa parte de suas cabeceiras, onde estão as nascentes, estão desmatadas e degradadas. Todavia, trata-se de um rio de suma importância social: abastece mais de 14,2 milhões de pessoas, pois parte de suas águas são desviadas para a bacia hidrográfica do rio Guandu, com a finalidade de gerar energia e abastecer a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Outros usos de suas águas são para irrigação (na rizicultura no Vale do Paraíba paulista, principalmente), geração de energia hidrelétrica e diluição de esgotos, este é uma das principais fontes de poluição do rio Paraíba do Sul, sobretudo nos trechos que cruzam as áreas urbanas. A vazão média do rio Paraíba do Sul, na divisa com o estado do Rio de Janeiro, é de 217 m³/s e a vazão mínima é de 72 m³/s, ou seja, cerca de um terço da vazão média. A situação é preocupante, pois só neste século o rio Paraíba do Sul já passou por duas crises hídricas, a primeira em 2004 e a última entre 2014 e 2016, atingindo sua fase de maior escassez em 2015. Nessas crises, as vazões diminuem muito, devido à baixa precipitação, causando impactos nos níveis de armazenamento dos reservatórios e, consequentemente, na irrigação, na geração de energia e no abastecimento de água para a população. A precipitação média no trecho paulista da bacia é de 1.385 mm ao ano. Devido à escassez hídrica e alta demanda das regiões metropolitanas do entorno, a água do Paraíba tem sido alvo de disputa entre as unidades federativas. Por isso e pela sua relevância ambiental, projetos que objetivem recuperar o rio – da nascente até a foz – são para ontem.

Vídeo com imagens de drone da foz do rio Paraíba do Sul, no norte fluminense. Fonte: YouTube / Canal Macaé Drone. Data: 2021.

Referências:

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO (ANA). Paraíba do Sul. Disponível em: < https://www.gov.br/ana/pt-br/sala-de-situacao/paraiba-do-sul/paraiba-do-sul-saiba-mais >. Acesso em: 19 out. 2021.
FUNDAÇÃO SEADE. Índice Paulista de Responsabilidade Social. São Paulo: Fundação Seade, 2018. Disponível em: < http://www.iprs.seade.gov.br/ >. Aceso em 19 out. 2021.
RIO PARAÍBA DO SUL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Rio_Para%C3%ADba_do_Sul&oldid=62208470 >. Acesso em: 19 out. 2021.
SÃO PAULO (ESTADO). Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul (CBH-PS). Capacitação de agentes no processo de gestão de recursos hídricos em atividades de educação ambiental. Taubaté (SP): CBH-PS, 2009.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Guia do Sistema Paulista de Recursos Hídricos. 3. ed. São Paulo: SSRH, 2015.
TEIXEIRA, W. et al. (org.). Decifrando a Terra. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009

Turismo em Cunha: cartografias, regionalizações etc.

O Lavandário e o pôr-do-Sol mais lindo do Brasil.

Faço aqui algumas breves considerações sobre a cartografia turística do município de Cunha e as regionalizações impostas pela Secretaria de Turismo de São Paulo e pelo Ministério do Turismo.

Cartografia

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2009. Fonte: Prefeitura de Cunha (SP).

Esse mapa turístico de Cunha vem sendo reproduzido e impresso pela Prefeitura, com algumas alterações, desde o início deste século. Foi criado pelo designer cunhense Wagner Oliveira. Sem dúvida, é muito bonito e elegante, mas peca nos aspectos cartográficos. Prevalece os aspectos estéticos sobre os técnicos. A cidade de Cunha, como se nota, está ampliada e o restante que do plano, que cobre o município, está em escala menor. Esse tipo de representação acarreta muitas distorções e gera confusão em que lê esse mapa. Geralmente, quando se amplia parte de uma peça cartográfica, a representação em escala maior aparece fora do plano geral, no canto e/ou destacada, a fim de chamar a atenção e não iludir quem realiza a leitura. Ademais, os pontos turísticos de Cunha, diferente de Campos do Jordão, por exemplo, não estão concentrados no perímetro urbano, mas dispersos pela nossa extensa área rural. Desse modo, ainda que o objetivo dessa técnica seja permitir a localização dos pontos turísticos e empreendimentos turísticos dentro da cidade, acaba atrapalhando a localização dos lugares similares que estão na zona rural, já que, como escrevi, Cunha não tem seus pontos e empreendimentos turísticos concentrados na zona urbana. A falta de uma escala mais próxima à realidade, sobretudo nos trechos rurais, tem gerado muitas frustrações nos turistas que se guiam por esse mapa, quando percorrem os roteiros que haviam traçado.

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2015. Fonte: CunhaTur.

Outro problema é a quantidade de informações que são apresentadas e representadas. Como o número de empreendimentos turísticos em nosso município vem aumentando a cada ano, à medida em que esses mapas são atualizados, ficam cada vez mais poluídos e carregados, o que compromete a leitura e a estética da peça gráfica. A solução pode estar na seleção das informações fornecidas ou na criação de um mapa digital para o turismo cunhense, através de um aplicativo para smartphone, por exemplo. Com os mapas digitais não só a atualização pode ser feita de maneira mais rápida e econômica, como a quantidade de informações pode ser resolvida com a criação de camadas selecionáveis, onde o próprio usuário pode decidir o que ele quer ver e localizar.

Mapa Turístico da Estância Climática de Cunha. Ano: 2019. Fonte: Prefeitura de Cunha (SP).

Regionalizações

Cunha era uma estância climática desde 1948. Foi a primeira do estado, antes até de Campos do Jordão. Na verdade, era para ser estância hidromineral devido às fontes da “Águas Virtuosas de Santa Rosa”. Mas, por pressões políticas de alguns deputados federais, insuflados pelos municípios que já gozavam desse “status” e acesso ao orçamento estadual, acabou se tornando uma estância climática (VELOSO, 1995, p. 12). Nessa batalha de Cunha atuaram dois políticos da época: deputado estadual Sebastião Carneiro da Silva (PSD), grande batalhador das causas valeparaibanas, e o governador Ademar de Barros (PSP), ex-combatente do serviço médico do Exército Constitucionalista, tendo servido na frente de Cunha. Na década de 1940, o dr. João Lellis Vieira, cunhense “da gema” e articulista do jornal “Correio Paulistano”, aproveitava o espaço que tinha para provocar Campos do Jordão, exclamando que Cunha, ao contrário daquela estância da Mantiqueira, era “climatericamente a Suíça Brasileira!”. Puro bairrismo. E um monólogo inócuo. Em nada abalou a reputação de Campos do Jordão, construída pelo próprio governo estadual, visando massagear o ego e ofertar um “plano B” para as quatrocentonas falidas, que já não dispunham de bufunfa para visitar a Suíça (de verdade) …

Mapa da Tipologia Turística das Estâncias Paulistas. Ano: 2017. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo.

Em 2015, o artigo 7º, da Lei Complementar nº 1.261 do estado de São Paulo, que Estabelece condições e requisitos para a classificação de Estâncias e de Municípios de Interesse Turístico e dá providências correlatas”, prescreveu que “os municípios classificados por lei como Estâncias Balneárias, Hidrominerais, Climáticas e Turísticas passam a ser classificados como Estâncias Turísticas, sem prejuízo da utilização da terminologia anteriormente adotada, para efeito de divulgação dos seus principais atrativos, produtos e peculiaridades.” Assim, ainda que a Prefeitura de Cunha mantivesse a divulgação do título de “Estância Climática”, oficialmente passou a ser “Estância Turística”. Na parte que interessa à Municipalidade, o acesso à verba extra do orçamento estadual para fomentar o turismo local, nada mudou. Portanto, nenhum estardalhaço foi gerado. A questão que se pôs a partir de então foi como o Governo Estadual organizaria e enquadraria os municípios turísticos.

Mapa dos Segmentos Turísticos no Estado de S. Paulo. Ano: 2017. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo.

Em um primeiro momento, a Secretaria de Turismo estadual lançou um documento para orientar as prefeituras sobre as mudanças ocorridas por força da nova lei. Assim, naquele momento, São Paulo estava dividido turisticamente em 15 macrorregiões e subdividido em 34 regiões turísticas englobando todos os 645 municípios paulistas (SÃO PAULO, 2015). Cunha pertencia à “Macrorregião do Vale do Paraíba” e à “Região Turística do Vale do Paraíba e Serras”. Basicamente, a Secretaria seguiu a regionalização histórica já existente, sem inventar moda. No mesmo documento, ao aprofundar a regionalização, a Secretaria criou os “Circuitos Turísticos”, uma sub-regionalização das regiões turísticas. Cunha, por sua vez, integrava, simultaneamente, o “Circuito Cultura Caipira”, junto com outros municípios do Alto Vale, e o “Roteiro do Vale Histórico”, junto com os municípios do “garoupas”. Essa regionalização era bastante condizente com a realidade e a história local, valorizando os aspectos culturais de Cunha e adjacências.

Cunha foi inserida dentro do segmento histórico e cultural, com destaque por sua cerâmica de alta temperatura nacionalmente conhecida. Fonte: Companhia Paulista de Eventos e Turismo. Ano: 2017.

A referida Lei Complementar reconhecia 13 segmentos de turismo: Social; Ecoturismo; Cultural; Religioso; Estudos e de Intercâmbio; de Esportes; de Pesca; Náutico; de Aventura; de Sol e Praia; de Negócios e Eventos; Rural; de Saúde. Sendo que Cunha estava segmentada dentro de uma região de turismo cultural, cuja definição, dada pela mesma lei é a que segue: “compreende as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”. Ainda que não seja a melhor para descrever o turismo cunhense era mais condizente que o enquadramento dado, por exemplo, ao turismo religioso, que é definido assim: “configura-se pelas atividades turísticas decorrentes da busca espiritual e da prática religiosa em espaços e eventos relacionados às religiões institucionalizadas, independentemente da origem étnica ou do credo”. Entretanto, a partir de 2017, Cunha passou a integrar a “Região Turística da Fé”, junto com Aparecida, Cachoeira Paulista, Guaratinguetá etc. mesmo não sendo um centro de peregrinação religiosa como esses municípios.

