Alguns dados biográficos de Clementino de Souza e Castro Júnior

Voluntários paulistas no front de Cunha. Da esquerda para a direita: Geraldo Nascimento e Vavá (os dois cunhenses do grupo), Clementino, Tegon e Zilcar. Foto: Acervo Gazeta de S. Paulo.

Clementino de Souza e Castro Júnior (São Paulo, 23 de julho de 1.897 – São Paulo, 22 de agosto de 1.981) era filho de Clementino de Souza e Castro e Luiza Arruda de Souza e Castro. Seu pai foi prefeito de São Paulo na transição do regime monárquico para o republicano, entre 1890 e 1891, e chegou a exercer o cargo de ministro no Tribunal de Justiça de São Paulo. O bairro de Vila Clementino, localizado no distrito de Vila Mariana em São Paulo, recebeu essa denominação em homenagem ao seu pai, gestor público de grandes realizações.

Tomando parte nos acontecimentos daquele outono e inverno de 1932, quando a cidade de São Paulo se agitava contra a ditadura de Vargas, eufemisticamente chamada de “Governo Provisório”, Clementino Júnior se alistou como voluntário, tendo sido deslocado para a “Frente Norte” (Vale do Paraíba), mais precisamente para o “Sector de Cunha”, já nos primeiros momentos da guerra civil.

Quando se alistou como voluntário nas fileiras do Exército Constitucionalista, já era casado e pai de três filhas. Esse fato o distingue de muitos, mostrando a sua devoção à causa constitucionalista. Paulista e constitucionalista.

Soldados e oficiais em um momento de folga e de pausa para a pose. Trata-se do casarão da Dona Benzinha, já demolido, que foi utilizado como Delegacia Técnica durante a Revolução de 1932. Clementino observa debruçado na janela. Foto: Museu Francisco Veloso.

Em Cunha, devido à sua formação acadêmica – engenharia civil pelo antigo Colégio Mackenzie – veio a compor o corpo técnico do Estado Maior da Praça de Cunha, quando instalada na cidade a Delegacia Técnica do Exército Constitucionalista, que funcionou no casarão que ficava na esquina da rua Dr. Casemiro da Rocha com a Praça da Matriz. O casarão foi demolido, mas um novo prédio (em proporção e estilo semelhante) foi erguido e hoje está alugado para a Caixa Econômica Federal. Como engenheiro, confeccionava os croquis e mapas bélicos. Também ficou responsável pela intendência. No acúmulo das duas funções, tendo contato direto com os anseios das trincheiras e com as resenhas da oficialidade, foi testemunha privilegiada dos acontecimentos que se desenrolaram em Cunha.

Cunha sitiada. A situação da guerra em 16 de agosto de 1932, às 18h, não era nada favorável aos paulistas. Mapa: Clementino Jr. Data: 16 ago. 1932.

Anotava tudo em seu diário pessoal. Infelizmente foi perdido, conforme relata no livro, quando preso no 6º R.I. de Caçapava, em outubro de 1932, em razão da derrota do movimento constitucionalista. Mas a memória é impertinente, resistente, persistente. Três anos depois, suas reminiscências ocasionaram o livro “Cunha em 1932”, pela editora “Revista dos Tribunaes”, o primeiro escrito sobre Cunha e que, de fato, tornou nossa cidade e a batalha que se travou aqui famosa nos círculos sociais da metrópole piratiningana. Mas é importante reforçar que o livro é sobre o município de Cunha e as batalhas que ocorreram aqui; não é sobre os cunhenses. Cunha é só o cenário, o teatro de operações.

Capa original do livro “Cunha em 1932”, lançado em 1935. Digitalização: Jacuhy.

Sua intenção ao pôr no papel suas lembranças era revidar à apropriação política que alguns faziam do movimento. Esses, motivados por interesses pessoais e sem compromisso com a verdade, omitiam ou se inseriam na história para angariar prestígio e votos, maculando os nobres ideais que levaram milhares de jovens a partir para as trincheiras. Por isso o livro vem a lume em 1935, quando o país já gozava da democracia e a campanha partidária reconquistava as ruas e corações. Motivo da luta dos constitucionalistas, a democracia retornava; todavia com sua parte indesejada: os políticos e as negociatas de sempre.

