Cunha: paisagem, meio ambiente e economia

Cunha vista da Serra da Bocaina. Foto: Pedro Máximo. Data: 2011.

A cidade de Cunha vista da Pedra Grande, na Serra da Bocaina, próxima à divisa com Silveiras. Está a 34 quilômetros em distância absoluta, na direção sudoeste. O interessante dessa perspectiva é que aparece a Serra do Alto do Diamante ao fundo, que está a cerca de 55 quilômetros de distância da Pedra Grande. Após essa serra, temos ainda o bairro do Sertão do Palmital e mais cerca de 5 Km (em termos absolutos) de terras cunhenses até se chegar ao limite com São Luís do Paraitinga, divisa formada com cotas altimétricas inferiores ao do Alto do Diamante e vertente do rio Paraibuna. A foto na perspectiva noroeste-sudoeste revela um pouco da extensão de nosso município, maior do Vale do Paraíba e o único no estado circundado por três 3 serras principais (além de outras ramificações), como é o caso do Alto do Diamante, do Alto Grande e do Campo Grande. Todas com picos ultrapassando os 1600 metros de altitude.

Cunha vista da Pedra Grande. Cotas altimétricas do IBGE (1973). Edição: Jacuhy.

O bairro Sertão do Palmital, ainda em 1970, completamente isolado de Cunha. Os moradores se serviam, quando podiam, de São Luiz do Paraitinga, via distrito de São Pedro da Catuçaba. Mesmo assim por trilhas acessíveis apenas a pé ou a cavalo.

Parte da carta hipsométrica das três serras. Fonte: IBGE, 1973.

Um dos morros da Serra desperta a nossa atenção por sua feição cônica, se assemelhando a um vulcão, o que obviamente não é e nem nunca foi. Trata-se de dois morros na verdade, mais pontiagudos e altos que os vizinhos que observados de longe, revelam esse contorno diferente. Essa Serra, aliás, pode ser melhor observada do Morro Grande, vide as fotos da “Estalagem Shambala” ou do loteamento recentemente aberto “Alpes de Cunha”.

Alto do Diamante e Campo Grande. Vista da Estalagem Shambala. Data: 2022.

Os morros que circundam a cidade de Cunha, e que parecem altos, praticamente se aplainam ante a imponência da Serra do Mar, que, como uma muralha, cerca o município nos limites de sudoeste a nordeste.

Vista da Serra do Campo Grande. Foto: Guto Felipe. Data: 2022.

Todo esse “Mar de Morros” é obra de milhões de anos de processos erosivos contínuos, consequência da ação do clima tropical sobre o relevo. As paisagens que temos hoje são heranças que a natureza nos legou e que devemos preservar para a posteridade.

Vista da Serra do Alto do Diamante. Foto: Rodrigo Leite. Data: 2012.

Por isso, o desmatamento incontrolável que nossa região passou nos últimos cem anos preocupa. Não só pelo aumento dos movimentos de massa e os riscos que eles trazem à segurança das pessoas e animais, além dos prejuízos, mas pela perda dos solos, um problema grave e ainda pouco abordado e tratado em Cunha. Sem solo não há agricultura, pecuária e nem vida. A aceleração dos processos erosivos e a retirada ilegal de mata ciliar levam ao assoreamento dos cursos d’água e ao desaparecimento da fauna fluvial. A retirada de mata no topo dos morros leva ao sumiço dos vertedouros. Toda ação humana gera algum impacto ambiental que, mais cedo ou mais tarde, acarretará algum impacto social.

O pouco que restou da nossa Mata Atlântica foi resultado da ação impositiva do Estado, que interveio na década de 1.970 para impedir o desaparecimento completo da cobertura vegetal, com a criação de duas unidades de conservação de proteção integral: Parque Nacional da Serra da Bocaina e Parque Estadual da Serra do Mar. Nunca partiu de nós, cunhenses, o devido cuidado com meio ambiente. É muito provável que sem as unidades de conservação, o pouco de verde que ainda restou já teria virado carvão, moirão, palanque, esteio, móveis, pasto etc. Até o nosso linguajar valida a visão antiecológica de ver árvores e matas como um problema. Chamamos de “pasto sujo” aquele que contém árvores e capoeirões espalhados pela herdade.

O desenvolvimento do turismo surge como uma esperança. Ao retirar do setor primário o sustento de muitas famílias e realocá-lo no terciário, ameniza a pressão sobre os recursos naturais do município. Ademais, a paisagem natural ou regenerada deixa de ser um “pasto sujo” e passa a ser valorizada. Valorizada no sentido financeiro mesmo, pois o turismo é uma atividade econômica que promove o consumo do espaço e das paisagens. Desde que não seja predatório ou privilégio de alguns empreendedores, o turismo pode ser uma das saídas para Cunha.

A pergunta que fica é: o que deixaremos para as futuras gerações? Mais do que esperar do Estado e atribuir responsabilidades a outrem, sempre é bom fazer um exercício de reflexão pessoal, focado na nossa ação no mundo. Cabe a nós, enquanto comunidade, buscar alternativas econômicas sustentáveis.

Referências:
AB’SÁBER, Aziz N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. 5 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
CRUZ, Rita de C. A. da. Introdução à geografia do turismo. 2. ed. São Paulo: Roca, 2003.
IBGE. Lagoinha: região sudeste do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. 1 carta topográfca, color., 4465 × 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF 23-Y-D-III-2.
O ESTADO DE S. PAULO. Palmital, um bairro isolado. 4 out. 1970, p. 42.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
VELOSO, João J. de O. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1996.

Santa Rosa, as virtuosas águas de Campos de Cunha

Logotipo utilizado nos galões da Águas Virtuosas de Santa Rosa. Símbolo de qualidade.

Um breve levantamento histórico das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, hoje “Águas Serras de Cunha”. As águas da Fonte Paulista, considerada uma das melhores do Brasil, voltou a ser engarrafada. Mais que uma fonte geradora de empregos, trata-se um motivo de orgulho para todos os cunhenses.

Século XIX – Em ofício endereçado à Assembleia Provincial solicitando recursos, em 1882, a Câmara de Cunha cita que “no lugar denominado Pedra Branca”, na então Freguesia de Campos Novos, havia uma fonte de água que “na crença popular diz ser milagrosa”, de “gosto nauseante”, de temperatura “em certas ocasiões mais sensivelmente elevada que o ambiente”, porém ainda desprovida de uma “análise qualitativa” que determine suas propriedades físico-químicas.

Década de 1910 – Moradores de Cunha e Campos Novos costumavam fazer excursões para as “Águas”, para beber nas suas fontes, engarrafá-la e até nela se banhar, crendo ser o líquido portador de moléculas milagrosas. A fama da água se espalha pelo Vale e chega aos ouvidos do endinheirado empreendedor Barão da Bocaina, o Francisco de Paula Vicente de Azevedo. Assim que soube das fontes minerais, comprou as terras onde se localizavam as minas. Passava, então, o local a ser denominado por “Águas do Barão”. Era natural de Lorena (SP), mas já época morava em São Paulo (SP). O Barão possuía terras em diversos municípios da nossa região e do Sul de Minas. Pioneiro na introdução do trabalho livre no Vale, estabeleceu diversas colônias agrícolas para imigrantes, com destaque para a de Quiririm, em Taubaté, e para a de Canas, hoje município. Em São Paulo, capital, tonou-se banqueiro, investidor e empresário. Chegou a participar do governo do guaratinguetaense Rodrigues Alves, quando este esteve na Presidência. Esteve sempre envolvido com projetos modernizadores, copiando o que podia da Europa. Em 1861 adquiriu uma grande propriedade de terra na Serra da Mantiqueira, introduzindo uma fazenda-modelo, que veio a se chamar “São Francisco dos Campos do Jordão”. Anos depois, já famosa, tornar-se-ia na primeira estância climática e cidade sanatório, visando o tratamento de tuberculosos. E ainda introduziu nessa sua fazenda o cultivo de frutas europeias. Parecia ser similar o seu projeto para as fontes de água mineral da Pedra Branca, rebatizada por ele, posteriormente, como católico fervoroso que era, como “Águas de Santa Rosa”.

1912 – É organizada a “Companhia Águas Mineraes Santa Rosa”, em Campos Novos de Cunha.

1 de dezembro de 1912 – A “Companhia de Águas Mineraes de Santa Rosa”, do Barão da Bocaina, compra a Fazenda Jaboticabal, espólio de Laurindo Umbellino dos Santos Pinto, com 150 alqueires de terra, aumentando a propriedade da Companhia, que já tinha domínios no lugar. Essa ampliação era fruto da ambição do Barão de levantar no bairro uma nova cidade, uma estância hidromineral, parcelando o solo, levantando casas e hotéis e criando serviços de abastecimento e distribuição das águas minerais.

28 de dezembro de 1913 – Após receber infraestrutura, é fechada à visitação pública a primeira fonte das “Águas Mineraes de Santa Rosa”.

28 de outubro de 1915 – Instrução Pública: É criada pela Assembleia Legislativa de São Paulo uma Escola Rural Mista no Bairro das Águas Virtuosas de Santa Rosa, município de Cunha.

1915 – Entra no orçamento estadual, por indicação do deputado estadual Dr. Casemiro da Rocha e outros da região, a construção de uma estrada ligando Lorena à estação das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

1916 – Iniciam-se as obras de infraestrutura turística na fazenda das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, tendo à frente o arquiteto francês radicado em Cunha Cyrille Loviat, o mesmo que construiu o Grupo Escolar de Cunha e o Mercado Municpal. A ideia inicial era construir um hotel e um posto policial. O zelador da fazenda era o sr. Bernardino Alves Ferreira.