Mapa dos Circuitos Turísticos Paulistas. Ano: 2016. Fonte: Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo.

O que se vê é que nem o próprio Governo conseguiu superar a utilização e categorização das estâncias (turísticas, climáticas e hidrominerais), ainda que oficialmente tenha sido proscrita. O termo “municípios turísticos” ou “estância turística” ainda não foi plenamente assimilado pelas pastas estaduais. E muito menos pelos municípios, empresários, guias e população em geral. Por óbvios motivos políticos e eleitorais, em 2016, uma lei estadual criou a categoria “Municípios de Interesse Turístico”, ampliando em mais 140 o número de municípios paulistas com acesso ao filão orçamentário para “incrementar o turismo”.

Interessante notar que até no site desenvolvido pelas prefeituras da Região Turística da Fé, a foto de Cunha na página inicial é a única não remete à religião ou às igrejas, apresentando a foto de uma das dezenas de cachoeiras do município na chamada da página inicial. Ainda que as festas religiosas de Cunha sejam seculares e possam atrair turistas, elas são expressões de fé da população local e não um evento de cunho turístico. São manifestações de fé genuínas e não eventos comerciais de fundo religioso. Talvez a única exceção dentro dessas manifestações seja a Festa de Sá Mariinha das Três Pontes, em cujo lugar há até um pequeno centro de apoio ao romeiro, mas ainda assim são romeiros de Cunha e adjacências que vistam o local, ou seja, devotos da própria região e que estão no mesmo meio cultural. Diferentemente de Aparecida, Cachoeira Paulista e Guaratinguetá, que são centros nacionais do Catolicismo, e atraem fiéis até de outros países e em contingentes impensáveis para as festas religiosas de Cunha.

A descrição para caracterização da Região Turística da Fé é ambígua. Vejamos: “A Região Turística da Fé se destaca como uma das mais belas do país, está localizada no eixo Rio x São Paulo entre as Serras da Mantiqueira, da Bocaina e do Mar. São 08 municípios no Vale do Paraíba que estão unidos pelo desenvolvimento do turismo regional: Aparecida, Cachoeira Paulista, Canas, Cunha, Guaratinguetá, Lorena e Piquete. Com um grande número de santuários e belezas naturais a região proporciona uma experiência única de fé, contemplação e atividades turísticas em meio das lindas paisagens de serras e rios nos mais variados tipos de turismo e seus atrativos: turismo religioso, turismo rural, turismo cultural, de esportes, de aventura, ecoturismo, negócios e eventos, náutico e gastronômico.” (grifo meu) (REGIÃO TURÍSTICA DA FÉ, 2020). Como se nota, não se sabe ao certo qual o tipo de turismo a desenvolver, porque uma coisa é atrair e acolher romeiros e outra coisa é desenvolver o ecoturismo. No encontro que culminou em um estatuto para os municípios integrantes da RT da Fé, afirmou-se que: “(…) muitos projetos possam acontecer na Rota da Fé, tanto focando a religiosidade regional, como investimentos na infraestrutura (…)” (grifo meu) (PREFEITURA DE APARECIDA, 2019). Ora, como Cunha focar seu investimento em eventos religiosos, se quase todas suas festas turísticas são laicas e comerciais?

Mapa das Regiões Turísticas do Estado de São Paulo. É o que está em vigor. Cunha aparece em outra região turística. Fonte: Secretaria de Turismo do Estado de S. Paulo. Ano: 2017.

Praticamente quase todos os tipos de turismo praticados no Brasil são citados como a ser desenvolvido pela Região Turística da Fé. É claro que a diversificação das atividades turísticas é desejável, mas no caso parece que os mentores municipais estão meio perdidos quanto aos objetivos e metas a serem traçadas. Ter colocado Cunha no meio desses municípios engrossou o caldo da confusão, sem dúvida. Quem dá enfoque em tudo acaba não priorizando nada. Não há nenhum elemento caracterizador, ainda que o turismo religioso preceda os demais e seja citado “um grande número de santuários”, para logo em seguida já destacar as “belezas naturais”, que uma caracterização tão genérica, que pode aparecer na descrição da maioria das regiões turísticas do mundo. O fato é que Cunha não conta com santuários e nem é visitada por motivos religiosos. Na página de Cunha, no site da Região Turística da Fé, até são citadas as festas religiosas, mas os destaques são para os campos de lavandas, cachoeiras e às festas ligadas ao clima serrano. Faria mais sentido, penso eu, alocar Cunha na região vizinha, do “Rios do Vale”, que engloba parte dos municípios do Alto Vale do Paraíba. Pelo menos em nosso território nasce o rio Paraibuna, no bairro da Aparição, e ganha corpo o rio Paraitinga, que desce da Serra da Bocaina. Associar a beleza natural a alguma ação contemplativa de fé em nosso município é um grande disparate, a menos que Cunha tenha algum centro de peregrinação xamânica e ninguém nos avisou de nada…

Não se pode criar regionalizações em gabinetes, desconsiderando a história e desenvolvimento de cada lugar. Canetadas de políticos não devem preceder e prevalecer sobre o trabalho científico de geógrafos e turismólogos.

Considerações finais

Atualmente, a maior parte das pessoas que visitam Cunha utiliza para encontrar os destinos almejados as plataformas cartográficas digitais, como o Google Maps (por exemplo), por serem mais simples, acessíveis e atualizadas. Acessíveis até certo ponto, convenhamos, já que em uma boa parte da zona rural de Cunha não há sinal de celular e, consequentemente, de internet. Entretanto, ainda que venha caindo em desuso e estejam condenados, os mapas turísticos impressos de Cunha precisam equilibrar os aspectos artísticos e técnicos na sua apresentação, tornando-se um instrumento de localização mais útil a quem se destina: os turistas.

Com relação à regionalização turística a que Cunha foi submetida, compete à Prefeitura, através de seu corpo técnico, e ao Conselho Municipal de Turismo de Cunha (COMTUR) questionar esse enquadramento alheio à realidade do turismo local: ao seu desenvolvimento e história, à sua tipologia e às potencialidades que apresenta. Inclusive, o planejamento turístico estadual aponta que um dos objetivos estratégicos para o setor é “promover a atuação articulada de agentes públicos e privados na implantação de empreendimentos e produtos turísticos nacionais ou internacionais, que aproveitem as vocações e potencialidades dos municípios e regiões do Estado de São Paulo.” (SÃO PAULO, 2020, p. 37). E ainda, no mesmo documento, estabelece que o “incentivo e valorização das iniciativas que fortaleçam a identidade local e regional dos destinos turísticos” e a modernização e ampliação das “estratégias de marketing e comunicação de destinos, produtos e serviços turísticos ofertados no Estado de São Paulo nos níveis municipal, regional, nacional e internacional” (SÃO PAULO, 2020, pp. 44-45) são estratégias prioritárias para fomentar o turismo paulista na próxima década. Trata-se de uma regionalização totalmente deslocada, no tempo e no espaço. E que pode comprometer nosso desenvolvimento turístico se for seguida e houver direcionamento de investimentos.

Cunha viveu nesse primeiro quinquênio da pavimentação completa da rodovia que liga a cidade a Paraty (RJ) um crescimento nunca visto do seu turismo. O fluxo cada vez maior de pessoas que se dirige às praias da Costa Verde fluminense e para o Litoral Norte paulista transformou nossas montanhas em vitrine e propaganda ininterrupta do lugar. É um outdoor vivo e verdadeiro dos dois lados da pista da rodovia SP-171. Entretanto, é preciso planejar e aprimorar as atividades turísticas que acontecem aqui, para gere renda e traga benefícios para todos os cunhenses e que seja sustentável, ecologicamente e financeiramente, nas próximas décadas.

Vídeo sobre a então Estância Climática de Cunha, produzido pela Aprecesp (Associação das Prefeituras das Cidades Estância do Estado de São Paulo), em 2012.

Referências:
CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007.
LIBAULT, A. Geocartografia. São Paulo: Companhia Editora Nacional / Editora da Universidade de São Paulo, 1975.
PREFEITURA DA ESTÂNCIA CLIMÁTICA DE CUNHA. Mapa Turístico de Cunha já está disponível aqui no site oficial da prefeitura, 22 jan. 2019. Disponível em: < http://www.cunha.sp.gov.br/noticias/mapa-turistico-de-cunha-ja-esta-disponivel-aqui-no-site-oficial-da-prefeitura/ >. Acesso em: 4 out. 2021.
PREFEITURA DE APARECIDA. Estatuto da Região Turística da Fé, 26 jul. 2019. Disponível em: < https://www.aparecida.sp.gov.br/portal/noticias/0/3/326/estatuto-da-regiao-turistica-da-fe >. Acesso em: 5 out. 2021.
REGIÃO TURÍSTICA DA FÉ. Conheça Cunha. Disponível em: < https://rtdafe.com.br/cunha/ >. Acesso em 4 out. 2021.
______. Sobre a região. Disponível em: < https://rtdafe.com.br/ >. Acesso em 4 out. 2021.
SÃO PAULO (Estado). LEI COMPLEMENTAR Nº 1.261, DE 29 DE ABRIL DE 2015. Estabelece condições e requisitos para a classificação de Estâncias e de Municípios de Interesse Turístico e dá providências correlatas. São Paulo (SP), abr. 2015. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/2015/lei.complementar-1261-29.04.2015.html >. Acesso em: 5 out. 2021.
SÃO PAULO (Estado) / Secretaria de Turismo. Município de Interesse Turístico: cartilha de orientação de acordo com a Lei 1261/15. São Paulo: Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo, 2015. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/publico/include/download.php?file=108 >. Acesso em: 4 ou. 2021.
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______. Mapa das Regiões Turísticas. 2017. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/datafiles/suite/escritorio/aplicativo/conteudo/album_fotografico/782.jpg >. Acesso em 5 out. 2021.
______. TURISMO SP 20-30: Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo do Estado de São Paulo – resumo executivo. São Paulo: SETUR, out. 2020. Disponível em: < https://www.turismo.sp.gov.br/datafiles/suite/escritorio/aplicativo/webdesign/abertura/Plano%20Turismo%20SP%2020-30%20site09dez2020.pdf >. Acesso em: 5 out. 2021.
SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tipologia Turística das Estâncias Paulistas – 2017. “Turismo em São Paulo”, TUR.SP – Companhia Paulista de Eventos e Turismo | Disponível em: < http://www.turismoemsaopaulo.com >. Acesso em: 11 jan. 2018.
______. Segmentos Turísticos no Estado de S. Paulo – 2017. “Turismo em São Paulo”, TUR.SP – Companhia Paulista de Eventos e Turismo | Disponível em: < http://www.turismoemsaopaulo.com >. Acesso em: 11 jan. 2018.
VELOSO, J. J. de O. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1995.