Foi casado com Izaura Camargo Souza Castro e teve os seguintes filhos: Clelia, Luiza, Teresa, Irene e Jurandyr. Este deu o seguinte depoimento sobre seu pai: “sua vida aqui foi linda, alegre, cheia de lutas e vitórias. Cidadão íntegro que, com muita sabedoria, soube cuidar dos seus. Sempre dando exemplos de patriotismo, deixou saudades eternas. Sempre dizia: ‘Quem não cuidou da família, não teve um filho, não escreveu um livro, não plantou uma árvore e não lutou pela pátria: não deve ser considerado homem’. Que Deus o mantenha na Paz.”. Quando faleceu, em 1981, aos 84 anos de idade, deixou além de saudades e corações enlutados, filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Seu corpo foi enterrado no Cemitério da Consolação.

Clementino Jr. e sua esposa Izaura. Foto: Jurandyr Castro.

A força do seu depoimento sobre o movimento encetado por S. Paulo em 1932 reside na sua conversão em objeto de análise, das ideias e ideologias que permeiam a obra e nos ajudam a entender a mentalidade da época. Seu interesse para nós: cunhenses, paulistas, democratas, brasileiros, vai muito além dos fatos e fotografias que ilustram o livro. Ali está o paulista metropolitano que já não se reconhece mais no paulista interiorano. Uma das contradições imposta pela industrialização. É o desejo da elite paulista de romper com seu passado pobre, rústico, agrário, caipira, nativista que prevalece no livro quando Clementino se refere aos cunhenses. Por isso, ao digitalizar o livro, decidi manter a grafia, o número e o conteúdo de cada página correspondendo ao original, sem nada acrescentar ou suprimir. Nem fiz qualquer nota de rodapé.

“Cunha em 1932”: Dedicatória escrita em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, para um dos seus primos: “lembranças da nossa guerra”.

Ao Clementino, que descansa o sono dos justos, fica a minha profunda gratidão por ter trazido, com muita sinceridade, suas memórias à lume; aos que lutaram e puseram sua vida abaixo dos altos ideais que nortearam os paulistas no campo de batalha, fica minha reverencia. E a todos os cunhenses que sofreram naqueles dias difíceis, fica o meu reconhecimento.

Eles – os exércitos paulista e getulista – lutaram por suas convicções políticas, suas paixões partidárias; nós, cunhenses, lutamos para sobreviver ao inferno que essas convicções apaixonadas criaram.

Para ler ou fazer o download do livro “Cunha em 1932”, clique AQUI:

Museu de Cunha realiza exposição sobre a Revolução de 1932

Folder de divulgação da exposição “Cidade Sitiada”, do Museu Francisco Veloso. Data: Julho de 2022.

Com o título “Cidade Sitiada”, o Museu Francisco Veloso organiza desde o dia 9 de julho de 2022 uma exposição sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, com enfoque nos acontecimentos de Cunha. A guerra civil de 1932 foi o mais importante evento histórico estadual no século XX e teve em Cunha um dos seus teatros principais, devido à proximidade com fronteira interestadual. A exposição vai até o dia 30 de setembro.

Apesar de já se ter passado 90 anos do conflito, deflagrado em 9 de julho de 1932, é um assunto que desperta defesas ou investidas apaixonadas. O historiador Hernâni Donato, em seu livro “História da Revolução Constitucionalista de 1932”, ao tratar sobre o interesse que esse remoto levante armado ainda desperta, aponta: “Extremadas. Assim têm sido as referências ao movimento cívico-político-militar ocorrido em 1932, preparado em vários estados, porém centralizado em São Paulo. Enaltecido ou denegrido”. São Paulo se levantou contra o “Governo Provisório” de Getúlio Vargas, instaurado pela Revolução de 1930, alegando a imediata reconstitucionalização e redemocratização do país. Derrotados no campo militar, os paulistas cantam vitória até hoje, pois o seu ideal, uma nova constituição, foi alcançado. Em 1933 houve eleição para composição da Assembleia Nacional Constituinte e em 1934 uma nova Constituição foi promulgada para o país. Já para o historiador Boris Fausto, em seu livro “História concisa do Brasil”, os objetivos dos paulistas e aliados eram ambíguos. Segundo ele, “a ‘guerra paulista’ teve um lado voltado para o passado e outro voltado para o futuro. A bandeira da constitucionalização abrigou tanto os que esperavam o retroceder às formas oligárquicas de poder quanto os que pretendiam estabelecer uma democracia liberal para o país”.