6 de agosto de 1919 – nomeada, por decreto estadual, a primeira professora da Escola Rural Districtal das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”, a saber: Professora Gesséa Dias Corrêa, aprovada em concurso público.

1918 – Requer o Barão da Bocaina, junto ao Governo Federal, a reconstrução da estrada Lorena-Mambucaba, que passava pelo distrito de Campos de Cunha.

1919 – É votado, para o orçamento de 1920, por indicação do deputado Dr. Casemiro da Rocha, a restauração da estrada que ligava a fazenda das “Águas” ao porto de Taquary, município de Paraty, estado do Rio de Janeiro.

1 de janeiro de 1920 – O bairro das “Águas” recebe uma agência postal dos Correios. Antes mesmo de Campos Novos ter uma! Razão de muitas críticas dos moradores da vila, muito mais populosa e ainda desprovida de serviço postal. O agente postal nomeado para aquela agência foi o sr. Benedito Vaz Reis.

Década de 1920 – Administra as fontes minerais a “Companhia de Águas Mineraes de Santa Rosa”. Em diversas comunicações oficiais aponta-se a necessidade de arrumar a estrada que liga a sede da fazenda à cidade de Lorena. Necessidade de prolongar a estrada de Campos Novos à fazenda das “Águas” é prevista no orçamento estadual.

1932 – Durante a Revolução Constitucionalista foi ocupada por tropas paulistas (do 4º Batalhão de Combate e da Liga de Defesa Paulista, sob o comando do Tenente Meirelles Maia). Estando arranchados na localidade, chamou a atenção do serviço médico do Exército Constitucionalista a dentição totalmente preservada dos moradores locais, algo raro na zona rural de Cunha naquela época. Os oficiais médicos atribuíram tal característica à salubridade e propriedades químicas daquelas fontes minerais. Passada a guerra civil, foram aqueles soldados grandes incentivadores da ideia de tornar Cunha uma estância hidromineral, pois muitos que lutaram em Cunha, entrariam para a política, posteriormente. Entre eles, podemos citar o ex-governador Adhemar de Barros, já falecido, que, como mandatário estadual, muito lutou para que Cunha alcançasse o status de estância.

17 de outubro de 1938 – Falece em São Paulo (SP), o Barão da Bocaina, último titular ainda vivo do Império do Brasil. Com sua morte, fenece o seu projeto para as “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

10 de julho de 1940 – É aberta a estrada rodoviária de Cunha a Campos Novos, de terra batida ainda, substituindo o leito carroçável, o antigo caminho de tropa que servia de ligação entre a sede municipal e a distrital. A caravana de políticos que vem inaugurar a obra visita a fazenda da estação das Águas Virtuosas de Santa Rosa, ainda um projeto promissor.

Dezembro de 1941 – É extinta a agência postal das “Águas Virtuosas de Santa Rosa”.

Década de 1940 – A Companhia possuía ações na bolsa de valores do Rio. Laudos do Laboratório Adolpho Lutz e do antigo Instituto Geográfico e Geológico de São Paulo apontam as fontes de águas minerais da fazenda, com vazão de 101.400 litros por hora, como as melhores do país.

Expedição do antropólogo americano Robert W. Shirley à Fazenda das Águas. 1965. Foto: Arquivo do Museu Francisco Veloso.

Década de 1960 – A Fazenda das Águas, como é conhecida, é vendida ao empresário Ghisleni Giulio, que pretende pôr em prática os antigos projetos do Barão da Bocaina.

Setembro de 1972 – É feito um reflorestamento com eucalipto na fazenda das “Águas Minerais de Santa Rosa”, empreendimento da Agro Vale do Paraíba S/C Ltda., com sede em Guaratinguetá. Trata-se de um investimento que conta com a participação de várias empresas e alega o plantio de 5 milhões de árvores, em três parques florestais criados em nossa região. Até hoje é a maior fazenda do município de Cunha, chegando até o Sertão, no limite com o estado do Rio de Janeiro, município de Paraty. Um ponto verde escuro nas imagens de satélite, devido a cobertura com eucalipto.

12 de novembro de 1975 – É criada a empresa Águas Virtuosas Santa Rosa LTDA, para envasar e comercializar águas minerais.

Igreja da Fazenda das Águas em 1978. Foto: Eurindo Perez (Página “Parada do Tempo”/ Facebook)

1981 – Inicia-se negociação com a Arábia Saudita, visando exportar água mineral de qualidade superior para aquele árido reino do Oriente Médio.

Década de 1980 – A Fazenda das Águas é um dos destinos turísticos de Cunha mais visitado e conhecido. A própria Prefeitura divulgava o lugar como um dos atrativos de Cunha, quando fazia anúncios na imprensa. A visitação pública aumenta após o asfaltamento do Estrada Municipal Ignácio Bebiano dos Reis, que interliga a cidade de Cunha à vila de Campos de Cunha.

Década de 1990 – A água mineral “Águas Virtuosas de Santa Rosa” conquista o mercado regional e seu nome se consolida, fornecendo um produto de excelente qualidade por um preço menor que as concorrentes. Na mesma década, a empresa seria fechada por motivos econômicos (?) e a comercialização suspensa.

24 de abril de 2000 – A Fazenda das Águas e suas fontes minerais são compradas e incorporadas pela empresa do mesmo ramo Águas Prata Ltda.

Década de 2010 – O reflorestamento de eucalipto da fazenda é vendido à indústria de madeira e celulose. A extração de madeira do local, pela quantidade de árvores, gera um importante fluxo de empregos em Cunha.

2021 – As fontes minerais da Fazenda das Águas voltam a ser envasadas e comercializadas, com novo nome: “Águas Serras de Cunha”.

Fontes:
Arquivos do Museu Municipal Francisco Veloso.
Arquivos da Prefeitura Municipal de Cunha.
Grupo “Memória Cunhense” – Facebook.
Jornal Correio Paulistano, 1854 a 1942.
Jornal do Commercio (RJ) – 1940 a 1949.
O Estado de São Paulo, 28 set. 1972.
O Estado de São Paulo, 1 abr. 1981.
Ofícios da Câmara Municipal da Cidade de Cunha, 1882.
Página “Parada do Tempo” – Facebook.
PASIN, J. L. Os Barões do Café: titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista. Aparecida: Vale Livros, 2001.
Revista Istoé, 21 dez. 1977.
VELOSO, J. J. de O. A História de Cunha (1600-2010). Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 2010.
______. O ambiente natural cunhense. Cunha (SP): Centro de Cultura e Tradição de Cunha, 1996.

O rio

Rio Jacuí, antes de formar a cachoeira do Desterro.

Ser como o rio que deflui

Silencioso dentro da noite.

Não temer as trevas da noite.

Se há estrelas no céu, refleti-las

E se os céus se pejam de nuvens,

Como o rio as nuvens são água,

Refleti-las também sem mágoa

Nas profundidades tranqüilas.

Manuel Bandeira

O trecho paulista da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul

Rio Paraíba do Sul, quando cruza o município de Cruzeiro (SP), com a Serra da Mantiqueira ao fundo. Fonte: Wikipédia. Data: 2014.

A porção paulista do rio Paraíba do Sul (também chamada de Alto Paraíba do Sul) ocupa uma área de drenagem de 14.444 Km², onde vivem 2,1 milhões de pessoas, abrangendo 34 municípios de nossa região. A bacia de drenagem de um rio, segundo Teixeira et al. (2009, p. 308), inclui todos os afluentes que deságuam na drenagem principal e eventuais lagos associados a esse sistema, ela é separada das bacias de drenagem vizinhas por divisores de água (elevações topográficas), como as serras do Mar, da Bocaina, Mantiqueira e Quebra-Cangalha, por exemplo

Dentro dessa região hidrográfica há 16 unidades de conservação, com destaque para os núcleos do Parque Estadual da Serra do Mar (PESM) e o Parque Nacional da Serra da Bocaina (PNSB), recentemente tombado como Patrimônio da Humanidade. Ambas as unidades são de proteção integral. Todas essas unidades de conservação visam preservar as seguintes vegetações: Floresta Ombrófila Densa, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Ombrófila Mista Alto Montana, Campos de Altitude e Floresta Ombrófila Mista. A área ocupada com vegetação natural remanescente corresponde a 3.846 Km², o que equivale a 26,5% da área de drenagem da bacia.

Mapa mostrando o trecho paulista da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul. Fonte: Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Data: 2015.

O rio Paraíba do Sul é formado pela confluência dos rios do Paraibuna, que nasce no município de Cunha (SP), no bairro da Aparição; e do Paraitinga, que nasce no topo da Serra da Bocaina, no município de Areias (SP). A junção dos cursos d’água ocorre onde hoje é a área alagada da Usina Hidrelétrica de Paraibuna, pertencente à Companhia Energética de São Paulo (CESP), localizada entre os municípios paulistas de Natividade da Serra, Paraibuna e Redenção da Serra. Da nascente na Serra da Bocaina até a foz em Atafona, município de São João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, o Paraíba do Sul realiza um percurso de 1.137 km de extensão, até alcançar o Oceano Atlântico. Seus principais afluentes no trecho paulista são: Paraibuna, Paraitinga e Jacuí (formadores); Jaguari, Uma, Buquira, Ferrão, Embaú, Piquete, Bocaina, Pitangueiras e Itagaçaba (tributários).