José Luiz Pasin (1939 – 2008), um intelectual iluminado

Professor José Luiz Pasin: um mestre generoso, uma mente brilhante. Foto: Centro UNISAL.

De História foi o grande professor. Entusiasmado e cativante, profundo conhecedor do tempo que passou e que, nas suas aulas, parecia nunca passar… Foi testemunha ocular de tudo que falava? Um viajante do tempo com quem tivemos a honra de conviver, aprender, absorver? Havia um “que” de magia que nos envolvia em sua exposição… Das suas aulas, a única que coisa que não trazíamos conosco eram anotações sobre o conteúdo. Não havia tempo a perder fazendo anotações, dizia o mestre. Falava com tanta propriedade e com tanto brilho nos olhos que nos arremessava em uma espécie de túnel do tempo imaginativo e nos colocava à mesa das velhas fazendas vale-paraibanas, a observar o cotidiano duro dos negros nos terreirões e o vai-e-vem dentro da Casa Grande. Eloquente em suas ideias e explanações. Democrático e cortês na escuta. Educador exímio, cativou uma geração inteira de estudantes a se apaixonar pelo seu Vale do Paraíba. E me incluo entre os tais.

Da minha janela na Roseira Velha, quando eu abro de manhã, eu faço meu diálogo com o mundo. É indiferente morar em Roseira Velha, Rio de Janeiro, Londres, Paris ou Roma; tudo é muito relativo. O que importo é o que faço no espaço onde moro; é a minha relação diária com as pessoas e com a cultura. Eu sempre digo que o meu país, antes de tudo é o Vale do Paraíba, inserido no Brasil. Estas fronteiras geográficas, estas raízes, que constituem a Serra da Mantiqueira, de um lado, e a Serra do Mar, do outro, elas impelem a minha caminhada e eu não saberia viver fora deste Vale do Paraíba“.

Pasin, em entrevista de 1987

Um vulto, um ícone a circular pelos corredores da Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena, sua segunda casa. Um idealista, um sonhador, crente que foi no potencial dos jovens para construção de um mundo melhor. Mais que de Humanas, um humanista por formação e de coração. História Regional foi sua praia, além de Paraty. Mestre em História do Brasil. O Vale do Paraíba, sua pátria (dizia ele), foi mais que um objeto de pesquisa: uma causa sagrada. E dela foi sumo sacerdote por décadas. Um apologista da nossa importância, por vezes ignorada. Criador do Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV), rebento que emergiu após o primeiro simpósio de história regional que promoveu, lá nos idos de 1972. Da cultura regional foi o defensor, o incentivador. Ajudou a fundar museus, arquivos públicos e a tombar imóveis, sobrados e fazendas. Ativista cultural e provocador. Um espírito inconformado e contestador, sujeito suspeito e subversivo para as autoridades que inventaram os Anos de Chumbo. Acabou preso no 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena. Mas muito mais foi amado e querido. E por todos que tiveram o prazer de conhecê-lo: amigos, alunos, colegas, empresários, conhecidos e até pelos políticos.

Ruth Guimarães e Professor Pasin, dois ícones da cultura valeparaibana. Foto: Botelho Netto.

Um legítimo cavalheiro que levava luz aonde ia, com bom humor, simpatia, cordialidade. Foi ecologista quando isso ainda era novidade. Para ele, já naquele tempo, o cuidar do ambiente era uma questão ética. E olha que ninguém se preocupava com aquecimento global… Abnegado, um verdadeiro mecenas, a colocar suas posses e bens em favor das grandes causas de seu tempo e suas: luta pela preservação ambiental e pela memória e história do Vale do Paraíba. Um intelectual completo e, ao mesmo tempo, um signo de contrariedade a esse tipo, pois sempre foi uma pessoa amável e simpática.

Monarquista convicto, porque via no antigo regime fonte de legitimidade, identidade e apreço histórico. Na política foi do Partido Verde, um defensor das minorias e da socialdemocracia. Estudou o índio, o negro, os tropeiros, os pobres, a mulher, a classe média, os barões do café do Vale de ontem. Sua sociabilidade e generosidade não se restringia ao trato, também adentrava no seu campo de estudo.

“Eu fiz o curso de História nos anos 60, me formei em 1962, na Faculdade Salesiana de Lorena, considerada, na época, uma instituição universitária de renome nacional. Como acontecia nas universidades do país, havia uma necessidade de se discutir a realidade brasileira, os problemas sociais, reforma agrária, situação da classe operária, da universidade… tudo isso já repercutia aqui, na Faculdade Salesiana”.

Pasin, em entrevista de 2004

Fez da sua Fazenda Boa Vista, em Roseira, reserva ecológica e faculdade. Um espaço de educação ambiental. Procurou viver aquilo que acreditava e pregava. Coerência foi a sua marca registrada.

Zé, como era chamado, tinha luz no nome. E teve luz na vida. E mesmo mais de uma década sem ele, um feixe irradia sobre todos os que debruçam na pesquisa histórica regional, pois ainda é fonte indispensável. E de tanta luz que esparramou, iluminou uma geração inteira de jovens estudantes de História, ávidos em desvendar os meandros das circunstâncias históricas pretéritas. E esse lume não cessará tão logo.

“Eu tenho procurado ao longo da minha vida ser coerente. As coisas que eu penso, as coisas que eu digo, principalmente nas salas de aula, nos cursos que eu ministro, nas conferências, nas entrevistas e nas atitudes em relação à minha própria vida. Então, eu parto da ideia de que a minha vida é dedicada aos movimentos culturais e aos movimentos ambientalistas”.

Pasin, em entrevista de 1987

Natural de Aparecida, havia adquirido uma casa em Cunha pouco antes de morrer, vitimado por câncer. O Zé tinha a simplicidade dos caipiras e a sofisticação dos aristocratas. Queria descansar entre as montanhas e sentir o gostoso frio dos Mares de Morros. Todavia, o infortúnio não o permitiu e o nosso amigo Zé partiu. Deixando, além de muita saudade, uma vasta herança a todos nós: a imprescindível bibliografia histórica da nossa região. Lê-la é perpetuar a sua memória, honrar a sua vida de valor.

É, Zé, quero acreditar que você, agora um espírito iluminado, ainda caminha entre nós ou pela Estrada Real. Que habita, encantado, os velhos casarões que você lutou para que continuassem em pé, assombrando o descaso, a indiferença e os demolidores que se atreverem. Você sempre estará de alguma forma entre nós, com a mesma personalidade forte e presença marcante que tinha nas conversas, nos convivas, saraus, aulas, palestras, lançamentos de livros, coquetéis, conferências, escarafunchando arquivos empoeirados, criando coisas novas para preservar coisas antigas… E sempre com um largo sorriso.

José Luiz Pasin foi mais que um intelectual das letras e ideias. Engajou-se nos movimentos de preservação do patrimônio histórico, arquitetônico, cultural e ambiental do Vale do Paraíba. Foto: Botelho Netto.

Zé, Zé Luiz, professor Pasin, você fez História em todos os sentidos.

Com gratidão e admiração eterna, de um dos seus muitos ex-alunos.

No Centro UNISAL, de Lorena, Pasin, enquanto professor universitário, formou gerações de professores e historiadores da nossa região. Foto: Centro UNISAL – Lorena.

José Luiz Pasin (Aparecida – SP, 27 de agosto de 1939 – Guaratinguetá – SP, 11 de janeiro de 2008), foi um historiador, pedagogo, escritor, poeta, articulista e professor brasileiro. Confira abaixo um pouco da sua brilhante trajetória intelectual.