As ocorrências e consequências do conflito ainda estão vivas na memória de muitos cunhenses. Não as desavenças políticas das elites, mas o sofrimento do povo e a perda da inocência com tanta violência em um lugar outrora tão pacato. A tradição oral sobre a guerra civil vai desde as anedotas do contador de causos “Zé Varda” até o silêncio de traumas insuperáveis, vivos ainda nas lembranças daqueles que vivenciaram de perto os horrores de ter uma guerra acontecendo no quintal de casa.

O objetivo da exposição é provocar novos olhares e leituras sobre o movimento armado, ampliando a discussão para além das motivações políticas e das narrativas orquestradas por elas. Por isso, além de abordar os aspectos gerais do conflito, é tratado o desdobramento na cidade de Cunha, do cerco militar que a cidade passou entre julho e agosto de 1932. O envolvimento dos soldados e também dos moradores, civis, pessoas alheias aos acontecimentos políticos nacionais, mas que acabam tomando parte, sem querer, na guerra civil. Um verdadeiro drama que o tempo ainda não foi capaz de apagar.

A diretora do Museu, Dina Zélia Chimello, afirma que a exposição foi feita pensada nos cunhenses e aguarda a visita de todos. Recentemente, ela gentilmente nos concedeu uma entrevista sobre a exposição, que reproduzimos abaixo.

Jacuhy – Qual é o objetivo da exposição “Cidade Sitiada” e o que o Museu pretende promover com ela?

Dina Chimello: O objetivo principal é contar a história da Guerra Civil de 32, na cidade de Cunha, com base em relatos memorialísticos (foram feitas entrevistas com antigos moradores; e extraídos os testemunhos escritos de soldados voluntários). E assim provocar uma reflexão sobre as experiências vividas naqueles três meses de guerra, seja pelos soldados, ou pelas muitas famílias que abandonaram suas casas para viver no mato, sem alimento e proteção, segundo relato do sr. Enéas Roberto de Toledo, Dona Maria Pacheco e sr. Nino, os quais com seus testemunhos contribuíram, traduzindo os sentimentos dos seus antepassados e familiares.
O MFV (Museu Francisco Veloso) pretende, com a exposição “Cidade Sitiada”, promover e estabelecer vínculos com os cunhenses, em particular com as instituições escolares, de modo a contribuir para o envolvimento de professores e alunos com a memória e a história da cidade.

Jacuhy – Por que a escolha pela Revolução de 1932, uma guerra civil, como tema da primeira exposição do Museu sob sua gestão?

Dina Chimello: O tema foi uma sugestão do prefeito José Eder para celebrar os 90 anos da Guerra Civil de 1932. Os historiadores, Maria Izabel de Azevedo Marques Birolli, e Joaquim Roberto Fagundes foram responsáveis pela pesquisa histórica, e Andreas Guimarães pela expografia.

Jacuhy – Qual tem sido a impressão sobre a exposição dos munícipes e turistas que visitam o Museu?

Dina Chimello: É bastante impressionante como a exposição tem sido bem avaliada! Depoimentos cheios de emoção sobre a montagem da sala que conta a história dos “Lenços Brancos”, na voz de Tereza Freire. Sobre a grafia dos textos em tecidos, sobre a réplica da matraca e do boneco do soldado, obras do dedicado artesão Reginaldo da Silva Martins. Admiração ainda com a tecnologia de landing Page e QR code disponíveis em todas as salas, um recurso que possibilita maior alcance e visibilidade, trabalho técnico de Kauan Yorras Ruan Pereira, empresa, Essencial Artes Designer e Publicidade.