Imagem de satélite da foz do Paraíba do Sul, mostrando o seu delta assimétrico dominado por ondas, formado pelo acúmulo de sedimentos ao longo de milhares de anos. Imagem: Divisão de Sensoriamento Remoto – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Data: 2019. Fonte: Flickr.

As principais atividades econômicas desenvolvidas são a agropecuária (rizicultura, pecuária leiteira e de corte, milho etc.), indústria e pesquisa tecnológica (automobilística e aeroespacial), química e alimentícia (laticínios, principalmente), o turismo (religioso, ecológico, de montanha, cultural etc.), comércio e serviços e mineração de areia. A maioria dos municípios que estão inseridos dentro da bacia hidrográfica é pobre e vulnerável socioeconomicamente, com a exceção de São José dos Campos, Guararema, Jacareí e Aparecida (SEADE, 2018), que foram classificados e. Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) como dinâmicos, isto é, municípios com índice elevado de riqueza e bons níveis nos indicadores sociais (longevidade e escolaridade médio /alto). Os municípios que são cortados pela Serra do Mar e da Bocaina apresentam os piores indicadores sociais da região, como é o caso de Cunha.

Outros indicadores ambientais: 99,7% dos resíduos sólidos são destinados a aterros sanitários adequados; 91,1% do esgoto urbano é coletado, porém, apenas 63,9% é tratado; a redução da carga orgânica poluidora do esgoto doméstico foi de apenas 40,2%; a demanda total (superficial e subterrânea) corresponde a apenas 10,7% da vazão do rio Paraíba do Sul, no trecho paulista, o que mostra uma baixa pressão sobre os recursos hídricos disponíveis; dos 21 pontos de coleta de água de rios da bacia para análise, 4 foram qualificados como ótimos, 18 como bons e apenas 1 como regular, o que favorece a proteção da vida aquática.

Rio Paraíba do Sul na proximidade de sua nascente, na Serra da Bocaina. Imagem: Marco Cruz. Data: 2011. Fonte: YouTube.

Por estar localizado entre as duas maiores metrópoles do país, o rio Paraíba do Sul sofre com a poluição de suas águas, seja pelo esgoto doméstico ou pelo industrial. Além disso, boa parte de suas cabeceiras, onde estão as nascentes, estão desmatadas e degradadas. Todavia, trata-se de um rio de suma importância social: abastece mais de 14,2 milhões de pessoas, pois parte de suas águas são desviadas para a bacia hidrográfica do rio Guandu, com a finalidade de gerar energia e abastecer a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Outros usos de suas águas são para irrigação (na rizicultura no Vale do Paraíba paulista, principalmente), geração de energia hidrelétrica e diluição de esgotos, este é uma das principais fontes de poluição do rio Paraíba do Sul, sobretudo nos trechos que cruzam as áreas urbanas. A vazão média do rio Paraíba do Sul, na divisa com o estado do Rio de Janeiro, é de 217 m³/s e a vazão mínima é de 72 m³/s, ou seja, cerca de um terço da vazão média. A situação é preocupante, pois só neste século o rio Paraíba do Sul já passou por duas crises hídricas, a primeira em 2004 e a última entre 2014 e 2016, atingindo sua fase de maior escassez em 2015. Nessas crises, as vazões diminuem muito, devido à baixa precipitação, causando impactos nos níveis de armazenamento dos reservatórios e, consequentemente, na irrigação, na geração de energia e no abastecimento de água para a população. A precipitação média no trecho paulista da bacia é de 1.385 mm ao ano. Devido à escassez hídrica e alta demanda das regiões metropolitanas do entorno, a água do Paraíba tem sido alvo de disputa entre as unidades federativas. Por isso e pela sua relevância ambiental, projetos que objetivem recuperar o rio – da nascente até a foz – são para ontem.

Vídeo com imagens de drone da foz do rio Paraíba do Sul, no norte fluminense. Fonte: YouTube / Canal Macaé Drone. Data: 2021.

Referências:

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO (ANA). Paraíba do Sul. Disponível em: < https://www.gov.br/ana/pt-br/sala-de-situacao/paraiba-do-sul/paraiba-do-sul-saiba-mais >. Acesso em: 19 out. 2021.
FUNDAÇÃO SEADE. Índice Paulista de Responsabilidade Social. São Paulo: Fundação Seade, 2018. Disponível em: < http://www.iprs.seade.gov.br/ >. Aceso em 19 out. 2021.
RIO PARAÍBA DO SUL. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2021. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Rio_Para%C3%ADba_do_Sul&oldid=62208470 >. Acesso em: 19 out. 2021.
SÃO PAULO (ESTADO). Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul (CBH-PS). Capacitação de agentes no processo de gestão de recursos hídricos em atividades de educação ambiental. Taubaté (SP): CBH-PS, 2009.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos. Guia do Sistema Paulista de Recursos Hídricos. 3. ed. São Paulo: SSRH, 2015.
TEIXEIRA, W. et al. (org.). Decifrando a Terra. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2009

10 curiosidades sobre Lagoinha – SP

Igreja Matriz e Cachoeira Grande: cartões-postais de Lagoinha, no interior de São Paulo.