Instituições e organizações em que atuou:
Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV)
Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Centro UNISAL) – Lorena
Professor de História de escolas públicas e de colégios privados do Vale do Paraíba
Museu Frei Galvão – Guaratinguetá
Academia Paulista de História
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
Colégio Brasileiro de Genealogia
Instituto Histórico e Artístico de Paraty
Instituto Genealógico Brasileiro
União Brasileira de Escritores
Conselho Regional de Museologia do Estado de São Paulo (COREM)

Núcleo de Pesquisa Regional do Centro UNISAL
Faculdades Integradas “Teresa D’Ávila” (FATEA) – Lorena
Faculdade de Roseira (FARO) – Roseira

Revista e jornais para quem escreveu:
Revista Ângulo
Folha de São Paulo
Valeparaibano

Prêmios recebidos:
Prêmio Cultural “Eugênia Sereno” – 2001
Prêmio de História Regional – 2001

Livros e monografias (levantamento parcial) de sua autoria:
Os Ciclos Econômicos do Vale do Paraíba (1962)
Poetas de Guaratinguetá (1974)
Algumas notas para a história do Vale do Paraíba: desbravamento e povoamento (1977)

Poetas de Aparecida (1978)
O Visconde de Guaratinguetá (1979)
Guaratinguetá: tempo e memória (1983)
Vale do Paraíba: ontem e hoje (1988)

Pasin: cem anos de uma família italiana no Brasil (1988)
Panorama da Literatura do Vale do Paraíba (1995)
O Instituto de Estudos Valeparaibanos e a preservação do Patrimônio Ambiental e Cultural do Vale do Paraíba (1999)
Barões do Café: titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista (2001)
A Jornada da Independência (2002)
O Outro Euclides: o engenheiro Euclides da Cunha no Vale do Paraíba, 1902-1903 (2002)
Vale do Paraíba: a Estrada Real, Roteiros & Caminhos (2004)
Catálogo da sala Euclides da Cunha (2005)
Vale do Paraíba: história e cultura (2007)

Fontes:
ALMEIDA, D. A. de. Seis anos sem o Prof. Pasin, um dos maiores historiadores do Vale do Paraíba, 10 jan. 2014. Disponível em: < https://unisal.br/seis-anos-sem-o-prof-pasin-um-dos-maiores-historiadores-do-vale-do-paraiba/ >. Acesso em: 29 set. 2021.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ALESP). Requerimento de pesar pelo falecimento de José Luiz Pasin. Autor: Deputado Aloísio Vieira. Partido: PDT. Ano: 2008. Disponível em: < https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=https%3A%2F%2Fwww.al.sp.gov.br%2Fspl%2F2008%2F02%2FPropositura%2F11034233_775638_propositura_RequerimentodePesar_775638%255B1%255D.doc&wdOrigin=BROWSELINK >. Acesso em: 29 set. 2021.
BASTOS, M. Instituto de Estudos Valeparaibanos cuida do Patrimônio Ambiental do Vale. 2019. Disponível em: < http://unisal.br/hotsite/recicle/instituto-de-estudos-valeparaibanos-cuida-do-patrimonio-ambiental-do-vale/ >. Acesso em: 29 set. 2021.
CARLOS, E. O Prócer da História. 8 abr. 2018. Disponível em: < http://redescobrindoovale.blogspot.com/2018/04/o-procer-da-historia.html >. Acesso em: 29 set. 2021.
ENTREVISTA com José Luiz Pasin. O Lince. Ano 2, n. 20, ago. 2008. Disponível em: < http://www.jornalolince.com.br/2008/ago/entrevista/pasin.php >. Acesso em: 29 set. 2021.
INSTITUTO DE ESTUDOS VALEPARAIBANOS (IEV). Sobre. Disponível em: < http://iev.org.br/sobre >. Acesso em: 29 set. 2021.
SINDICATO DE HOTÉIS, BARES, RESTAURANTES E SIMILARES DE APARECIDA E VALE HISTÓRICO (SP) – SINHORES. Morre o Historiador José Luiz Pasin, 11 jan. 2008. Disponível em: < http://sinhoresaparecida.blogspot.com/2008/01/morre-o-historiador-jos-luiz-pasin-11.html >. Acesso em: 29 ago. 2021.

15 de setembro de 1785 – Cunha conquista sua independência política

Arte ilustrativa sobre a separação territorial que se fez em 1.785. Cunha desmembrava de Guaratinguetá e se tornava vila e município. Fonte: Jacuhy. Série: Hoje na História de Cunha

Em 15 de setembro de 1.785, a Freguesia de Nª. Sª. da Conceição do Facão se emancipava politicamente da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá, constituindo-se a partir de então em município. Mudou de status e também de nome, passando a se denominar Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha, uma homenagem ao Governador da província de São Paulo na época, Capitão-General Francisco da Cunha e Meneses, o que sugere que o nobre militar português teve um papel decisivo no processo que culminou em nossa independência política e administrativa, que – certamente – sofreu forte oposição da elite guaratinguetaense, que não queria a secessão de uma de suas mais prósperas freguesias. Como uma vila do Estado do Brasil, colônia ultramar do Reino de Portugal, a elite cunhense foi incumbida de construir a Câmara, composta pelos “homens bons” (isto é, os ricos) e responsável pela administração da vila (o cargo de prefeito é invencionice republicana), a Cadeia Pública e o Pelourinho, símbolo do domínio português. Assim, estaria composta a organização do poder local, necessário para o funcionamento da vila dentro do sistema colonial. No Auto de Ereção da Vila de Cunha consta como motivos da criação da nova vila a numerosa população (para época) e a grande distância de Guaratinguetá, que dificultava o funcionamento da Justiça e do Governo Civil na Freguesia do Facão.

Antigo sobrado onde funcionava a Câmara, Fórum, Cadeia Pública (no térreo) e Prefeitura (com o advento do regime republicano). O velho sobrado, erguido no final do século XVIII, com grossas paredes de taipa de pilão, foi consumido por um incêndio criminoso em 1.961, levando consigo toda a documentação histórica de Cunha. Condenado e em ruínas, foi demolido. Hoje, no local, há a Delegacia de Polícia de Cunha. Foto: Arquivo do Museu Municipal Francisco Veloso. Data: década de 1.940.

O Auto de Ereção da Vila de Cunha foi muito celebrado pelos cunhenses. Assim que foi lido pelas autoridades, foi levado à Igreja Matriz, onde ficou exposto em frente ao Santíssimo Sacramento, sendo abençoado pelo vigário da paróquia. Toda a elite agrária se fez presente, juntamente com demais membros da sociedade local. A emancipação foi recebida com grande contentamento por todos.

Segundo pesquisa de VELOSO (2010), as autoridades constituídas da Vila de Cunha em 1.791 eram: Antonio José de Macedo – JUIZ ORDINÁRIO; José Borges dos Santos – VEREADOR; Antonio Monteiro de Gouvêa – VEREADOR; e Luiz Manoel de Andrade – PROCURADOR.

Cunha foi a primeiro município a se desmembrar de Guaratinguetá e será seguida por Lorena, três anos depois, em 1.788. Ao todo foram dezesseis desmembramentos (consequentes e subsequentes) da Vila originária. Os últimos municípios a se desmembrarem do que foi o antigo território da Vila de S. Antônio de Guaratinguetá foram Potim e Arapeí (de Bananal), ambos em 1.991.

Recentemente, em 2.017, após várias audiências públicas, a Câmara de Cunha retificou a data de aniversário do município, abandonando o tradicional 20 abril, e adotando o 19 de março como data festiva, alusão à fundação do município, tomando como marco a construção da Capela de Jesus, Maria e José da Boa Vista, em 1.724. A retificação da celebração anual vinha sendo concitada pelo professor João Veloso em artigos publicados no “Jornal da Montanha” desde o início da década de 2.010. Entretanto, a sugestão só vai ganhar força após o aparecimento do grupo “Memória Cunhense”, no Facebook. Ali, em meio as postagens de fotos e fatos, a ideia vai repercutir e ganhar apoiadores, desejosos que o equívoco histórico fosse sanado. No começo do ano de 2.017, o professor, músico e historiador Victor Amato dos Santos tomaria a frente das audiências públicas, subsidiado e apoiado pelo próprio professor Veloso, explanando as razões e a necessidade da retificação da data de comemoração. O 15 de setembro de 1.785, data da emancipação política-administrativa, evento comemorado de praxe em outros municípios, será preterido em virtude do 19 de março de 1.724, data adotada como fundação do município. Houve quem discordasse desta data e preferisse aquela, porém a maioria da edilidade votou favorável à retificação para o dia 19 de março. O Projeto de Lei foi sancionado pelo Executivo Municipal, na íntegra, vigorando desde então.

Fontes:
Fundação SEADE. Desmembramento dos Municípios Paulistas. Disponível em: http://www.seade.gov.br/visualizacao/desmembramentosp/. Acesso em 13 de set. de 2019.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha: 1600-2010. pp. 274-277.

Postagem feita originalmente na página Jacuhy, em 15 set. 2019, na série “Hoje na História de Cunha”.

Frango à moda da Revolução de 1932

Frango à Revolução, receita de Laura de Azevedo Fontes. Foto: Walter Morgenthaler.
“Eu ando de quarqué jeito, de butina ou de chinela
Na roça si a fome aperta, vou apertano a fivela
Mas lá no meu ranchinho, a mulher e os filhinhos
Tem franguinho na panela (...)”

(Franguinho na panela, música composta por Moacyr dos Santos e Paraíso)

Final de setembro de 1932. Chegava a primavera no Vale, época de arar a terra e semear para aproveitar a época das águas. Mas naquele ano de 1932, especificamente naquele ano, as terras de todo o Vale do Paraíba já haviam sido lavradas por trincheiras. Plantações de capacetes de aço, caules fardados de cor cáqui, de cujo punho brotam fuzis. Rumorosas e sangrentas eram aquelas lavouras adubadas à pólvora… Grande sofrimento para as mães dos soldados que não voltaram, grande sofrimento para o povo do lugar sem poder plantar… O mundo tinha virado de pernas para o ar.

Não só a estação havia mudado, mas a sorte e o ânimo dos paulistas. Já se delineava o resultado do embate, apontando a vitória das tropas da ditadura. Em menor número e sem munição, os paulistas recuavam em direção à sua capital. 

Foi no dia 15 de setembro o recuo mais dramático da guerra perdida, quando abandonaram a cidade de Lorena. Os paulistas, constitucionalistas, vendo o cerco se fechar, adotaram como tática a “terra arrasada”, para retardar e enfraquecer as linhas outubristas. Dos gêneros e víveres que para tropa inimiga poderia ser comida, nada restou. Não sabiam os combatentes que com essa ação insensata, recairia a carestia muito mais sobre o valente povo paulista do que sobre os soldados da ditadura. Do pouco que ainda tinham, foram forçados a ceder às tropas famintas de pão e sangue, que invadiam sem pedir licença, fiéis representantes que eram do regime do arbítrio. Para nosso desgosto, a linha de defesa se contraiu, atingindo a estação ferroviária de Engenheiro Neiva, na velha cidade de Guaratinguetá. Essas novas trincheiras, cavadas na iminência da derrota, foram a “musa” de Guilherme de Almeida, no épico “Oração ante a Última Trincheira”.