Jacuhy – Sabemos que a Revolução de 1932 ainda é trabalhada nas aulas de História. As escolas de Cunha têm frequentado a exposição?

Dina Chimello: Sim, uma grande quantidade de alunos e professores já visitaram a exposição, e queremos continuar a recebê-los com muita alegria e disposição. Acreditamos que, inspirados por ela, poderão surgir muitas e importantes atividades escolares. Esperamos ainda que estes alunos levem seus familiares. A exposição foi movida pelo sonho e o desejo de receber os cunhenses!

Jacuhy – Até quando vai a exposição e qual o horário que o Museu fica aberto à visitação? Ele funciona aos sábados e domingos?

Dina Chimello: Até dia 30/9 de 2022. De terça à sexta-feira, das 9h às 16 horas. Aos sábados das 10h30 às 16 horas. Aos domingos das 10h30 às 13 horas.

O Museu fica no calçadão da rua Comendador João Vaz, centro de Cunha, no casarão que pertenceu ao sr. Nenê Felipe.

Frango à moda da Revolução de 1932

Frango à Revolução, receita de Laura de Azevedo Fontes. Foto: Walter Morgenthaler.
“Eu ando de quarqué jeito, de butina ou de chinela
Na roça si a fome aperta, vou apertano a fivela
Mas lá no meu ranchinho, a mulher e os filhinhos
Tem franguinho na panela (...)”

(Franguinho na panela, música composta por Moacyr dos Santos e Paraíso)

Final de setembro de 1932. Chegava a primavera no Vale, época de arar a terra e semear para aproveitar a época das águas. Mas naquele ano de 1932, especificamente naquele ano, as terras de todo o Vale do Paraíba já haviam sido lavradas por trincheiras. Plantações de capacetes de aço, caules fardados de cor cáqui, de cujo punho brotam fuzis. Rumorosas e sangrentas eram aquelas lavouras adubadas à pólvora… Grande sofrimento para as mães dos soldados que não voltaram, grande sofrimento para o povo do lugar sem poder plantar… O mundo tinha virado de pernas para o ar.

Não só a estação havia mudado, mas a sorte e o ânimo dos paulistas. Já se delineava o resultado do embate, apontando a vitória das tropas da ditadura. Em menor número e sem munição, os paulistas recuavam em direção à sua capital. 

Foi no dia 15 de setembro o recuo mais dramático da guerra perdida, quando abandonaram a cidade de Lorena. Os paulistas, constitucionalistas, vendo o cerco se fechar, adotaram como tática a “terra arrasada”, para retardar e enfraquecer as linhas outubristas. Dos gêneros e víveres que para tropa inimiga poderia ser comida, nada restou. Não sabiam os combatentes que com essa ação insensata, recairia a carestia muito mais sobre o valente povo paulista do que sobre os soldados da ditadura. Do pouco que ainda tinham, foram forçados a ceder às tropas famintas de pão e sangue, que invadiam sem pedir licença, fiéis representantes que eram do regime do arbítrio. Para nosso desgosto, a linha de defesa se contraiu, atingindo a estação ferroviária de Engenheiro Neiva, na velha cidade de Guaratinguetá. Essas novas trincheiras, cavadas na iminência da derrota, foram a “musa” de Guilherme de Almeida, no épico “Oração ante a Última Trincheira”.

Laura de Azevedo Fontes. Foto: Walter Morgenthaler. Ano: 1998.

E foi no alvoroço desses acontecimentos e contratempos, que Laura de Azevedo Fontes, uma moça de 14 anos na época, recebeu – com a bravura que é própria das mulheres paulistas – um contingente grande de incômodos visitantes, ameaçando o saque, exigindo a boia ou o fogo grassaria pela Fazenda do Sertão, em Cachoeira Paulista, onde ela e a família estavam refugiados naqueles dias de setembro. Sacando o que tinha na dispensa (leite talhado) e o que restava no terreiro (galinhas velhas), na base do improviso e na boa mão que Deus lhe para os temperos, nasceu um prato novo para acalmar o estômago das tropas: um frango frito à moda da Revolução. A receita agradou paladares e amansou o ânimo dos soldados. Cessado os embates, abaixada a poeira, a receita foi sendo repassada e replicada, geração após geração, até chegar até nós. Revoluções findam-se; a gula, nunca.