1. RELIGIÃO: É o município mais católico de São Paulo. Em termos percentuais, segundo o Censo 2010, 93,4% dos lagoinhenses se declaram católicos romanos. Valor relativo bem acima dos registrados no estado e no país. O segundo município mais católico do estado é Ribeirão dos Índios, no Oeste, com 89,1%.
2. PADRES: Devido à importância da religião junto aos seus moradores, em Lagoinha os padres sempre tiveram um papel social e político relevante, destacando-se dois deles: padre Francisco Eloy de Almeida (Padre Chico) e padre Osmar Barbosa, ambos mineiros e já falecidos. O primeiro chegou a Lagoinha em 1.937. Logo se tornou líder religioso, comunitário e político, um defensor da fé e muito querido junto ao povo. A principal escola da cidade faz homenagem à sua figura. O segundo também foi um líder comunitário e muito conhecido e querido não só pelo povo de Lagoinha, mas por muitas pessoas do Vale. Sua clarividência, sempre negada por ele, e seus aconselhamentos eram considerados divinos e eram buscados por muitas pessoas que passavam por problemas. Também era um dos devotos da Menina Izildinha, uma menina nascida em Portugal em 1897 e falecida com apenas 13 anos vítima de leucemia e considerada santa. O catolicismo popular também é muito forte em Lagoinha e há entre muitos moradores a devoção à Sá Mariinha das Três Pontes (Maria Guedes), curandeira e vidente cunhense, considerada santa por muitos. Essa devoção é resultado da proximidade do bairro da Três Pontes com a zona rural lagoinhense, onde muitos moradores visitavam e se consultavam com Sá Mariinha.
3. PADROEIRA – A padroeira de Lagoinha é Nossa Senhora da Conceição. Lagoinha se tornou freguesia de São Luiz em 26 de março de 1.866. Por freguesia se entende paróquia, ou seja, a antiga capela passou a contar padre regular. A capelinha foi construída em meados do XIX, sendo que por volta de 1.863, a imagem da Virgem da Conceição foi trazida por tropeiros de Portugal, segundo a tradição, a pedido da família dos “Antocas” (os irmãos Joaquim e Francisco Antônio Ribeiro e Antônio Alves da Silva e suas respectivas esposas, antigos sesmeiros). Aliás, é a mesma padroeira de Cunha. Isso se deve à influência dos portugueses, pois a devoção à Imaculada Conceição, padroeira da nossa antiga Metrópole, é bastante antiga e interligada a própria história do país ibérico, sobretudo com os grandes acontecimentos decisivos para a independência e identidade nacional durante a Reconquista. Consta como um dos atos fundantes de Portugal, uma Missa pontifical de ação de graças, em honra da Imaculada Conceição, que foi celebrada em Lisboa, recém conquistada aos islâmicos, em 1.147, pelo primeiro Rei de Portugal, D. Afonso Henriques.
4. NOME: O nome Lagoinha tem relação direta com sua origem tropeira. A palavra “lagoinha” é um diminutivo de “lagoa”. Consta que o sítio onde está a cidade foi, desde o século XVII, um pouso de tropeiros. Estes usavam o lugar como paragem e ponto de apoio, em suas viagens comerciais entre as fazendas, vilas, portos e freguesias coloniais. E nesse lugar, por ser um ponto de descanso e reabastecimento, existia uma pequena lagoa, que servia como bebedouro para as tropas e para uso dos tropeiros, daí então vem o nome que os tropeiros batizaram o lugar: “Pouso da Lagoinha”. Em 1.863, chega na região a família dos “Antocas”. Oriunda de Ubatuba, essa devota família, assim que chegou para a sesmaria que havia recebido, resolveu doar uma gleba de terra no entorno do pouso, para que ali se construísse uma capela dedicada à Virgem Imaculada. Casa após casa, no entorno dessa capela começou a surgir o que viria a ser hoje a cidade de Lagoinha.
5. ELEITORES: Lagoinha possui mais eleitores do que habitantes. Em 2018 eram 5.041 eleitores para uma população total de 4.896 habitantes, segundo estimativa do IBGE para o ano de 2019. Apesar dessa situação causar estranheza e desconfiança, não há nada de errado com ela. É típica de municípios que sofrem perda de população por migração intermunicipal e êxodo rural, como ocorre aqui no Alto Vale do Paraíba, onde a mudança de município de residência não é acompanhada pela mudança de domicílio eleitoral. As pessoas mudam de cidade, mas preferem continuar votando na cidade natal, aproveitando a eleição para rever a família e amigos ou mesmo para participar do pleito no lugar onde possuem relação mais próxima com a política. Cunha também possui um número elevado de eleitores, se comparado à população residente. Consequentemente isso acaba gerando uma alta taxa de abstenção, por essa razão o Tribunal Regional Eleitoral tem sido mais exigente no recadastramento eleitoral no que concerne à comprovação de residência.
6. TAUBATÉ: Atualmente o município possui uma forte ligação e dependência em relação a Taubaté, apesar dos laços históricos e da maior proximidade com Guaratinguetá. Essa ligação com Taubaté se estreitou a partir de 1.981, com a pavimentação da Rodovia Nelson Ferreira Pinto (SP-153), que liga a cidade de Lagoinha com a vizinha São Luiz do Paraitinga.
7. FAZENDAS: Apesar da sede da Fazenda Santana ficar no município de Cunha, próxima à divisa com Lagoinha, os seus donos sempre tiveram mais ligação com Lagoinha e São Luiz do que com Cunha, com destaque para o coronel (da Guarda Nacional) Manoel Antônio Domingues de Castro, figura política importante no passado lagoinhense. Em 1.873, ocupava o cargo de subdelegado na então freguesia pertencente a São Luiz do Paraitinga. Chegou a ser deputado estadual em 1.907. E em 1.892 conseguiu que fossem transferidas para a Vila de Lagoinha as terras de suas fazendas, a saber: as fazendas “Santa Anna” (pertencente a São Luiz do Paraitinga na época) e “João Ferraz” (atual bairro do Ferraz, município de Cunha). Com o advento do República, acabou por prevalecer o princípio da divisa intermunicipal por vertentes e não a partir de interesses particulares.
8. FRONTEIRAS: Vários bairros rurais de Cunha se comunicam mais com Lagoinha do que com nossa cidade. Isso se deve à proximidade e facilidade de acesso com a cidade vizinha. Por estarem na região de fronteira, é mais fácil ir até Lagoinha do que vir até Cunha. É o caso, por exemplo, do bairro do Barro Vermelho. Geograficamente, é Cunha; no entanto, os moradores votam, estudam, fazem consultas médicas, negócios e compras em Lagoinha. Por conseguinte, gera atrito entre as duas prefeituras, pois ambas querem se livrar da prestação de serviços públicos a esses moradores, que no final acabam sendo prejudicados e tendo que reivindicar seus direitos por causa de sua localização. Claro que, do ponto de vista legal, o atendimento aos moradores compete à Prefeitura de Cunha, pois estão dentro de nossa circunscrição territorial e nos recenseamentos, que servem de base para o repasse de verbas estaduais e federais, os moradores entram na soma da população de Cunha. Nos últimos tempos, acordos entre as duas prefeituras têm sido feito no tocante à manutenção das estradas rurais, principal queixa desses moradores.
9. TURISMO: A Cachoeira Grande, no bairro do Faxinal, é o principal ponto turístico de Lagoinha. Com 38 metros de queda livre, é uma das maiores e mais bonitas da região. A cachoeira é formada pelo rio do Pinhal, afluente do rio Paraitinga, que corta o município no sentido oeste-leste. Lagoinha está cercada por duas serras: a do Quebra-Cangalha (Serra Fria ou dos Forros) ao norte e ao sul a do Mar (Serra do Alto do Chapéu).
10. TRADIÇÃO: Lagoinha é uma das cidades mortas do Vale Paraíba, tão bem descritas pela narrativa ácida de Monteiro Lobato. Assim como Cunha, o município entrou em estagnação econômica com a subutilização dos caminhos serranos para escoamento da produção valeparaibana, depois da inauguração da Estrada de Ferro Central do Brasil e com o fim do ciclo do café na nossa região. Atualmente conta com 220 estabelecimentos agropecuários, uma produção leiteira de 25 mil litros por dia e mais 20 mil cabeças de gado. É uma das maiores bacias leiteiras do estado e um dos centros da pecuária de corte da RM do Vale do Paraíba. Se no passado a falta de indústrias e a perda de dinamismo econômico eram entraves, hoje o fato de ser uma cidade bucólica e distante dos grandes centros industriais é um fator que impulsiona o turismo rural e o ecoturismo, atraindo visitantes ansiosos para explorar as belezas com que Lagoinha foi, generosamente, agraciada pela natureza. E tudo isso em um lugar que vem conservando a fé, a tradição e os valores que, repassados geração a geração desde tempos imemoriais, fez esse rincão de São Paulo ser um bastião da mais autêntica cultura paulista.

Mapa e dados de Lagoinha – SP. Cartografia: Jacuhy.

FONTES:
A religiosidade de Lagoinha, SP. Trip Rural, 30 ago. 2019. Disponível em: < http://www.triprural.org.br/a-religiosidade-de-lagoinha-sp/>, acesso em: 18 mai. 2020.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO (ALESP). LEI N. 22, DE 26 DE MARÇO DE 1866. Eleva à categoria de freguesia a capela de Nossa Senhora da Lagoinha, e autoriza o governo provincial a determinar as divisas entre essa Freguesia e os municípios de São Luiz, Cunha, Guaratinguetá e Pindamonhangaba. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/…/…/lei/1866/lei-22-26.03.1866.html, acesso em: 20 mai. 2020.
______. LEI N. 85, DE 6 DE SETEMBRO DE 1892 (Transfere para a villa de Lagoinha fazendas do cidadão Manoel Antonio Domingues de Castro). Disponível em: <http://www.al.sp.gov.br/…/l…/lei/1892/lei-85-06.09.1892.html>, acesso em: 19 mai. 2020.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Lagoinha: São Paulo. Rio de Janeiro: IBGE, 1973. 1 carta topográfica, color., 4465 x 3555 pixels, 5,50 MB, jpeg. Escala 1:50.000. Projeção UTM. Datum horizontal: marégrafo Imbituba, SC, Datum vertical: Córrego Alegre, MG. Folha SF-23-Y-D-III-2. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/…/GEBIS%…/SF-23-Y-D-III-2.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2020.
______. Mapa Municipal Estatístico: Lagoinha – SP. Escala: 1: 50.000. IBGE, Rio de Janeiro: 2011. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/…/mapas_municip…/sp/lagoinha_v2.pdf>, acesso em: 20 mai. 2020.
______. Produção da Pecuária Municipal 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2019.
INSTITUTO CHÃO CAIPIRA MALVINA BORGES DE FARIA. Lagoinha. Disponível em: <http://www.chaocaipira.org.br/cidades/lagoinha>, acesso em: 20 mai. 2020.
LUNÉ, Antônio J. B. de; FONSECA, P. D. da. Almanak da Província de São Paulo para 1873. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado/Arquivo do Estado, 1985.
PREFEITURA MUNICIPAL DE LAGOINHA. Turismo religioso. Disponível em: <https://www.lagoinha.sp.gov.br/…/…/0/9/858/Turismo-Religioso>, acesso em: 20 mai. 2020.
SANTOS, Rosângela I. T. C. dos. As capelas de roça no município de Lagoinha, SP. Lagoinha (SP): Clube de Autores, 2008.
SILVA, Altair V. da. Lagoinha – SP: sua origem e razões de sua localização. Disponível em: < https://youtu.be/tOxP5oJ_ySE>, acesso em: 18 mai. 2020.
SPINELLI, Evandro. Osmar Barbosa (1928-2011): padre Osmar, o milagreiro que previa o futuro. Folha de S. Paulo. Cotidiano. Obituário. São Paulo, 7 nov. 2011. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0711201115.htm>, acesso em: 20 mai. 2020.
VELOSO, João J. de O. Fazenda Sant’anna – Roteiro Turístico e Histórico de Cunha. Cunha: Museu Municipal Francisco Veloso, dez. 2019. Disponível em: <https://www.facebook.com/joaoveloso.veloso.5/posts/10206544664212941>, acesso em 19 mai. 2020.

Vista da cidade de Cunha em 1.979

Foto de Maria Helena Cassinha Oliveira, publicada no grupo Memória Cunhense, mostrando a nossa cidade.

Essa foto, tirada em setembro de 1979, como se vê no canto inferior direito, mostra a cidade de Cunha vista do Cruzeiro, no entroncamento da Rua Manoel Prudente de Toledo e a Rodovia Vice-Prefeito Salvador Pacetti (SP-171). A névoa da manhã, no fundo dos vales, sempre foi um charme à parte e característica cunhense desde sempre.

Ainda que a cidade não tenha crescido tanto, é possível identificar algumas mudanças na paisagem urbana; já na paisagem rural o que chama a atenção é a ausência de matas e o predomínio absoluto de pastagens e plantações. Hoje, tirando uma foto do mesmo lugar, poderemos contemplar – com satisfação – uma Cunha muito mais verde que a 40 anos atrás.

Área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba aumentou mais de 300% nos últimos 30 anos

Plantação de eucalipto. Foto: MST. Data: 2015.