Laura de Azevedo Fontes. Foto: Walter Morgenthaler. Ano: 1998.

E foi no alvoroço desses acontecimentos e contratempos, que Laura de Azevedo Fontes, uma moça de 14 anos na época, recebeu – com a bravura que é própria das mulheres paulistas – um contingente grande de incômodos visitantes, ameaçando o saque, exigindo a boia ou o fogo grassaria pela Fazenda do Sertão, em Cachoeira Paulista, onde ela e a família estavam refugiados naqueles dias de setembro. Sacando o que tinha na dispensa (leite talhado) e o que restava no terreiro (galinhas velhas), na base do improviso e na boa mão que Deus lhe para os temperos, nasceu um prato novo para acalmar o estômago das tropas: um frango frito à moda da Revolução. A receita agradou paladares e amansou o ânimo dos soldados. Cessado os embates, abaixada a poeira, a receita foi sendo repassada e replicada, geração após geração, até chegar até nós. Revoluções findam-se; a gula, nunca.

Frango à Revolução
1 frango caipira (ou de granja) grande, cortado em pedaços
2 colheres (sopa) de suco de limão
3 dentes de alho amassados
1 folha de louro picada
Sal e pimenta a gosto
4 colheres (sopa) de óleo de urucum (ver receita abaixo)
2 cebolas grandes, cortadas em rodelas
3 xícaras (chá) de coalhada
4 colheres (sopa) de cheiro-verde picado

Modo de preparo:
Em uma tigela, tempere o frango picado com o suco de limão, o alho, o louro, o sal e a pimenta a gosto. Cubra e deixe descansar por 3 horas ou de um dia para o outro, para o frango pegar melhor o tempero.
Aqueça o olho de urucum em panela, em fogo alto. Junte o frango e deixe dourar. Acrescente a cebola e refogue até ficar macia.
Adicione a coalhada, misture, tampe e deixe ferver. Reduze o fogo e cozinhe, mexendo de vez em quando, até o frango ficar macio.
Acrescente o cheiro-verde e misture. Prove o tempero e, se for necessário, junte mais uma pitada de sal e pimenta a gosto. Tire do fogo, passe para uma travessa e sirva.

Rendimento: 6 porções.

Como temperar o óleo com urucum:
5 colheres (sopa) de sementes de urucum
2 xícaras (chá) de óleo

Ponha o óleo em uma panela e misture as sementes de urucum. Mexa e aqueça em fogo alto até o óleo ficar bem vermelho. Tire do fogo, deixe esfriar e coe, para retirar as sementes do óleo. Reserve o óleo temperado para utilizar em outras preparações.

O urucum e a coalhada dão cor e sabor ao frango à Revolução. Um delicioso prato histórico!

Fonte:
FERNANDES, C. A Culinária Tradicional Paulista nos hotéis SENAC São Paulo. São Paulo: Editora SENAC, 1998. pp. 74-75.

Lagoinha já foi distrito de Cunha

Postagem da série “Hoje na História de Cunha”, da página Jacuhy, no Facebook.

Lagoinha possui uma história peculiar. Após conquistar sua autonomia política em 19 de fevereiro de 1.900, através da Lei n.º 38, quando a Vila de Lagoinha foi elevada à condição de município, mesmo ainda sem se constituir uma comarca, em 21 de maio de 1934, através do Decreto-Lei n.º 6.448, Lagoinha voltou novamente à condição de distrito, só que dessa vez do município de Cunha. Certamente que a decisão pegou todas as autoridades municipais de surpresa, tanto as cunhenses quanto as lagoinhenses. Cunha possuía um território enorme para uma Prefeitura com baixa arrecadação e Lagoinha jamais imaginaria que retornaria a distrito, muito menos de Cunha.

A decisão veio de uma canetada do interventor federal (que era nomeado pelo chefe de Estado) no estado de São Paulo, Armando de Salles Oliveira. Na época estávamos na vigência do Governo Provisório da Era Vargas, em sua fase final, instalado logo após a Revolução de 1.930. Salles evocava o decreto fundante da instituição do governo revolucionário de 1.930 (Decreto n.º 19.398, de 11 de novembro de 1930) para assinar o decreto-lei que extinguiu diversos municípios de São Paulo. Salles era um liberal, sócio do jornal “O Estado de S. Paulo”, apoiou o golpe de 1.930 e, descontente com a demora das eleições, apoiou a Revolução de 1.932. No entanto, em 1.933, Vargas, então chefe de Estado “provisório”, visando acalmar os ânimos paulistas após a guerra civil, nomeou-o para interventor federal em São Paulo e deixou claro que estava elevando ao cargo máximo do estado um aliado dos constitucionalistas, que haviam sido derrotados no campo militar. Em 1.935, Salles seria eleito governador de S. Paulo, já na fase constitucional da Era Vargas. Sonhava em ser presidente e concorreria nas eleições marcadas para 1.938, mas seu projeto político foi interrompido com a implantação do Estado Novo em 1.937 e suspensão das eleições e a implantação de uma ditadura protofascista. As razões alegadas por Salles para extinção de Lagoinha e mais 17 municípios paulistas constam nas considerações iniciais do Decreto: “não pódem, com seus proprios recursos, manter os encargos decorrentes de suas administrações, devido á exiguidade das respectivas rendas; considerando que a renda anual desses municipios, inferior a 25:000$000 (vinte e cinco contos de réis), em alguns deles não atinge a 10:000$000 (dez contos de réis), e é, na sua maior parte, aplicada somente com as despesas do funcionalismo, sem vantagem para os serviços publicos; considerando que é de toda a conveniencia a anexação desses municipios a outros mais prosperos e de melhores condições financeiras (…)”. Ou seja, as razões apresentadas parecem atender a um receituário liberal para Economia, visando corte de gastos públicos, diminuição do tamanho e presença do Estado e redução do funcionalismo, não muito diferente da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) do Pacto Federativo, que o Governo Federal atual planeja implantar.

A anexação de Lagoinha a Cunha não agradou os lagoinhenses e luizenses. A comunicação entre Cunha e Lagoinha era péssima, feita por estradas de tropas e sempre em péssimas condições. Fora a distância. Enquanto São Luiz estava a 24 Km de Lagoinha, Cunha se encontrava a 45 Km. Parece que ao dar a canetada, olharam no mapa e acharam fazer sentido que, por Cunha ser maior e fazer fronteira com Lagoinha, a integração ocorreria naturalmente e sem problemas. Os luizenses, que tinham interesses políticos e comerciais em Lagoinha, também não gostaram do novo arranjo territorial. Em Lagoinha um movimento contrário a essa anexação foi encetado por Pedro Alves Ferreira, o “Pedro Mané”, um comerciante local. O movimento foi reforçado pela chegada do novo padre, Francisco Eloy de Almeida (Padre Chico), que passou a fazer coro contra a perda de autonomia e a distância do distrito da sede municipal. Um plebiscito chegou a ser organizado, visando tornar o distrito como parte de São Luiz.

Somente com a nova divisão administrativa do estado, fixada em 1.944, Lagoinha voltou a fazer parte do município de São Luiz. Para Cunha, como o contato com Lagoinha era mínimo, pouca diferença fez, tanto em sua vida política (engessada pelo Estado Novo) quanto na sua economia. Mas a luta dos lagoinhenses prosseguiu, com o intuito de reconquistar a autonomia administrativa. Em 23 de dezembro de 1.953, após muita luta política, Lagoinha reconquistou a sua emancipação territorial e administrativa. Diz a Lei Estadual n.º 2.456/1953 nas suas notas finais: “141 – O município de Lagoinha é restabelecido, com séde na vila de igual nome e com o território do atual distrito.” Foi decisivo o apoio de dois deputados estaduais à causa de Lagoinha, a saber, André Broca Filho e Alfredo Farah. Devido à emancipação política, em 03 de outubro de 1.954, foram realizadas as eleições para os cargos de prefeito, vice-prefeito e para composição da Câmara. Lagoinha contava, à época, com 1.094 eleitores legalmente inscritos. No dia das eleições compareceram e votaram apenas 787 eleitores, elegendo o prefeito: Pedro Alves Ferreira (PSD) (candidato único), com 710 votos; o vice-prefeito (na época, o vice era eleito separado do prefeito): José Maria Landim (PSD), com 542 votos; e os vereadores: José de Oliveira Santos (PSP), Geraldo Pereira Coelho (PSP), Albertino José Ferreira (PSP), Antônio Alves da Rocha (PSP), Bento Januário de Gouveia (PSP), Geraldo Antônio de Souza (PSD) e José Gonzaga de Campos (PSP). Sua reinstalação verificou-se no dia 01 de janeiro de 1955.

Assim, nesses 10 anos (1.934-1.944), por ser distrito de Cunha, tal como Campos de Cunha é hoje, Lagoinha era parte de nosso território em 1.940, quando o IBGE realizou seu recenseamento. Isso explica a queda de população verificada entres os Censos de 1940, quando Cunha teve uma contagem de 24.818 habitantes, e 1.950, quando o verificou-se um contingente menor, com 20.784 habitantes. Evidentemente que, embora o êxodo rural já estivesse em curso, a queda foi causada pela perda de território e da população residente nele. A aparente estabilização populacional de Cunha, a partir de meados do século XX, encoberta os impactos do êxodo rural na nossa estatística demográfica. As perdas migratórias expressivas que o município passou não se refletem negativamente nos recenseamentos, pois como a taxa de natalidade e fecundidade eram muito altas, compensava os impactos demográficos do êxodo na população total e mantendo a população em torno dos 20 mil habitantes.