Frango à Revolução
1 frango caipira (ou de granja) grande, cortado em pedaços
2 colheres (sopa) de suco de limão
3 dentes de alho amassados
1 folha de louro picada
Sal e pimenta a gosto
4 colheres (sopa) de óleo de urucum (ver receita abaixo)
2 cebolas grandes, cortadas em rodelas
3 xícaras (chá) de coalhada
4 colheres (sopa) de cheiro-verde picado

Modo de preparo:
Em uma tigela, tempere o frango picado com o suco de limão, o alho, o louro, o sal e a pimenta a gosto. Cubra e deixe descansar por 3 horas ou de um dia para o outro, para o frango pegar melhor o tempero.
Aqueça o olho de urucum em panela, em fogo alto. Junte o frango e deixe dourar. Acrescente a cebola e refogue até ficar macia.
Adicione a coalhada, misture, tampe e deixe ferver. Reduze o fogo e cozinhe, mexendo de vez em quando, até o frango ficar macio.
Acrescente o cheiro-verde e misture. Prove o tempero e, se for necessário, junte mais uma pitada de sal e pimenta a gosto. Tire do fogo, passe para uma travessa e sirva.

Rendimento: 6 porções.

Como temperar o óleo com urucum:
5 colheres (sopa) de sementes de urucum
2 xícaras (chá) de óleo

Ponha o óleo em uma panela e misture as sementes de urucum. Mexa e aqueça em fogo alto até o óleo ficar bem vermelho. Tire do fogo, deixe esfriar e coe, para retirar as sementes do óleo. Reserve o óleo temperado para utilizar em outras preparações.

O urucum e a coalhada dão cor e sabor ao frango à Revolução. Um delicioso prato histórico!

Fonte:
FERNANDES, C. A Culinária Tradicional Paulista nos hotéis SENAC São Paulo. São Paulo: Editora SENAC, 1998. pp. 74-75.

Detectorismo nas antigas trincheiras de Cunha

Arqueologia militar. O passado de Cunha não pode ficar enterrado. As trincheiras desapareceram. Não por trauma da população, mas por puro descaso, indiferença e falto de apreço aos lugares de memória. Por isso muitos artefatos vêm sendo encontrados nas antigas trincheiras de Cunha. A vida nesses buracos, escavados pelos sapadores de Piracicaba, não era fácil. Granadas, tiros de fuzil e o som da metralha. Dormir? Um luxo. E, às vezes, os “vermelhinhos” (apelido dado aos aviões da ditadura getulista, pelos constitucionalistas) azucrinando e jogando uns “abacaxis” (granadas) de presente. Na hora da boia: arroz, feijão e pólvora. Valeu a pena? Tanta luta e hoje tanto esquecimento…

Cunha foi um dos principais campos de batalha da Revolução de 1.932, maior guerra civil brasileira. E o curioso é que aqui São Paulo venceu.

Fotos e detectorismo: Elcio Macedo. Agradecemos a contribuição com a página “Jacuhy”. Parabéns pelo trabalho. O Elcio tem um projeto cultural e educacional, para criar uma exposição itinerante com os artefatos que ele tem desenterrado das antigas trincheiras de Cunha. Boa sorte e conte sempre conosco.

O elemento feminino na Revolução de 1.932

Tela exaltando a participação feminina na Revolução de 1932.

Realmente é impressionante a capacidade de mobilização feminina durante o movimento armado de 1.932, maior guerra civil brasileira no século XX. Elas fizeram a intendência, os serviços médicos e a logística do conflito funcionar. Sem elas, o movimento que durou 3 meses não duraria 3 dias. A rapidez e a eficiência com que assumiram papéis até então considerados masculinos demonstrava, na época, o absurdo que era privá-las da vida política e restringi-las ao ambiente doméstico. Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino; todavia, esse direito era concedido apenas a mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para viúvas com renda própria. Essas limitações deixaram de existir apenas em 1934, quando o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal. Carlota Pereira de Queirós foi uma médica, escritora, pedagoga e política brasileira. Foi a primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal. Ela participou dos trabalhos na Assembleia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.