Estudo coordenado por Carlos Cesar Ronquim, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Territorial, apontou que a área ocupada por eucalipto no Vale do Paraíba, em sua porção paulista, saltou de 35.200 hectares em 1.985 para 113.600 hectares em 2.015, ocupando uma área equivalente ao município de São José dos Campos, o segundo maior de nossa região. Um aumento de 323% ao longo de 30 anos. Em 1.985, 2,5% da área total da nossa região estava ocupada por eucaliptos. Em 2.015, esse percentual chegava aos 8,1% da total área do Vale do Paraíba paulista. Esse aumento se reflete na paisagem regional. Todos os habitantes adultos do Vale, os nativos daqui pelo menos, já perceberam esse aumento explicito e visível nos seus lugares e municípios, principalmente a partir das primeiras décadas do século XXI. Seria o eucalipto o novo café?

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 1985. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016.

O aumento da área ocupada pela silvicultura de eucalipto foi acompanhado pela queda das áreas ocupadas por pastagem, solo exposto e atividades agrícolas, conforme pode ser verificado nos mapas que ilustram este artigo. A área ocupada por pastagem ainda ocupa a liderança, com 652.600 hectares, correspondendo em termos relativos a 46,7% do total. Todavia, há 30 anos correspondia a cerca de 68% da área total da região, o que demonstra o quanto o ambiente natural estava degradado pela pecuária e agricultura extensiva tradicional. A área com solo exposto sofreu uma ligeira queda, caindo de 3,7% para 3,3% em 2.015, uma diminuição de 5.500 hectares. É uma constatação positiva, pois a exposição do solo é um agravante ambiental, porque geralmente desencadeia processos erosivos, lixiviação etc. Por fim, a área ocupada por atividades agrícolas também retraiu, saindo de 51.300 hectares em 1.985 para 36.500 em 2.015. Em termos relativos ocupava 3,6% da área total e em 2.015 passou a ocupar 2,6%. Forte indicar que o ciclo agrícola do Vale está em franco declínio, incapaz de concorrer com outras áreas do Brasil, onde impera uma agricultura mecanizada, com produção em larga escala e voltada à exportação.

O retraimento das áreas de pasto e plantação foi sucedido por um aumento da ocupação por matas nativas. Um salto de 249.500 hectares em 1.985 para 455.200 hectares em 2.015. Assim, a cobertura florestal sobre a nossa região aumentou de 17,8% em 1.985 para 32,6% em 2015. Uma constatação auspiciosa e que indica que nem só de más notícias vive a Mata Atlântica. Com o progressivo aumento regional das taxas de urbanização, a área ocupada por construções também aumentou de 38.500 hectares para 63.600 hectares, chegando a uma ocupação de 4,6% da área total do Vale em 2.015. O aumento da mancha urbana das urbes valeparaibanas se dá pelo crescimento da população citadina e pelo forte êxodo rural, que ainda não se esgotou em nossa região. Esvaziam-se os campos; incham-se as cidades. Um reflexo da situação nacional em escala regional.

Mapa do uso e ocupação do solo do Vale do Paraíba paulista em 2015. Autores: RONQUIM e COCHARSKI. Fonte: EMBRAPA, 2016

O esvaziamento do campo valeparaibano paulista pode ser um dos fatores que levou ao aumentou da cobertura de mata nativa, indicando uma regeneração dos pastos sujos que, em 1985, correspondiam a 390.600 hectares, ou 27,9% da área total regional. A queda da quantidade das áreas agrícolas também se relaciona com o declínio da agricultura familiar na região e ao êxodo rural. Além do mais, principalmente nos municípios do Alto Vale do Paraíba, as propriedades agrícolas têm adquirido novas funções. Muitas se converteram em sítios de veraneio para pessoas advindas da Região Metropolitana de São Paulo. Outras têm se convertido em lugares para consumo do espaço, com a incipiente, mas promissora atividade turística regional (com exceção de Campos do Jordão, que já é um polo turístico há muitas décadas), com as práticas ecoturismo e turismo rural, que valorizam a existência de mata nativa e torna esse tipo de cobertura do solo um fator de agregação de valor. Há também um aumento da patrulha da Polícia Militar Ambiental, mas essa ação repressiva nunca gerou consciência, apenas medo e desconfiança, além de dividendos para o Estado, com as pesadas multas que aplicam.

O avanço do eucalipto se dá no mesmo contexto, mas parece ser causa do êxodo e não consequência. Essa cultura comercial avança no rastro de estagnação econômica deixado pelas atividades ligadas à agricultura familiar e à pecuária extensiva, cada vez menos lucrativas e cada vez mais inviáveis para as pessoas da roça. É impossível os agricultores e pecuaristas do Alto Vale, adeptos de técnicas rudimentares, competirem com os agricultores e pecuaristas de outras regiões do Brasil, que incorporam técnicas modernas, mecânicas e automatizadas na produção. Diante desse cenário, há um barateamento da propriedade agrícola regional, tornando-a interessante às grandes empresas de papel e celulose do Brasil, pois a região possui uma excelente localização, possui vasta malha rodoviária e está entre as duas maiores metrópoles do país e relativamente próxima aos centros industriais e aos portos. Uma vez adquiridas, sempre de vários proprietários do mesmo bairro e ao mesmo tempo, com intuito de pressionar – de forma covarde – os mais proprietários mais resistentes, ocorre a expulsão da população local, pondo fim à existência do bairro rural. Cria-se um verdadeiro “deserto verde”, levando a antiga propriedade familiar, passada de geração a geração, e que atendia ao mercado local e às necessidades familiares, a atender às demandas do mercado internacional, se articulando e se organizando a partir de uma lógica exógena e desvinculada totalmente do lugar. A celulose é um dos produtos de exportação do Brasil e sua venda tem sido destinada principalmente para a Rep. Popular da China, EUA e Países Baixos. Não é à toa que na vizinha São Luiz do Paraitinga (SP) já existe um movimento local de resistência ao avanço desenfreado da eucaliptocultura, causadora de impactos ambientais, sociais e na saúde do povo da roça, devido ao uso indiscriminado de formicidas e outros agrotóxicos em larga escala.

Afinal, quem realmente ganha com o avanço das plantações de eucalipto? A população do lugar eu sei que não é. Para os boias-frias, que são contratados de maneira precária por empresas terceirizadas a fim de realizar o plantio, o controle de pragas e a limpeza dos pés de eucalipto, eu aposto que não também. Já a Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Suzano Papel e Celulose eu tenho certeza que sim. Quem mais?

Ou as saúvas acabam com os eucaliptos, ou as empresas de eucalipto vão acabar com todo universo caipira da região. Vida longa às saúvas!

Referências:

BARROS, C. J. Eucalipto avança em São Luiz do Paraitinga e gera reações. Repórter Brasil, 9 jul. 2009. Disponível em: < https://reporterbrasil.org.br/2009/07/eucalipto-avanca-em-sao-luiz-do-paraitinga-e-gera-reacoes/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

BUENO, S. Exportação de Celulose. Fazcomex, 13 jan. 2021. Disponível em: < https://www.fazcomex.com.br/blog/exportacao-de-celulose/ >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C.; COCHARSKI, T. C. D. Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 1985. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065875/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-1985 >. Acesso em 21 jun. 2021.

______ . Uso e ocupação do solo, Vale do Paraíba do Sul, 2015. 1 mapa. Color. Escala 1: 250.000. Campinas (SP): Embrapa Monitoramento por Satélite, 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1065878/uso-e-ocupacao-do-solo-vale-do-paraiba-do-sul-2015 >. Acesso em 21 jun. 2021.

RONQUIM, C. C. (Coord.). GeoVale: análise da distribuição geoespacial e de aspectos ambientais da eucaliptocultura na bacia do Rio Paraíba do Sul. Embrapa Territorial, dez. 2016. Disponível em: < https://www.embrapa.br/busca-de-projetos/-/projeto/205528/geovale–analise-da-distribuicao-geoespacial-e-de-aspectos-ambientais-da-eucaliptocultura-na-bacia-do-rio-paraiba-do-sul >. Acesso em 21 jun. 2021.

Mata Atlântica está se regenerando no município de Cunha

Rio Paraibuna cortando o Parque Estadual da Serra Mar – Núcleo de Cunha. Foto: Instituto Florestal.

Segundo os levantamentos feitos pelo Instituto Florestal do estado de São Paulo, as áreas nativas de Mata Atlântica no município de Cunha vêm aumentando nas últimas décadas. Em 2005, Cunha contava com 35.048 hectares de vegetação nativa, ou seja, 26,3% do seu território (IF, 2005). Atualmente (IF, 2020), Cunha conta com 48.598 hectares de cobertura vegetal nativa, o que corresponde a 34,5% do seu território. Um aumento de quase 10% nos últimos 15 anos, com 13,5 mil hectares regenerados, o que corresponde a cerca de 19 mil campos de futebol. Um aumento significativo, já que não houve nesse período nenhum programa municipal, estadual ou federal que incentivasse o reflorestamento com mata nativa. Muito mais poderia ter sido feito e recuperado, se houvesse. Já passou da hora do município ter uma unidade de conservação própria. Quem sabe na nascente do rio Jacuí ou mesmo na do rio Paraibuna…

Evolução do uso e ocupação do solo no município de Cunha ao longo de 20 anos.

Nas imagens observadas, o fato mais visível é o avanço das plantações de eucalipto (silvicultura), sobretudo no bairro da Várzea do Tanque. Mas isso é uma análise superficial. Análises espaciais a partir de sensoriamento remoto, utilizando softwares e métodos científicos, indicam que a cobertura vegetal do bioma original está em franca recuperação.

Situação do uso e ocupação do solo no município de Cunha nos últimos anos.