Ano passado, na PEC do Pacto Federativo sugerida pelo Ministério da Economia, havia a proposta de que municípios pequenos e com baixa arrecadação perdessem sua autonomia política e passassem a integrar, como distrito, outro município mais sustentável. Essa proposta, bastante polêmica por sinal, visava reduzir o tamanho do Estado, com cortes de gastos públicos, objetivando o equilíbrio fiscal. A alegação do ministro neoliberal Paulo Guedes era que esses municípios pequenos eram caros demais para sua manutenção e funcionam como cabides de empregos públicos para cidades pequenas, que não buscavam outro meio de se desenvolver e aumentar sua arrecadação e obter, desse moto, autonomia financeira em relação aos Estados e União. Obviamente que a proposta foi rechaçada pelos deputados, com medo de perder votos em seus nichos eleitorais, além daqueles que apontavam a importância do Estado se fazer presente nos municípios pequenos e pobres, com equipamentos públicos e prestação de serviços básicos, contendo assim a migração maciça para cidades maiores e reduzindo as desigualdades sociais. Entre os municípios que poderiam perder seu status político na Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte estava Lagoinha. Muito provavelmente, se vingasse PEC liberal, retornaria a São Luiz do Paraitinga na condição de distrito.

Com o município de Lagoinha, Cunha divide além do território, parte de sua história, e muitas manifestações culturais e tradicionais, que caracterizam a Paulistânia, manjedoura da cultura caipira.

Fontes:
ALESP. Decreto n. 6.448, de 21 de maio de 1934: Extingue os municipios de Araçariguama, Buquira, Capoeiras, Espirito Santo do Turvo, Igaratá, Iporanga, Jataí, Lagoinha, Pilar, Pinheiros, Platina, Redenção, Ribeira, Ribeirão Branco, Ribeirão Vermelho, Sarapuí, Santa Cruz da Conceição e Vila Bela, e dispõe sobre sua anexação a outros municipios. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/1934/decreto-6448-21.05.1934.html >, acesso em: 18 mai. 2020.
ALESP. Decreto-Lei 14.334, de 30 de novembro de 1944: Divisão administrativa e judiciária do Estado. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/decreto.lei-14334-30.11.1944.html >, acesso em: 20 mai. 2020.
ALESP. Lei n. 2.456, de 30 de dezembro de 1953: Dispõe sôbre o Quadro Territorial, Administrativo e Judiciário do Estado, para o quinquênio 1954/1958 e dá outras providências. Disponível em: < https://www.al.sp.gov.br/…/lei/1953/lei-2456-30.12.1953.html >, acesso em: 21 mai. 2020.
IBGE. Cidades: História & Fotos. Disponível em: < https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/lagoinha/historico >, acesso em: 19 mai. 2020.
SANTOS, Rosângela I. T. C. dos. As capelas de roça no município de Lagoinha, SP. Lagoinha (SP): Clube de Autores, 2008.

Foto:
Ana Maria Coelho Moura (Ana do Zé Robertinho), da Festa do Divino de Lagoinha em 1.966, publicada no blog da Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Lagoinha – SP. Disponível em: < http://pnscl.blogspot.com/…/fotos-dia-da-festa-do-divino-es… >, acesso em mai. 2020.

PARA SABER MAIS:

Municípios da nossa região podem perder sua autonomia política, se aprovada for a PEC do Pacto Federativo:
https://www.facebook.com/Jacuhy/posts/2407871856137599
10 curiosidades sobre Lagoinha:
https://www.facebook.com/Jacuhy/posts/2575075362750580

10 curiosidades sobre Lagoinha – SP

Igreja Matriz e Cachoeira Grande: cartões-postais de Lagoinha, no interior de São Paulo.

1. RELIGIÃO: É o município mais católico de São Paulo. Em termos percentuais, segundo o Censo 2010, 93,4% dos lagoinhenses se declaram católicos romanos. Valor relativo bem acima dos registrados no estado e no país. O segundo município mais católico do estado é Ribeirão dos Índios, no Oeste, com 89,1%.
2. PADRES: Devido à importância da religião junto aos seus moradores, em Lagoinha os padres sempre tiveram um papel social e político relevante, destacando-se dois deles: padre Francisco Eloy de Almeida (Padre Chico) e padre Osmar Barbosa, ambos mineiros e já falecidos. O primeiro chegou a Lagoinha em 1.937. Logo se tornou líder religioso, comunitário e político, um defensor da fé e muito querido junto ao povo. A principal escola da cidade faz homenagem à sua figura. O segundo também foi um líder comunitário e muito conhecido e querido não só pelo povo de Lagoinha, mas por muitas pessoas do Vale. Sua clarividência, sempre negada por ele, e seus aconselhamentos eram considerados divinos e eram buscados por muitas pessoas que passavam por problemas. Também era um dos devotos da Menina Izildinha, uma menina nascida em Portugal em 1897 e falecida com apenas 13 anos vítima de leucemia e considerada santa. O catolicismo popular também é muito forte em Lagoinha e há entre muitos moradores a devoção à Sá Mariinha das Três Pontes (Maria Guedes), curandeira e vidente cunhense, considerada santa por muitos. Essa devoção é resultado da proximidade do bairro da Três Pontes com a zona rural lagoinhense, onde muitos moradores visitavam e se consultavam com Sá Mariinha.
3. PADROEIRA – A padroeira de Lagoinha é Nossa Senhora da Conceição. Lagoinha se tornou freguesia de São Luiz em 26 de março de 1.866. Por freguesia se entende paróquia, ou seja, a antiga capela passou a contar padre regular. A capelinha foi construída em meados do XIX, sendo que por volta de 1.863, a imagem da Virgem da Conceição foi trazida por tropeiros de Portugal, segundo a tradição, a pedido da família dos “Antocas” (os irmãos Joaquim e Francisco Antônio Ribeiro e Antônio Alves da Silva e suas respectivas esposas, antigos sesmeiros). Aliás, é a mesma padroeira de Cunha. Isso se deve à influência dos portugueses, pois a devoção à Imaculada Conceição, padroeira da nossa antiga Metrópole, é bastante antiga e interligada a própria história do país ibérico, sobretudo com os grandes acontecimentos decisivos para a independência e identidade nacional durante a Reconquista. Consta como um dos atos fundantes de Portugal, uma Missa pontifical de ação de graças, em honra da Imaculada Conceição, que foi celebrada em Lisboa, recém conquistada aos islâmicos, em 1.147, pelo primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
4. NOME: O nome Lagoinha tem relação direta com sua origem tropeira. A palavra “lagoinha” é um diminutivo de “lagoa”. Consta que o sítio onde está a cidade foi, desde o século XVII, um pouso de tropeiros. Estes usavam o lugar como paragem e ponto de apoio, em suas viagens comerciais entre as fazendas, vilas, portos e freguesias coloniais. E nesse lugar, por ser um ponto de descanso e reabastecimento, existia uma pequena lagoa, que servia como bebedouro para as tropas e para uso dos tropeiros, daí então vem o nome que os tropeiros batizaram o lugar: “Pouso da Lagoinha”. Em 1.863, chega na região a família dos “Antocas”. Oriunda de Ubatuba, essa devota família, assim que chegou para a sesmaria que havia recebido, resolveu doar uma gleba de terra no entorno do pouso, para que ali se construísse uma capela dedicada à Virgem Imaculada. Casa após casa, no entorno dessa capela começou a surgir o que viria a ser hoje a cidade de Lagoinha.
5. ELEITORES: Lagoinha possui mais eleitores do que habitantes. Em 2018 eram 5.041 eleitores para uma população total de 4.896 habitantes, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2019. Apesar dessa situação causar estranheza e desconfiança, não há nada de errado com ela. É típica de municípios que sofrem perda de população por migração intermunicipal e êxodo rural, como ocorre aqui no Alto Vale do Paraíba, onde a mudança de município de residência não é acompanhada pela mudança de domicílio eleitoral. As pessoas mudam de cidade, mas preferem continuar votando na cidade natal, aproveitando a eleição para rever a família e amigos ou mesmo para participar do pleito no lugar onde possuem relação mais próxima com a política. Cunha também possui um número elevado de eleitores, se comparado à população residente. Consequentemente isso acaba gerando uma alta taxa de abstenção, por essa razão o Tribunal Regional Eleitoral tem sido mais exigente no recadastramento eleitoral no que concerne à comprovação de residência.
6. TAUBATÉ: Atualmente o município possui uma forte ligação e dependência em relação a Taubaté, apesar dos laços históricos e da maior proximidade com Guaratinguetá. Essa ligação com Taubaté se estreitou a partir de 1.981, com a pavimentação da Rodovia Nelson Ferreira Pinto (SP-153), que liga a cidade de Lagoinha com a vizinha São Luiz do Paraitinga.
7. FAZENDAS: Apesar da sede da Fazenda Santana ficar no município de Cunha, próxima à divisa com Lagoinha, os seus donos sempre tiveram mais ligação com Lagoinha e São Luiz do que com Cunha, com destaque para o coronel (da Guarda Nacional) Manoel Antônio Domingues de Castro, figura política importante no passado lagoinhense. Em 1.873, ocupava o cargo de subdelegado na então freguesia pertencente a São Luiz do Paraitinga. Chegou a ser deputado estadual em 1.907. E em 1.892 conseguiu que fossem transferidas para a Vila de Lagoinha as terras de suas fazendas, a saber: as fazendas “Santa Anna” (pertencente a São Luiz do Paraitinga na época) e “João Ferraz” (atual bairro do Ferraz, município de Cunha). Com o advento do República, acabou por prevalecer o princípio da divisa intermunicipal por vertentes e não a partir de interesses particulares.
8. FRONTEIRAS: Vários bairros rurais de Cunha se comunicam mais com Lagoinha do que com nossa cidade. Isso se deve à proximidade e facilidade de acesso com a cidade vizinha. Por estarem na região de fronteira, é mais fácil ir até Lagoinha do que vir até Cunha. É o caso, por exemplo, do bairro do Barro Vermelho. Geograficamente, é Cunha; no entanto, os moradores votam, estudam, fazem consultas médicas, negócios e compras em Lagoinha. Por conseguinte, gera atrito entre as duas prefeituras, pois ambas querem se livrar da prestação de serviços públicos a esses moradores, que no final acabam sendo prejudicados e tendo que reivindicar seus direitos por causa de sua localização. Claro que, do ponto de vista legal, o atendimento aos moradores compete à Prefeitura de Cunha, pois estão dentro de nossa circunscrição territorial e nos recenseamentos, que servem de base para o repasse de verbas estaduais e federais, os moradores entram na soma da população de Cunha. Nos últimos tempos, acordos entre as duas prefeituras têm sido feito no tocante à manutenção das estradas rurais, principal queixa desses moradores.
9. TURISMO: A Cachoeira Grande, no bairro do Faxinal, é o principal ponto turístico de Lagoinha. Com 38 metros de queda livre, é uma das maiores e mais bonitas da região. A cachoeira é formada pelo rio do Pinhal, afluente do rio Paraitinga, que corta o município no sentido oeste-leste. Lagoinha está cercada por duas serras: a do Quebra-Cangalha (Serra Fria ou dos Forros) ao norte e ao sul a do Mar (Serra do Alto do Chapéu).
10. TRADIÇÃO: Lagoinha é uma das cidades mortas do Vale Paraíba, tão bem descritas pela narrativa ácida de Monteiro Lobato. Assim como Cunha, o município entrou em estagnação econômica com a subutilização dos caminhos serranos para escoamento da produção valeparaibana, depois da inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil e com o fim do ciclo do café na nossa região. Atualmente conta com 220 estabelecimentos agropecuários, uma produção leiteira de 25 mil litros por dia e mais 20 mil cabeças de gado. É uma das maiores bacias leiteiras do estado e um dos centros da pecuária de corte da RM do Vale do Paraíba. Se no passado a falta de indústrias e a perda de dinamismo econômico eram entraves, hoje o fato de ser uma cidade bucólica e distante dos grandes centros industriais é um fator que impulsiona o turismo rural e o ecoturismo, atraindo visitantes ansiosos para explorar as belezas com que Lagoinha foi, generosamente, agraciada pela natureza. E tudo isso em um lugar que vem conservando a fé, a tradição e os valores que, repassados geração a geração desde tempos imemoriais, fez esse rincão de São Paulo ser um bastião da mais autêntica cultura paulista.