Uma entre eles: a paulista foi a única eleita Carlota Pereira de Queirós em 1933, para a Assembléia Nacional Constituinte, na legenda da Chapa Única por São Paulo.

Na Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrido em São Paulo, Carlota organizou e liderou um grupo de 700 mulheres para garantir a assistência aos feridos. Assim, teve valiosa participação, lutando pelos ideais democráticos defendidos por São Paulo. Ingressando na política, foi a primeira deputada federal da história do Brasil. Eleita pelo estado de São Paulo em 1934, fez a voz feminina ser ouvida no Congresso Nacional. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças, trabalhava por melhorias educacionais que contemplassem melhor tratamento das mulheres. Além disso, publicou uma série de trabalhos em defesa da mulher brasileira. Ocupou seu cargo até o Golpe de 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso.

Cartaz convocando voluntárias para atuar no serviço médico do Exército Constitucionalista.

Em 1932, mais de 72 mil mulheres atuaram no movimento armado contra o governo provisório de Getúlio Vargas. E não foram só enfermeiras e cozinheiras. Alguma foram para as trincheiras, como a professora Maria Stella Sguassábia, que vestiu a farda de um soldado desertor, e Maria José Bezerra, conhecida como Maria Soldado, que só descobriram que era mulher após e ser ferida e receber atendimento médico. Com o fim da Revolução de 1932, o direito ao voto feminino foi reconhecido e o Brasil passou por um processo redemocratização, tal como queriam os paulistas. A permissão para votar ainda estava longe de ser ideal, mas já era uma conquista. O direito ao sufrágio era restrito às mulheres casadas que tivessem a autorização do marido e às solteiras e viúvas, desde que com renda própria. O voto pleno e obrigatório como direito de todas as mulheres foi instituído pela Constituição de 1946, após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945).

Para saber mais:

Reportagem da TV Globo contando a história da combatente paulista Maria Stella Sguassábia.
Vídeo demonstrando a participação feminina na Revolução de 1.932, ao som da marchinha “Paulistinha querida”.

Exposição virtual do MIS:
A mostra “A mulher na Revolução de 32” reúne 32 imagens e áudios exclusivos do Acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS) e fica disponível gratuitamente online na plataforma Google Cultural Institute. A exposição visa revelar o papel da mulher no momento em que o estado de São Paulo se rebelava contra a ditadura de Getúlio Vargas. Link abaixo:

https://artsandculture.google.com/exhibit/a-mulher-na-revolu%C3%A7%C3%A3o-de-32-museo-da-imagem-e-do-som/6wJSXg7DS8ZpKg?hl=pt-BR

Museu Francisco Veloso inaugura site

Print da página inicial do site do Museu de Cunha.

O Museu Municipal Francisco Veloso, localizado no casarão Rua Comendador João Vaz, no Centro Histórico de Cunha, inaugurou o seu site. Uma excelente iniciativa encabeçada por Sueda Carolina (estagiária do Museu) e pelo historiador Joaquim Roberto Fagundes.

O Museu foi idealizado e criado pelo professor e historiador João José de Oliveira Veloso (1945-2021) e é referência para pesquisa histórica local e regional, contendo diversos documentos do século XIX, além de artefatos de grande valor histórico para Cunha.

Para celebrar a sua inauguração e o 89º aniversário da deflagração da Revolução Constitucionalista de 1932, iniciada em 9 de julho, de grande importância para Cunha, o Museu está promovendo a “Exposição Virtual Revolução Constitucionalista de 1932 em Cunha – SP” (veja roteiro e links para acesso abaixo), um modo adequado de apresentar ao público a epopeia paulista, respeitando as restrições sanitárias para contenção da pandemia de COVID-19.

A Exposição ficará na web durante todo o mês de julho. Bem ilustrada e fundamentada, conta com textos dos historiadores João Veloso (“in memoriam”) e Joaquim Fagundes, além de fotos de peças usadas na Revolução de 1932, que estão guardadas no Museu. Conta também com depoimentos e áudios do movimento armado, além de fotos e mapas do conflito em território cunhense, extraídos do livro “Cunha em 1932”, publicado em 1935 e de autoria do ex-voluntário Clementino de Souza e Castro Junior.