O município de Cunha possui mais um terço de seu território coberto por matas nativas é um valor bastante significativo no contexto estadual, sobretudo pelo fato do município já ter mais de 300 anos de colonização. Ainda mais porque desde a década de 1940 desenvolveu uma pecuária (leiteira e de corte) extensiva, rudimentar, muito danosa aos solos e à biodiversidade, com o plantio em larga escala de uma praga biológica chamada braquiária.

O motivo do aumento está relacionado muito mais às mudanças econômicas vivenciadas por Cunha nas últimas quatro décadas do que uma suposta tomada de “consciência ambiental” por parte de seus habitantes. Pode-se apontar alguns fatores que contribuíram para o aumento das áreas de mata nativas:

  • A criação de duas unidades de conservação abrangendo parte do território do município na década de 1970;
  • O aumento da fiscalização por parte da Polícia Militar Ambiental e dos demais órgãos controladores e fiscalizadores;
  • Êxodo rural e diminuição progressiva da população rural cunhense ao longo do século XX e início do século XXI;
  • Avanço no desenvolvimento turístico do município e valorização da paisagem como objeto de consumo, fomentando o turismo rural e ecoturismo, atividades em que as coberturas florestais apreciadas e objetos de atração;
  • Aumento dos sítios de veraneios, condomínios rurais e pousadas, cujo proprietários são pessoas de “fora”, que não dependem da agropecuária (setor primário) para custeio e sobrevivência, portanto podem deixar as pastagens se regenerar em matagais. Há uma refuncionalização, convertendo áreas agrícolas em áreas de lazer e turismo (setor terciário).

Entre outras coisas, vale ressaltar que: “Entre as décadas de 1960 e 1980, a atividade agropecuária no Vale do Paraíba diminuiu 13%, o que contribuiu para a estagnação dos índices de desmatamento na região. Desde então, a Mata Atlântica iniciou um processo espontâneo de regeneração. Muitas terras abandonadas se converteram em pequenos bosques de vegetação secundária, resultando em um aumento da cobertura florestal” (ANDRADE, 2017, p. 38). Entretanto, segundo estudos de SILVA (2016), não é uma regeneração zonal, mas por capões de matas, em áreas onde a pastagem e a lavoura foram abandonadas pelos proprietários. Esse tipo de regeneração aponta para a necessidade de se criar um corredor ecológico para que possa conectar essas manchas de matas secundárias, para que a recuperação possa ser mais efetiva, sobretudo para a fauna originária, sempre ameaçada por caçadores, pela destruição do seu habitat e pela falta de alimentos.

Vale lembrar que Cunha possui 2 unidades de conservação com áreas dentro do seu território: o Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleos: Cunha e Santa Virgínia) e o Parque Nacional da Serra da Bocaina. Essas duas unidades de conservação são responsáveis por garantir a preservação de 8% do território municipal. Cunha é também onde nasce o rio Paraibuna e onde se forma o rio Paraitinga, formadores do rio Paraíba do Sul, maior curso d’água localizado entre as duas maiores regiões metropolitanas do país: São Paulo e Rio de Janeiro.

Referências:

ANDRADE, R. de O. Floresta revigorada. Pesquisa FAPESP, São Paulo, n. 259, p. 36-39, set. 2017.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Instituto Florestal (IF). Inventário florestal da vegetação natural do Estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. Instituto Florestal (IF). Resultados do Mapeamento Temático da Cobertura Vegetal Nativa do Estado de São Paulo: Inventário Florestal do Estado de São Paulo – 2020. Disponível em: < https://smastr16.blob.core.windows.net/home/2020/07/tabela-municipio-inventario-florestal-if-2020.pdf >. Acesso em 5 jun. 2021.

SILVA, R. F. B. et al. Land changes fostering Atlantic Forest transition in Brazil: Evidence from the Paraíba Valley. The Professional Geographer. 2016.

Animação com as imagens de satélite do município de Cunha: https://www.facebook.com/Jacuhy/videos/276074534204469

Fonte das imagens de satélite: Google Earth.

Estudo aponta recuperação da Mata Atlântica no Vale do Paraíba

Fonte: Pesquisa FAPESP.

Por Pesquisa FAPESP

Após séculos de degradação, a Mata Atlântica mostra sinais inequívocos de recuperação no Vale do Paraíba, no caminho entre Rio de Janeiro e São Paulo. Nos últimos 50 anos, a vegetação nativa mais que dobrou. Em 1962, a área de Mata Atlântica se estendia por pouco mais de 200 mil hectares. Em 1995 esse número subiu para 350 mil hectares e, em 2011, para cerca de 450 mil hectares, o equivalente a 30% do território paulista do Vale do Paraíba. A reconstituição gradual e espontânea de parte da floresta parece ser resultado de uma convergência de fatores sociais, econômicos e ambientais, desencadeados a partir da década de 1950, conforme verificou o biólogo Ramon Felipe Bicudo da Silva, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas (Nepam-Unicamp), em uma pesquisa de doutorado sob orientação do biólogo Mateus Batistella, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e do antropólogo Emílio Moran, da Universidade Estadual de Michigan, nos Estados Unidos.

“A Mata Atlântica no Vale do Paraíba passa por um processo conhecido como transição florestal, quando há uma mudança nas características de uso da terra, saindo de um período de constante redução da vegetação nativa para outro de expansão natural das florestas originais”, explica Ramon. “Ali, a transição está relacionada ao abandono de áreas de topografia incompatível com a agricultura mecanizada, a projetos de preservação ambiental envolvendo o cultivo de eucalipto e à migração das populações rurais para grandes centros urbanos.” As conclusões se baseiam em imagens do satélite Landsat 5, em dados sobre o desenvolvimento industrial da região e em entrevistas com produtores rurais, pesquisadores de universidades, representantes de organizações não governamentais (ONGs) e de órgãos de governo.

Desde a colonização portuguesa, a Mata Atlântica foi submetida a longos períodos de uso intensivo e desregulado da terra. Foi assim à época da extração do pau-brasil e do cultivo de cana-de-açúcar, entre os séculos XVI e XVIII, passando pelos ciclos do ouro e do café e, mais recentemente, pela pecuária e expansão urbana. Hoje, a área de mata, que já ocupou mais de 1 milhão de quilômetros quadrados (km2) espalhados por 17 estados brasileiros, reduz-se a singelas manchas florestais de cerca de 50 hectares cada, segundo o último Atlas de remanescentes florestais da Mata Atlântica, da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A porção de floresta no Vale do Paraíba foi uma das mais atingidas. A região se tornou em fins do século XIX o eixo entre os dois maiores centros metropolitanos do país. A partir da década de 1920, começou a passar por um intenso processo de industrialização, consolidado com a inauguração da rodovia Presidente Dutra nos anos 1950 e a criação do complexo tecnológico-industrial aeroespacial de São José dos Campos. Ao analisar dados históricos e levantamentos estatísticos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os pesquisadores constataram que a urbanização da região, somada à perda de produtividade das pastagens, desencadeou um intenso fluxo de habitantes da zona rural rumo aos centros econômicos e industriais do Vale do Paraíba, como as cidades de Taubaté e São José dos Campos. “À medida que a industrialização e a urbanização se intensificaram, mudanças nas forças sociais e econômicas estimularam o abandono das terras agrícolas, sobretudo em áreas mais acidentadas”, explica Ramon. Alguns habitantes da região permaneceram em suas propriedades, mas deixaram de usá-las para a atividade agropecuária, passando a trabalhar nas cidades. “Esse tipo de fenômeno ajudou a criar as condições ideais para a regeneração natural da floresta”, comenta o biólogo Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), especialista em recuperação florestal.

Entre as décadas de 1960 e 1980, a atividade agropecuária no Vale do Paraíba diminuiu 13%, o que contribuiu para a estagnação dos índices de desmatamento na região. Desde então, a Mata Atlântica iniciou um processo espontâneo de regeneração. Muitas terras abandonadas se converteram em pequenos bosques de vegetação secundária, resultando em um aumento da cobertura florestal.

Podcast: Ramon Felipe Bicudo da Silva

Para Emilio Moran, os resultados reforçam estudos que verificaram processos pontuais de regeneração natural da Mata Atlântica em outras regiões do Brasil. Um deles é um levantamento da SOS Mata Atlântica e do Inpe que registrou um total de 219 mil hectares de Mata Atlântica em recuperação em regiões antes ocupadas por pastagens em nove estados brasileiros, de 1985 a 2015. Esse fenômeno também foi observado em outros países. Em Indiana, nos Estados Unidos, parte da vegetação nativa no sul do estado foi convertida em cultivo de milho e soja em fins do século XIX, restando pouco mais de 5% da cobertura florestal original. “A produção depois migrou para áreas mais adequadas para o cultivo dessas culturas no norte do estado e, ao longo de quase um século, a vegetação se regenerou, dando origem ao que hoje são reservas estaduais”, explica Moran. Mais recentemente, em Medellín, na Colômbia, constatou-se que a vegetação nativa em áreas antes controladas pelo narcotráfico e usadas para a plantação de coca começaram a se regenerar após o fim dos conflitos armados naquela região do país.