Mapa e dados de Lagoinha – SP. Cartografia: Jacuhy.

FONTES:
A religiosidade de Lagoinha, SP. Trip Rural, 30 ago. 2019. Disponível em: < http://www.triprural.org.br/a-religiosidade-de-lagoinha-sp/>, acesso em: 18 mai. 2020.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ALESP). LEI N. 22, DE 26 DE MARÇO DE 1866. Eleva à categoria de freguesia a capela de Nossa Senhora da Lagoinha, e autoriza o governo provincial a determinar as divisas entre essa Freguesia e os municípios de São Luiz, Cunha, Guaratinguetá e Pindamonhangaba. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/…/…/lei/1866/lei-22-26.03.1866.html, acesso em: 20 mai. 2020.
______. LEI N. 85, DE 6 DE SETEMBRO DE 1892 (Transfere para a villa de Lagoinha fazendas do cidadão Manoel Antonio Domingues de Castro). Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/…/l…/lei/1892/lei-85-06.09.1892.html>, acesso em: 19 mai. 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Lagoinha: São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. 1 carta topográfica, color., 4465 x 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF-23-Y-D-III-2. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/…/GEBIS%…/SF-23-Y-D-III-2.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2020.
______. Mapa Municipal Estatístico: Lagoinha – SP. Escala: 1: 50.000. IBGE, Rio de Janeiro: 2011. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/…/mapas_municip…/sp/lagoinha_v2.pdf>, acesso em: 20 mai. 2020.
______. Produção da Pecuária Municipal 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019.
INSTITUTO CHÃO CAIPIRA MALVINA BORGES DE FARIA. Lagoinha. Disponível em: <http://www.chaocaipira.org.br/cidades/lagoinha>, acesso em: 20 mai. 2020.
LUNÉ, Antônio J. B. de; FONSECA, P. D. da. Almanak da Província de São Paulo para 1873. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 1985.
PREFEITURA MUNICIPAL DE LAGOINHA. Turismo religioso. Disponível em: <https://www.lagoinha.sp.gov.br/…/…/0/9/858/Turismo-Religioso>, acesso em: 20 mai. 2020.
SANTOS, Rosângela I. T. C. dos. As capelas de roça no município de Lagoinha, SP. Lagoinha (SP): Clube de Autores, 2008.
SILVA, Altair V. da. Lagoinha – SP: sua origem e razões de sua localização. Disponível em: < https://youtu.be/tOxP5oJ_ySE>, acesso em: 18 mai. 2020.
SPINELLI, Evandro. Osmar Barbosa (1928-2011): padre Osmar, o milagreiro que previa o futuro. Folha de S. Paulo. Cotidiano. Obituário. São Paulo, 7 nov. 2011. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0711201115.htm>, acesso em: 20 mai. 2020.
VELOSO, João J. de O. Fazenda Sant’anna – Roteiro Turístico e Histórico de Cunha. Cunha: Museu Municipal Francisco Veloso, dez. 2019. Disponível em: <https://www.facebook.com/joaoveloso.veloso.5/posts/10206544664212941>, acesso em 19 mai. 2020.

Área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba aumentou mais de 300% nos últimos 30 anos

Plantação de eucalipto. Foto: MST. Data: 2015.

Estudo coordenado por Carlos Cesar Ronquim, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Territorial, apontou que a área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba, em sua porção paulista, saltou de 35.200 hectares em 1.985 para 113.600 hectares em 2.015, ocupando uma área equivalente ao município de São José dos Campos, o segundo maior de nossa região. Um aumento de 323% ao longo de 30 anos. Em 1.985, 2,5% da área total da nossa região estava ocupada por eucaliptos. Em 2.015, esse percentual chegava aos 8,1% da total área do Vale do Paraíba paulista. Esse aumento se reflete na paisagem regional. Todos os habitantes adultos do Vale, os nativos daqui pelo menos, já perceberam esse aumento explicito e visível nos seus lugares e municípios, principalmente a partir das primeiras décadas do século XXI. Seria o eucalipto o novo café?

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 1985. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016.

O aumento da área ocupada pela silvicultura de eucalipto foi acompanhado pela queda das áreas ocupadas por pastagem, solo exposto e atividades agrícolas, conforme pode ser verificado nos mapas que ilustram este artigo. A área ocupada por pastagem ainda ocupa a liderança, com 652.600 hectares, correspondendo em termos relativos a 46,7% do total. Todavia, há 30 anos correspondia a cerca de 68% da área total da região, o que demonstra o quanto o ambiente natural estava degradado pela pecuária e agricultura extensiva tradicional. A área com solo exposto sofreu uma ligeira queda, caindo de 3,7% para 3,3% em 2.015, uma diminuição de 5.500 hectares. É uma constatação positiva, pois a exposição do solo é um agravante ambiental, porque geralmente desencadeia processos erosivos, lixiviação etc. Por fim, a área ocupada por atividades agrícolas também retraiu, saindo de 51.300 hectares em 1.985 para 36.500 em 2.015. Em termos relativos ocupava 3,6% da área total e em 2.015 passou a ocupar 2,6%. Forte indicar que o ciclo agrícola do Vale está em franco declínio, incapaz de concorrer com outras áreas do Brasil, onde impera uma agricultura mecanizada, com produção em larga escala e voltada à exportação.

O retraimento das áreas de pasto e plantação foi sucedido por um aumento da ocupação por matas nativas. Um salto de 249.500 hectares em 1.985 para 455.200 hectares em 2.015. Assim, a cobertura florestal sobre a nossa região aumentou de 17,8% em 1.985 para 32,6% em 2015. Uma constatação auspiciosa e que indica que nem só de más notícias vive a Mata Atlântica. Com o progressivo aumento regional das taxas de urbanização, a área ocupada por construções também aumentou de 38.500 hectares para 63.600 hectares, chegando a uma ocupação de 4,6% da área total do Vale em 2.015. O aumento da mancha urbana das urbes valeparaibanas se dá pelo crescimento da população citadina e pelo forte êxodo rural, que ainda não se esgotou em nossa região. Esvaziam-se os campos; incham-se as cidades. Um reflexo da situação nacional em escala regional.

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 2015. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016

O esvaziamento do campo valeparaibano paulista pode ser um dos fatores que levou ao aumentou da cobertura de mata nativa, indicando uma regeneração dos pastos sujos que, em 1985, correspondiam a 390.600 hectares, ou 27,9% da área total regional. A queda da quantidade das áreas agrícolas também se relaciona com o declínio da agricultura familiar na região e ao êxodo rural. Além do mais, principalmente nos municípios do Alto Vale do Paraíba, as propriedades agrícolas têm adquirido novas funções. Muitas se converteram em sítios de veraneio para pessoas advindas da Região Metropolitana de São Paulo. Outras têm se convertido em lugares para consumo do espaço, com a incipiente, mas promissora atividade turística regional (com exceção de Campos do Jordão, que já é um polo turístico há muitas décadas), com as práticas ecoturismo e turismo rural, que valorizam a existência de mata nativa e torna esse tipo de cobertura do solo um fator de agregação de valor. Há também um aumento da patrulha da Polícia Militar Ambiental, mas essa ação repressiva nunca gerou consciência, apenas medo e desconfiança, além de dividendos para o Estado, com as pesadas multas que aplicam.