A visita virtual à Exposição vale muito a pena, não só para os interessados no assunto, mas por aqueles que amam Cunha e querem conhecer um pouco mais desse episódio triste e marcante da nossa História local. Cunha foi um dos poucos fronts em que os paulistas obtiveram vitória contra as tropas da ditadura de Getúlio Vargas. E aqui também tombou Paulo Virgínio, um cunhense, caipira, civil, herói e mártir da causa paulista; que mesmo torturado, se recusou a ajudar as tropas da ditadura, preferindo a própria morte à desonra.

Exposição Virtual Revolução Constitucionalista
de 1932 em Cunha – SP

Museu Municipal Francisco Veloso
Rua Comendador João Vaz, s/nº – Centro
Telefone: (012) 3111-1499
E-mail: museufrancisoveloso.cunha@gmail.com

10 curiosidades sobre Cunha

Cunha: Cidades das Serras

1 – Seu antigo nome era “Facão”. Somente em 1.785, com a independência política-administrativa, passando a ser então um município, é que denominar-se “Villa de Nossa Senhora da Conceição de Cunha”, uma homenagem a Francisco da Cunha e Meneses, governador e capitão-general da Capitania de São Paulo de 1.782 a 1.786, responsável pela outorga de sua elevação à condição de vila. A ereção da capela de Jesus, Maria e José, no bairro da Boa Vista, no ano de 1.724, é considerado o evento fundador.

2 – Possui o maior rebanho bovino do Vale do Paraíba e é uma das maiores bacias leiteiras do estado. Por isso é tão comum encontrar deliciosos queijos artesanais pelas roças de Cunha. No passado foi grande produtora de toucinho, milho e fumo: produtos agrícolas que abasteciam a zona cafeeira do Vale do Paraíba. O turismo é atividade econômica recente, desenvolvida nas últimas décadas, impulsionada pela pavimentação da Estrada-Parque Paraty-Cunha. Seu passado econômico sempre esteve ligado à agricultura familiar e de subsistência e ao tropeirismo, já que era pouso obrigatório entre o sertão e o litoral. Era uma espécie de “celeiro do Vale”.

 3 – No passado, antes da chegada dos colonizadores portugueses, o planalto cunhense era povoado pelos índios Guaianás. Esse povo originário abriu vários caminhos ligando o planalto até a costa atlântica. Andejos, exímios caçadores e coletores, esse povo autóctone era nômade e migravam sazonalmente: no verão viviam na serra; no inverno desciam para beira do mar. Pessoas ligeiras no esgueirar-se pelas matas densas, de baixa estatura, falavam uma língua do tronco Macro-Jê.

 4 – É a Capital Nacional da Cerâmica de Alta Temperatura, segundo projeto de lei que tramita no Congresso Nacional, já em fase de aprovação. Isso se deve ao fato de Cunha receber, desde a década de 1.970, inúmeros ceramistas que utilizavam a queima de suas peças no forno Noborigama. De lá para cá, muitos outros artistas se instalaram em Cunha, produzindo peças reconhecidas nacionalmente, e transformando a cidade no maior polo de cerâmica de autor da América do Sul. Antes da chegada dos artistas-ceramistas, havia em Cunha as “paneleiras”: ceramistas, geralmente mulheres, que produziam peças utilitárias, para ser utilizado no dia a dia da vida caipira. Os vasilhames eram confeccionados através de técnicas ancestrais, de origem indígena.