PRODUÇÃO DE EUCALIPTO

Os pesquisadores também observaram que a regeneração florestal havia sido mais acentuada em áreas próximas a remanescentes florestais originais e em terrenos menos aptos à agricultura, próximos a escarpas e ribanceiras. “As áreas antes usadas como pastagem contribuíram com cerca de 75% para as novas áreas florestais nas últimas décadas no Vale do Paraíba”, afirma Mateus Batistella, da Embrapa. Também houve um aumento considerável de vegetação nativa em áreas hoje usadas para a plantação de eucalipto. A produção dessa árvore costuma ser associada à degradação do meio ambiente, seja pelo ressecamento do solo ou pela diminuição da diversidade biológica nas regiões onde é cultivada. Mas, no caso da porção paulista do Vale do Paraíba, explica o pesquisador, houve um impacto positivo na regeneração florestal: para poder plantar eucaliptos, os produtores precisam de certificações ambientais. Para obtê-las, foram obrigados a proteger fragmentos de vegetação nativa, que se ampliaram naturalmente com o tempo, e a restaurar áreas de mata ciliar, que também se tornaram florestas nesse período.

Cartografia da regeneração da Mata Atlântica. Pesquisa de Ramon Felipe Bicudo da Silva. Fonte: FAPESP.

O cultivo de eucalipto para a produção de celulose estabeleceu-se na região nos anos 1960, principalmente em áreas de pastagens abandonadas ou degradadas, como as encontradas nos municípios de Jambeiro, Natividade da Serra, Paraibuna, Redenção da Serra, Santa Branca e São Luís do Paraitinga. Juntas, essas seis cidades contribuíram para 53,8% da expansão do cultivo de eucalipto no Vale do Paraíba – de 13.115 hectares, em 1985, para 38.958 hectares, em 2011. Durante esse período, a cobertura florestal expandiu-se em 77%. Hoje, aproximadamente 89% da celulose produzida no Vale do Paraíba é vendida para mercados da China e Europa. A crescente demanda global por produtos sustentáveis vem forçando as empresas a seguir normas e práticas de gestão ambiental específicas para a obtenção de certificação ambiental. “Essas certificações são fundamentais para o mercado de commodities de celulose, contribuindo para que a plantação de eucalipto influenciasse positivamente a recuperação de matas nativas em seu entorno”, afirma Batistella.

FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL

A partir de entrevistas com representantes de ONGs e mais de 90 produtores rurais do Vale do Paraíba, os pesquisadores identificaram outros elementos que contribuíram para a regeneração de parcelas de floresta na região. Uma delas é a Lei da Mata Atlântica, de 2006, que introduziu incentivos financeiros para projetos de restauração ambiental. Também a fiscalização feita nas últimas duas décadas pela Polícia Militar Ambiental (PMA) de São Paulo ajudou a coibir o desmatamento e as queimadas. De acordo com informações do banco de dados da própria PMA, pouco mais de 9.500 ocorrências de violações ambientais foram registradas na porção paulista do Vale do Paraíba entre 2003 e 2013, mais da metade envolvendo o corte ilegal de árvores. Ainda assim, a extensão das áreas afetadas pelo desmatamento teve uma redução considerável no mesmo período.

Muitas das ocorrências registradas foram denunciadas pela população. Segundo Ramon, ferramentas de governança como legislação, sanções e distribuição de materiais de orientação favoreceram o desenvolvimento de uma noção de cidadania ambiental e um maior engajamento em parte da população do Vale do Paraíba. “Os resultados sugerem o estabelecimento de uma relação positiva entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental na região, e que o processo de transição florestal pode ser acelerado por uma sociedade ambientalmente consciente”, afirma Moran.

O fenômeno do Vale do Paraíba pode orientar projetos de restauração florestal em áreas onde existam processos históricos e econômicos semelhantes. Já em regiões onde a mecanização agrícola é intensa e os poucos remanescentes florestais que sobraram são muito degradados, pode ser necessário investir em outras estratégias de restauração. “Nessas condições, outras iniciativas são recomendadas, como o plantio de sementes ou de mudas de espécies nativas”, diz Ricardo Rodrigues, da Esalq-USP.

Domínio Morfoclimático dos Mares de Morros

Foto: Amanda Motta / Instagram. Local: Cunha – SP.

Cunha está dentro da área de “core” ou nuclear do Domínio Morfoclimático dos “Mares de Morros” Florestados, porque sua paisagem corresponde a uma área típica e contínua de relevo mamelonizado, em que uma sucessão de morros com cumes bem arredondados se estende até o horizonte, apresentando um formato de meias-laranjas, lembrando, assim, o aspecto de agitação das ondas marítimas. Uma área nuclear é aquela que melhor apresenta as características representativas de um respectivo domínio. O conceito de domínio morfoclimático foi desenvolvido pelo geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, natural aqui do Vale, de São Luís do Paraitinga, e já falecido, infelizmente. Ab’Saber estabeleceu uma classificação para os diversos ambientes macroecológicos existentes no território brasileiro, ajudando a entender melhor as paisagens de nosso imenso país. Os domínios morfoclimáticos são grandes conjuntos do espaço geográfico identificados através do resultado das inter-relações entre os elementos da paisagem, tais como: relevo, clima, solo e vegetação. A inter-relação desses quatro elementos, mais a ação antrópica (do homem) sobre o espaço, transformando as paisagens naturais constantemente, faz com que surja paisagens e sistemas ambientais diferentes por todo país.

Mapa mostrando a localização e distribuição dos domínios morfoclimáticos pelo Brasil.

O geógrafo luizense aponta que o Domínio dos Mares de Morros é a região brasileira sujeita aos mais fortes processos erosivos e aos mais intensos movimentos de massa, o que coloca esse domínio paisagístico como suspeito a ocorrer desastres naturais, daí a necessidade de todos os municípios inseridos dentro desse contexto geomorfológico de ter uma Defesa Civil atuante e preparada.

O domínio dos mares de morros é o meio físico mais complexo e difícil do país em relação às construções e ações humanas […] é difícil o encontro de sítios urbanizáveis […] como igualmente difícil é a abertura de estradas e sua conveniente conservação.

AB’SÁBER, 2003, p. 62

Florestados no passado, com Mata Atlântica e bosques de Araucárias (Campos do Jordão, Serra da Bocaina), trata-se, atualmente, de um ambiente bastante desflorestado e degradado. Salvo dentro das unidades de conservação, que felizmente surgiram no domínio a partir da década de 1970. Unidade paisagística situada entre os três maiores centros urbanos do país: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, esse meio físico foi intensamente ocupado, povoado e desgastado, seja pela cafeicultura, pela pecuária de corte e mais recentemente pela silvicultura de exportação.

Fonte:
AB’SÁBER, A. N. Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

Remanescentes de Mata Atlântica em Cunha

Após três séculos de colonização e ocupação no município de Cunha, o mapa representa as áreas florestais e de campos de altitude que sobraram. Excluindo as áreas de proteção integral do Parque Estadual da Serra do Mar e do Parque Nacional da Serra da Bocaina, percebe-se que muito pouco restou. A agricultura rudimentar e a pecuária extensiva, atividades econômicas históricas de nosso município, foram as responsáveis pelo desmatamento e degradação do lugar chamado “berço das águas”, devido ao grande número de nascentes. A boa notícia é que na última década a Mata Atlântica mostrou recuperação, aumentando a área florestada do município. Consciência ambiental ou refuncionalização das propriedades rurais de Cunha, que estão deixando ser agrícolas?

Certamente a refuncionalização das propriedades rurais, seja pelo turismo em ascensão ou pelo aumento das casas de veraneio de “gente de fora”, tem um impacto considerável nessa boa notícia. A recuperação florestal ocorre em virtude desse novo caráter nas propriedades rurais de Cunha, pois na agropecuária o valor do terreno está na capacidade produtiva, o que acarreta na retirada da mata para formação de pastagem ou para aragem do solo. Já para os veranistas, o valor do terreno está na beleza paisagística ou ainda na quantidade de nascentes que possui. Descarto a ideia de que as “pessoas de fora” tenham mais consciência ecológica do que as pessoas da roça de Cunha, pois a relação com terra se dá de forma desigual, impossibilitando qualquer conclusão. Enquanto para o veranista paulistano ou de outra cidade grande o terreno é usado apenas um local de descanso e lazer, para o caipira cunhense é meio de subsistência, lugar de trabalho, onde retira o seu sustento e de sua família, daí muitas vezes a necessidade da exploração intensiva do terreno íngreme e do solo pouco fértil. Outras diferenças sociais, como grau de instrução, seguramente ajudam a entender sujeitos de “mundos” distintos e as relações que estabelecem com o meio ambiente.

A fiscalização feita pela Polícia Militar Ambiental está mais intensiva na região nos últimos anos. Mas como ela é muito pontual, sozinha não ajuda a entender o fenômeno, embora tenha lá a sua contribuição para diminuição do desmatamento.

Outras conclusões do Inventário Florestal:

  • O município com maior área (dentro da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul paulista) de vegetação remanescente é Cunha com 35.048 ha., correspondendo a 26,3% de sua superfície;
  • Constata-se que a vegetação remanescente está dividida em 2.723 fragmentos, sendo 2.122, com área de até 10 ha.; 350, com 10-20 ha.; 171, com 20-50 há.; 53, com 50-100 há.; 20, com 100-200 há. e 7 fragmentos com área superior a 200 ha.;
  • No município de Cunha também existem expressivas áreas protegidas por Unidades de Conservação – 11.041ha. (8,3%).