O avanço do eucalipto se dá no mesmo contexto, mas parece ser causa do êxodo e não consequência. Essa cultura comercial avança no rastro de estagnação econômica deixado pelas atividades ligadas à agricultura familiar e à pecuária extensiva, cada vez menos lucrativas e cada vez mais inviáveis para as pessoas da roça. É impossível os agricultores e pecuaristas do Alto Vale, adeptos de técnicas rudimentares, competirem com os agricultores e pecuaristas de outras regiões do Brasil, que incorporam técnicas modernas, mecânicas e automatizadas na produção. Diante desse cenário, há um barateamento da propriedade agrícola regional, tornando-a interessante às grandes empresas de papel e celulose do Brasil, pois a região possui uma excelente localização, possui vasta malha rodoviária e está entre as duas maiores metrópoles do país e relativamente próxima aos centros industriais e aos portos. Uma vez adquiridas, sempre de vários proprietários do mesmo bairro e ao mesmo tempo, com intuito de pressionar – de forma covarde – os mais proprietários mais resistentes, ocorre a expulsão da população local, pondo fim à existência do bairro rural. Cria-se um verdadeiro “deserto verde”, levando a antiga propriedade familiar, passada de geração a geração, e que atendia ao mercado local e às necessidades familiares, a atender às demandas do mercado internacional, se articulando e se organizando a partir de uma lógica exógena e desvinculada totalmente do lugar. A celulose é um dos produtos de exportação do Brasil e sua venda tem sido destinada principalmente para a Rep. Popular da China, EUA e Países Baixos. Não é à toa que na vizinha São Luiz do Paraitinga (SP) já existe um movimento local de resistência ao avanço desenfreado da eucaliptocultura, causadora de impactos ambientais, sociais e na saúde do povo da roça, devido ao uso indiscriminado de formicidas e outros agrotóxicos em larga escala.

Afinal, quem realmente ganha com o avanço das plantações de eucalipto? A população do lugar eu sei que não é. Para os boias-frias, que são contratados de maneira precária por empresas terceirizadas a fim de realizar o plantio, o controle de pragas e a limpeza dos pés de eucalipto, eu aposto que não também. Já a Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Suzano Papel e Celulose eu tenho certeza que sim. Quem mais?

Ou as saúvas acabam com os eucaliptos, ou as empresas de eucalipto vão acabar com todo universo caipira da região. Vida longa às saúvas!

Referências:

BARROS, C. J. Eucalipto avança em São Luiz do Paraitinga e gera reações. Repórter Brasil, 9 jul. 2009. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2009/07/eucalipto-avanca-em-sao-luiz-do-paraitinga-e-gera-reacoes/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

BUENO, S. Exportação de Celulose. Fazcomex, 13 jan. 2021. Disponível em: < https://www.fazcomex.com.br/blog/exportacao-de-celulose/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C.; COCHARSKI, T. C. D. Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 1985. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065875/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-1985 >. Acesso em 21 jun. 2021.

______ . Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 2015. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065878/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-2015 >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C. (Coord.). GeoVale: análise da distribuição geoespacial e de aspectos ambientais da eucaliptocultura na bacia do Rio Paraíba do Sul. Embrapa Territorial, dez. 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-projetos/-/projeto/205528/geovale–analise-da-distribuicao-geoespacial-e-de-aspectos-ambientais-da-eucaliptocultura-na-bacia-do-rio-paraiba-do-sul >. Acesso em 21 jun. 2021.

Cunha já pertenceu ao estado do Rio de Janeiro

Em um 18 de junho como esse, veio a bomba: Cunha é do Rio! Oh, céus, quem poderá nos salvar?

Em 18 de junho de 1.842, o Imperador Dom Pedro II baixou o Decreto n.º 180, transferindo Cunha e mais 6 municípios (Bananal, Areias, Queluz, Silveiras, Lorena e Guaratinguetá) para a Província do Rio de Janeiro. O objetivo era impedir que essas vilas caíssem em mãos dos rebeldes que se engajaram nas Revoltas Liberais de 1.842. Os sublevados haviam se apoderado de parte da Província de São Paulo. Caso essas vilas caíssem nas mãos erradas, a Coroa temia que isso dificultasse o avanço do Exército Imperial, já enviado para sufocar a rebelião. Conforme registrou SOUSA (1.843, p. 323): “Esses Municípios ameaçavão os limitrophes da Província do Rio de Janeiro, esforçando-se os agitadores para nelles soprar o espirito revolucionário”. No próprio Decreto há duas justificativas para tal degredo, a primeira alega que houve o interrompimento da comunicação entre as vilas valeparaibanas mencionadas e a capital provincial São Paulo. A outra diz tratar-se de “providencias tendentes a reestabelecer a ordem perturbada na referida Provincia pela rebellião, que ultimamente se manifestou em alguns lugares della (…)” (IMPÉRIO DO BRASIL, 1843, p. 321). Cunha pertenceu à Província do Rio de Janeiro durante 2 meses.

A Revolta Liberal estourou em São Paulo em 17 de maio 1842, no interior, em Sorocaba, onde Câmara proclamou Tobias de Aguiar e o ex-regente do Império o Padre Feijó, presidente e vice-presidente interinos de São Paulo, respectivamente. Tudo se deve à elevação da tensão entre os dois grupos políticos do Segundo Reinado, os liberais e os conservadores. Os centros da Revolta no “Norte” (como chamavam o Vale na época) da Província foram as vilas de Lorena e Silveiras, onde os liberais chegaram a tomar o poder. Nelas, o confronto militar foi inevitável, resultando em dezenas de mortos. Era necessário sufocar os rebeldes do Vale para evitar que apoio aos rebeldes aumentasse e ganhasse proporções maiores. Os liberais estabeleceram até uma capital provisória da Revolta, em Sorocaba.

O Exército Imperial veio pelo mar, com 400 homens, e “em São Sebastião desembarcou o 2º Regimento de Artilharia e um batalhão de caçadores, com a missão de marchar em direção a Guaratinguetá e atuar como força de cobertura.” (DARÓZ, 2014). Os liberais, além de poucos, eram mal preparados. Muito ideal e poucas armas. Não lograram êxito em seus intentos.

A transferência de Cunha para o lado fluminense foi uma medida que teve caráter circunstancial desde logo, conforme diz o caput do próprio Decreto n.º 180, que já deixou a ressalva: “em quanto durarem as circunstancias extraordinarias (…)”. Sendo os ânimos apaziguados à base da espada pelo nosso Exército no final de julho, em 29 de agosto do mesmo ano, o Imperador revogou o Decreto n.º 180, baixando o Decreto n.º 216, que reestabeleceu os sete municípios ao território paulista, “por terem cessado os motivos que fizeram necessária a providência”, ordenando “que os ditos municípios fiquem”, de novo, “pertencendo à Província de São Paulo”. As tropas imperiais eram comandadas pelo então Barão de Caxias, figura que ganhará proeminência no sufoco dessas revoltas, sendo promovido a marechal-de-campo por Pedro II, em julho de 1.842, em virtude de seu sucesso militar.

Essa mudança de território pouco impacto histórico trouxe para a Vila de Cunha. Foi uma medida emergencial e com curta duração. Tinha caráter extraordinário, tomada em meio a um conflito militar que abalava a estabilidade política do Segundo Reinado. Apenas um evento desse período ficou marcado na nossa História, que foi o pernoite festivo do Barão de Caxias em Cunha, em julho de 1.842. Vitorioso, quando estava a passar pela Vila de Cunha, na rota para alcançar Paraty, desejava o Barão chegar à Corte. Mas permitiu-se parar no meio do caminho, já com a revolta sufocada em São Paulo, para um regabofe. Celebração, com ares bajuladores por parte da elite cunhense, pelo triunfo militar das tropas imperiais. A Vila de Nossa Senhora da Conceição de Cunha era um reduto do Partido Conservador e os maiorais não se juntaram aos vizinhos rebeldes, mantendo-se leais ao Imperador. A comezaina varou a noite e ocorreu na única construção da vila que era digna de receber uma autoridade daquele quilate: o sobrado da praça Coronel João Olímpio, hoje propriedade da Prefeitura de Cunha. Será que serviram arroz com suã?

Referências:

DARÓZ, C. R. C. “As revoltas liberais de 1842: o Império consolidado”. Revista Militar, n. 2549/2550, jun./jul., 2014. Disponível em: < https://www.revistamilitar.pt/artigo/931 >, acesso em 9 mai. 2020.

IMPÉRIO DO BRASIL. Collecção das Leis do Imperio do Brasil de 1.842. Tomo V. Parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1.843. Disponível em: < https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/18442 > , acesso em jun. de 2020.

NOGUEIRA, O. Negro Político, Político Negro: A Vida do Doutor Alfredo Casemiro da Rocha, Parlamentar da “República Velha”. São Paulo: Edusp, 1992.

SOUSA, B. X. P. de. Historia da Revolução de Minas Geraes em 1842 : exposta em hum quadro chronologico, organisado de peças officiaes das autoridades legitimas, dos actos revolucionarios de liga facciosa, de artigos publicados nas folhas periodicas, tanto da legalidade como do partido insurgente, e de outros documentos importantes, e curiosos sobre a mesma revolução. Rio de Janeiro: Typographia de J. J. Barroso e Comp., 1.843.

Imagem: Mapa digitalizado da Província do Rio de Janeiro em 1.850. Título: “Carta topographica e administrativa da provincia do Rio de Janeiro e do Municipio Neutro [Cartográfico] : Erigida sobre os documentos mais modernos pelo Vc de. J. de Villiers de L’lle Adam”. Autor: Visconde de J. de Villiers de L’Ile-Adam. Imprenta: Rio de Janeiro, RJ : Garnier Irmãos, 1850. Disponível em: < http://objdigital.bn.br/…/cart67925/cart67925_9.html > , acesso em jun. 2020.