5 – Cunha possui os maiores campos de lavandas do estado de São Paulo e os mais famosos do Brasil, fato que motivou a imprensa especializada em turismo em chamá-la de “a Provence paulista”. Um tanto exagerado o epíteto, tendo em vista que o município possui apenas dois campos de lavandas: o Lavandário e o Contemplário. São belos e dão um certo ar de paisagem incomum (pelo menos nos trópicos), mas não se comparam ao que há na França. Cunha possuía há alguns anos uma enorme frota de fusca, que chamava a atenção dos turistas e viajantes que passavam pela cidade. Seria Cunha a “capital do Fusca” também? Inúmeras reportagens sobre a relação do cunhense com esse carro, tão adequado às condições das estradas rurais do município, foram feitas. Até uma festa para celebrar o mais famoso auto da Volkswagen foi organizada: a “FusCunha”. Virou matéria no “Me leva Brasil”, quadro da revista eletrônica “Fantástico”, da TV Globo.

6 – Em 1.932 o município foi palco dos combates entre federais e paulistas, durante a Revolução Constitucionalista. A “Batalha de Cunha”, travada no estilo da Primeira Grande Guerra e com o auxílio da aviação, foi uma das maiores batalhas daquela guerra civil e uma das poucas em que as tropas paulistas venceram. Paulo Virgínio, trabalhador rural do bairro do Taboão, foi capturado, torturado e morto pelas tropas federais, que apoiavam manutenção no poder do ditador Getúlio Vargas. Por não ter revelado os caminhos que levavam às trincheiras paulistas – nem mesmo sob tortura – foi considerado herói e mártir da causa paulista e constitucionalista.

7 – É a maior produtora de pinhão de São Paulo. Isso só é possível porque o território cunhense é salpicado por araucárias (pinheiro brasileiro). Os produtores rurais aproveitam para catar e comercializar os pinhões que caem no outono, e, assim, ter uma renda extra com o extrativismo vegetal. A Festa do Pinhão, atualmente o maior evento turístico de Cunha, conta com feira de comidas típicas à base de pinhão, além de shows e atrações outras. As araucárias são nativas em Cunha, pois mesmo sendo típicas de climas frios e subtropicais, encontraram na Mata Atlântica das altas montanhas um refúgio ecológico propício para sua espécie.

 8 – Possui mais de 250 bairros rurais e seu território está cercado por três serras: do Mar, da Bocaina e da Quebra-Cangalha. O relevo é tipicamente montanhoso, área exemplar da paisagem de “mares de morros”. A associação de montanhas, rios e seixos dá origem há inúmeras cachoeiras, variando de tamanho e beleza. O clima é tropical de altitude, com ocorrência de geadas no inverno, mas muito úmido nas áreas mais altas, próximas à Serra do Mar, devido à ocorrência de garoas. Devido à salubridade do seu clima ameno, um sanativo para os tuberculosos e para os acometidos de outras moléstias respiratórias, fez o Governo Estadual transformar Cunha em uma Estância Climática em 1.948.

9 – Em seu território há duas unidades de conservação de proteção integral: o Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo de Cunha) e o Parque Nacional da Serra da Bocaina. O rio Paraibuna nasce no município e o rio Paraitinga nele se encorpa. Ambos são os formadores do rio Paraíba do Sul, o curso d’água mais estratégico do país, por estar localizado entre as duas maiores regiões metropolitanas brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro. Possui várias fontes hidrominerais inexploradas, que brotam do seio do aquífero Cristalino, com destaque para as fontes do complexo das Águas Virtuosas de Santa Rosa, uma das melhores do mundo e a única explorada comercialmente até o momento.

10 – É o maior município do Vale do Paraíba em extensão territorial e o 11º do estado de São Paulo. Sua população está estagnada em torno de 20 mil habitantes há mais de um século, devido às perdas migratórias por razões econômicas e ao êxodo rural. Cunha é um dos berços e redutos da autêntica cultura caipira (paulista), que se manifesta no modo do povo falar, no jeito de andar e se vestir, no modo de ser e viver, nas construções, nas tradições religiosas seculares, nas danças (congada, jongo, são-gonçalo, moçambique, catira etc.), folias (de Reis e do Divino) e cantigas de viola, na culinária, com uma variedade deliciosa de doces e pratos salgados, que alimentam a alma e o espírito. Conhecer Cunha, já diziam os antigos cientistas sociais que estudaram o lugar, é mais que uma viagem no espaço; é uma viagem no tempo! Uma possibilidade de reencontro consigo mesmo e com a paz perdida na confusão da “civilização urbana”.