Assim, verifica-se a importância da preservação privada, aquela feita por cada proprietário de terra, na conjuntura municipal. Isso, por conseguinte, gera áreas preservadas fragmentadas e aponta para necessidade da criação de corredores ecológicos, a fim de que os pontilhados verdes possam ser conectados e a restituição do ecossistema original possa ser mais efetiva

Fontes:

  1. Folha Vitória. O papel das reservas particulares na proteção da Mata Atlântica. Disponível em: <https://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/09/2019/o-papel-das-reservas-particulares-na-protecao-da-biodiversidade-da-mata-atlantica&gt;.
  2. G1 – São Paulo. Mapeamento mostra que tem mais Mata Atlântica em SP que se pensava. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/06/mapeamento-mostra-que-tem-mais-mata-atlantica-em-sp-que-se-pensava.html>
  3. SÃO PAULO / INSTITUTO FLORESTAL. Inventário florestal da vegetação natural do Estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente / Instituto Florestal: Imprensa Oficial, 2005.
  4. SILVA, R. F. B. et al. Land changes fostering Atlantic Forest transition in Brazil: Evidence from the Paraíba Valley. The Professional Geographer. 2016.
  5. SILVA, Ramon B. F. da. Floresta revigorada. Pesquisa Fapesp, n. 259, set. 2017. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/2017/09/22/floresta-revigorada/&gt;.

Florestas nativas crescem mais de 80% no Vale do Paraíba paulista

Mapeamentos feitos a partir de imagens de satélite revelaram que entre 1985 e 2015 as áreas de floresta passaram de 250 mil para 455 mil hectares, o que representa um acréscimo de 83% em floresta nativa na porção paulista do Vale do Paraíba, região localizada ao longo do curso do Rio Paraíba do Sul, leste do Estado de São Paulo e sul do Rio de Janeiro, cortada pelo eixo viário que conecta os dois maiores centros urbanos do País. O estudo foi conduzido pela Embrapa Monitoramento por Satélite (SP) e mostrou que a alteração ocorreu principalmente em porções antes ocupadas por pastagens. Atualmente, a cobertura florestal nativa representa 33% da bacia do Rio Paraíba do Sul, no seu trecho paulista, ante 18% registrado em 1985.

O aumento das áreas de florestas na região não ocorre por meio do plantio de novas árvores, mas pela regeneração da vegetação em áreas onde a agricultura e a pecuária não são competitivas, principalmente sobre terrenos declivosos. Segundo o pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite Carlos Cesar Ronquim, os fatores que contribuem para esse crescimento são diversos e estão interligados. “A característica do relevo da região é um ponto importante. O Vale do Paraíba está situado entre duas formações montanhosas, a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar. Mais de 50% de sua área total, calculada em quase 1,4 milhão de hectares, é dominada por terrenos com grau de declividade acima de 20%, um relevo acidentado que dificulta a ocupação por culturas agrícolas e o uso de mecanização e irrigação”, afirma.

A região mostra-se adaptada preferencialmente para o cultivo de pastagens extensivas, responsáveis pela produção de carne e de leite. Mas até mesmo a pecuária enfrenta problemas com a rentabilidade da produção e tem dificuldades para manter a atividade e competir com outras regiões mais aptas. “O menor investimento dos proprietários contribui para a diminuição do manejo em áreas menos adequadas ao pastoreio pelos animais, como os topos de morros e as encostas mais íngremes. As leis ambientais em vigor também impõem restrições que dificultam o corte ou a queima da ‘capoeira’ que se forma nessas porções sem manejo. O abandono dessas áreas acaba favorecendo a volta da vegetação nativa”, explica o pesquisador.

Sequestro de Carbono

Em 30 anos, a recuperação de 205 mil hectares de florestas nativas do bioma Mata Atlântica, registrada na região do Vale do Paraíba paulista, representou um sequestro de 35,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono – isso sem contar os valores acumulados nas raízes, no solo e na serapilheira, camada de matéria orgânica que fica na superfície do solo. A quantidade de carbono sequestrado por hectare foi obtido a partir da revisão de estudos sobre florestas nativas primárias e secundárias do Sudeste brasileiro.

Ronquim explica ainda que a vegetação desta região da bacia do Rio Paraíba do Sul está contribuindo positivamente para a diminuição da concentração de CO2 na atmosfera, e, consequentemente, os impactos negativos do efeito estufa. “Se considerarmos toda a área de floresta nativa do Vale do Paraíba paulista, calcula-se um sequestro 129,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono”, afirma o pesquisador. Somada às áreas com plantios de eucalipto, que contribuem com 16,1 milhões de toneladas de dióxido de carbono, a quantidade sequestrada pelo componente florestal da região alcança 145,6 milhões de toneladas. Estes e outros resultados foram apresentados em setembro no simpósio internacional SPIE 2016 Remote Sensing and Security + Defence, realizado em Edimburgo, na Escócia, e estarão descritos no artigo científico publicado neste mês.

De acordo com dados do Observatório do Clima, o Brasil lançou na atmosfera, em 2014, cerca de 1,6 bilhão de toneladas de dióxido de carbono. A mudança de uso da terra, relacionada principalmente a desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, é o maior responsável pelas emissões, contribuindo com 472,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Para o pesquisador Carlos Cesar Ronquim, o Vale do Paraíba paulista apresenta um fenômeno inverso ao que ocorre no Brasil. “A região está contribuindo para o aumento no sequestro do carbono da atmosfera justamente por meio da mudança de uso da terra – só que ao invés da perda de florestas para as pastagens, consequência de desmatamentos, está ocorrendo o crescimento de florestas nativas sobre áreas antes ocupadas por pastos”, explica.

Ele ressalta que o pagamento por serviços ambientais e outras vantagens econômicas, como o mecanismo de Redução de Emissões pelo Desmatamento e Degradação Florestal (REDD), podem ser alternativas promissoras de compensação para o produtor rural que preserva suas florestas e protege a biodiversidade em sua propriedade. Além de contribuir para o sequestro do carbono, a recuperação florestal traz ainda outros benefícios, como a regulação da temperatura e da umidade do ar, o aumento da infiltração da água no solo e o suprimento dos lençóis freáticos, a redução da erosão e a formação de barreiras naturais contra pragas e doenças da agricultura.

Floresta, pasto e eucalipto

Os dados levantados pela Embrapa Monitoramento por Satélite são resultados do projeto de pesquisa GeoVale. O objetivo do estudo foi mapear as principais mudanças no uso e cobertura das terras da região ocorridas entre 1985 e 2015, com foco nas áreas de floresta nativa, pastagens e reflorestamentos de eucalipto. As pastagens, voltadas para a produção de carne e leite, ainda representam a maior cobertura, com 651 mil hectares. Porém, nos últimos 30 anos essa área regrediu 32% e quase metade do pasto que ainda existe na região, cerca de 40%, apresenta distintos estágios de regeneração da vegetação nativa – o chamado “pasto sujo”, que não é mais manejado e ao longo dos anos poderá formar novas florestas.

Nesses 30 anos, as pastagens cederam espaço também para os reflorestamentos de eucalipto, que atualmente ocupam 114 mil hectares e representam 8,1% da área do Vale do Paraíba paulista. A silvicultura, com base na eucaliptocultura, foi o setor da economia agroindustrial que mais se desenvolveu econômica e tecnologicamente. Ronquim explica que dentro do plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), do governo federal, as florestas plantadas representam uma das estratégias que permitem conciliar a produção de madeira e bioenergia com a redução da emissão dos gases de efeito estufa.

A pecuária permanece como a principal geradora de renda agrícola na região. Apesar da redução das áreas de pastagem, a produção de carne e de leite aumentou entre 1985 e 2015 – a produção de carne passou de 731 mil para 2,9 milhões de arrobas e a produção leiteira saltou de 187 mil para 206 mil litros, mesmo com um rebanho menor. Índice que mede o desempenho econômico das principais atividades agrícolas, o Valor da Produção Agropecuária (VPA) da carne vem crescendo desde a década de 1990 e atualmente é a atividade que mais contribui para a renda na região. A produção de leite, por outro lado, vem diminuindo sua participação no VPA e atualmente compete com a eucaliptocultura pelo posto de segundo maior contribuinte para a geração da renda agrícola no Vale do Paraíba paulista.

Arroz

O arroz ainda é a principal cultura agrícola da bacia, que detém perto de 85% da produção do Estado de São Paulo. Entretanto, de acordo com os dados levantados pela Embrapa, as áreas cultivadas também vêm diminuindo. Em 1985, a atividade ocupava uma área de 23,4 mil hectares. Já em 2015 a produção ocorreu em apenas 11,8 mil hectares. O baixo preço de mercado e a diminuição na oferta de mão de obra estão entre as principais dificuldades enfrentadas pelo produtor, mas a escassez de água também aparece como fator limitante.

O cultivo de arroz no Vale do Paraíba ocorre por meio de inundação, principalmente na várzea do Rio Paraíba do Sul, e a água vem direto da Serra da Mantiqueira. O baixo volume que os produtores conseguem captar, devido às frequentes secas e à restrição imposta pelos órgãos reguladores estatais, está sendo insuficiente para produzir adequadamente e manter a qualidade do cereal”, explica Ronquim. Na competição por área, ele cita ainda a expansão da urbanização e a atividade de extração de areia. “A área ocupada para extração de areia, na região, já é superior a 2,3 mil hectares”.

Fonte: Graziella Galinari – Embrapa Monitoramento por Satélite
Link: https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/17162859/florestas-nativas-crescem-mais-de-80-no-vale-do-paraiba-paulista